Aspectos processuais do direito eleitoral: a ação de impugnação de registro de candidato, a ação de investigação judicial eleitoral e a representação do art. 96 da Lei das EleiçõesFlávio Cheim Jorge - Marcelo Abelha Rodrigues

AutorDaniel Castro Gomes da Costa
Páginas65-76

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1. Aspectos gerais

A Justiça Eleitoral, como ramo especial do Poder Judiciário, possui sua função administrativa mais acentuada do que as demais. É que à Justiça Eleitoral incumbe não só a atividade jurisdicional de resolução dos conflitos desta natureza, mas também toda administração pública de organização e realização das eleições.

A ela competem os procedimentos relativos ao alistamento eleitoral, ao cancelamento, bem como a exclusão do eleitor; ao registro de candidatos; à confecção das cédulas; à apuração dos resultados; à proclamação dos eleitos; à diplomação; à propaganda partidária; ao julgamento de crimes eleitorais; à imposição de sanção por abuso de poder, entre vários outros.

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O art. 1º do Código Eleitoral já evidencia o prenúncio de tudo aquilo que incumbe à Justiça Eleitoral: "Este Código contém normas destinadas à assegurar a organização e o exercício de direitos políticos, precipuamente os de votar e ser votado".

Devido a essas características e funções, a Justiça Eleitoral sempre foi marcada por uma acentuada quantidade de normas esparsas (Lei Complementar, Lei Ordinária, Resoluções), que aliadas ao Código Eleitoral (Lei nº 4.737, de 15 de junho de 1965), contemplam o plexo legislativo que regulamentam e disciplinam essa ciência do direito.

As atividades da Justiça Eleitoral podem ser divididas assim em administrativa ou jurisdicional; ao passo que esta última de natureza voluntária ou contenciosa.

Sob a ótica da atividade jurisdicional contenciosa, alguns ritos especiais, de natureza processual, merecem uma análise nesse contexto. Referimo-nos à ação de Impugnação de Registro de Candidatos; a Ação de Investigação Judicial Eleitoral, bem como a Representação disciplinada no art. 96 da Lei das Eleições.

2. A Lei Complementar nº 64/90 - Lei da Inelegibilidade

A Constituição Federal, em capítulo destinado aos Direitos Políticos, estabelece regras específicas sobre "condições de elegibilidade" (art. 14, § 3º), bem como prescreve situações de "inelegibilidade".

Quanto a esta última, atribuiu à Lei Complementar a disciplina de outros casos, bem como os prazos para a sua cessação, nos seguintes termos:

"Art. 14...

§ 9º Lei Complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a via pregressa do candidato e a normalidade e legitimidade contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta."

Com efeito, disciplinada a norma supra, veio a lume a Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, comumente chamada de Lei das Inelegibilidades.

Esta lei teve a tarefa, portanto, de prescrever os casos de inelegibilidade, estabelecer os prazos de sua cessação, reger as Ações de Impugnação de Registro de Candidato e de Investigação Judicial Eleitoral, entre outras providências.

No que diz respeito ao escopo do presente, isto é, sob a ótica processual, a Lei das Inelegibilidades apresenta grande importância. É dela que se extrai a disciplina de dois procedimentos muitos importantes no direito processual eleitoral, quais sejam: Ação de Impugnação de Registro de Candidatos (AIRC) e a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE).

A grosso modo, pode-se dizer que a AIRC tem por escopo obter a declaração judicial de que determinado candidato não pode ter o registro de sua candidatura deferido porque é considerado pela própria lei como inelegível (art. 15). São, portan-

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to, situações objetivas existentes quando do registro de candidatura que impedem que determinado cidadão seja candidato a um mandato popular.

De outra parte, a AIJE visa obter, em decorrência da prática de atos que caracterizam abuso de poder (político ou econômico), decisão que casse o registro do candidato e declare a sua inelegibilidade para as eleições que se realizarem nos próximos 3 (três) anos (art. 22, XIV).

2.1. Ação de impugnação de registro de candidato (AIRC)
2.1.1. Natureza jurídica e objeto

Como dito alhures, o que se objetiva com a AIRC é que determinado cidadão não obtenha o registro de sua candidatura. Este é o pedido formulado nesta demanda e em relação ao qual deverá se agregar a imutabilidade da coisa julgada.

Para obter o deferimento deste pedido, deverá o autor demonstrar e comprovar que o pretenso candidato possui uma daquelas situações descritas como impeditivas pela própria Lei das Inelegibilidades. Essa situação jurídica a que se submete o candidato é a causa de pedir da demanda (inelegibilidade), que não se confunde com o seu pedido.

Em resumo, sob a alegação desse fato constitutivo (inelegibilidade), o autor formula pedido de natureza declaratória negativa consistente no indeferimento do regis-tro do candidato.

Não se obtém nesta modalidade de demanda a decretação de inelegibilidade do pretenso candidato. A inelegibilidade é prévia ao pedido de registro, sendo utilizada como fundamento para a sua não-concessão.

A Lei Complementar nº 64/90 funciona, assim, não só como repositório de normas de direito material que regulamenta as hipóteses de inelegibilidade, mas também disciplinando o processo específico e especial para que estas normas sejam aplicadas e respeitadas.

Sob aspecto formal, a AIRC corre simultaneamente com o processo de registro de candidatura, o qual se inicia com o protocolo na Justiça Eleitoral requerendo seja determinada pessoa aceita como candidata a um determinado cargo eleito. As condições formais para o registro encontram-se na Lei das Eleições (arts. 10 e seguintes). Trata-se de um procedimento de natureza aparentemente administrativa - no fundo de jurisdição voluntária - onde após a publicação de editais e não havendo impugnação, o juiz deverá certificar-se se os requisitos formais estão presentes e deferir o registro.

A AIRC, dentro desse contexto, possui natureza jurídica de ação, que a LC nº 64/90 intitula de ‘impugnação’ (art. 3º), cujo objetivo é obter o impedimento do regis-tro da candidatura. Os motivos podem ser aspectos ligados diretamente à inelegibilidade ou outros aspectos meramente formais (candidato filiado ao partido etc.). Havendo o ajuizamento desta demanda, os juízes eleitorais deverão, como regra, prolatar ‘sentença’ única para os dois procedimentos. O acolhimento de uma implica na rejeição da outra.

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2.1.2. Procedimento

O procedimento dessa demanda deve ser célere e expedito, já que a Lei das Eleições (art. 16) exige que até 45 dias antes das eleições, os Tribunais Regionais Eleitorais enviem a lista de todos os candidatos ao Tribunal Superior Eleitoral. Até mesmo por isso, os prazos processuais "são peremptórios e contínuos e correm em Secretaria ou Cartório e, a partir da data de encerramento do prazo para registro de candidatos, não se suspendem aos sábados, domingos e feriados".

Exatamente em decorrência da necessária celeridade é que existem regras específicas para esta demanda, que muitas vezes não se compatibilizam com as normas processuais civis.

A legitimidade para a sua propositura, como é comum nas demandas eleitorais, é atribuída a qualquer candidato, a partido político, coligação ou ao Ministério Público (art. 3º da LC nº 64/90). Cuida-se, efetivamente, de legitimidade concorrente disjuntiva, onde dada a natureza coletiva do direito é conferida a vários entes a legitimidade para seu manuseio. É concorrente porque outorgada há mais de um legitimado; é disjuntiva porque qualquer um deles, sem anuência do outro, pode ajuizar a demanda.

O prazo para o seu ajuizamento é de 5 (cinco) dias, contados da publicação do Edital veiculando o pedido de registro da candidato. A petição inicial já deverá conter, tal como no processo civil, a produção da prova documental, além de indicar (arrolar) as testemunhas que pretende ouvir.

Iniciado, dessa forma, o processo, serão citados (a lei fala em notificação) o candidato e o partido (ou coligação) para que em 7 dias...

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