Reflexões doutrinárias e jurisprudenciais sobre o art. 41 da Lei no 9.504/97José Augusto Delgado

AutorDaniel Castro Gomes da Costa
Páginas19-30

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1. Introdução

A aplicação do princípio da moralidade nos últimos anos, tem sido alvo de intensa preocupação do Poder Judiciário, a fim de fazer cumprir os propósitos inseridos expressamente, a seu respeito, na Constituição Federal, tornando efetivo os anseios da cidadania no alcance desse valor.

A inserção do princípio da moralidade, de modo explícito, na CF, como revelam os arts. 37, caput, § 4º, 5º, LXXIII, 14, § 9º, reabriu os debates referentes à repercussão da ética e da moral na prática das relações jurídicas, com destaque para as de natureza eleitoral.

Em face desse novo panorama principiológico, a eficácia e a efetividade da moralidade estão sendo exigidas com o máximo de intensidade no âmbito dos fenômenos eleitorais, a começar com a postura a ser adotada pelos candidatos a cargos eletivos.

A busca de ser imposto respeito absoluto ao princípio da moralidade pelos atores do processo eleitoral não tem ficado circunscrita a simples debate de natureza filosófica, circulando por aspectos metafísicos. O contrário tem acontecido. Há uma movimentação crescente no sentido de ser cristalizada uma conscientização de ser de grande valia para o aperfeiçoamento do regime democrático a exigência de um comportamento rigorosamente lícito por parte dos que fazem a opção de se submeterem

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ao julgamento dos eleitores para representá-los nas atividades estatais executivas e legislativas.

A história do direito está a demonstrar que a adoção da moralidade como regra de conduta a ser exercida pelos agentes públicos surgiu na França, em decorrência da ampliação da teoria do desvio do poder, nos meados do século XIX. A aceitação imediata da idéia de ser combatido o desvio de poder pela autoridade pública, conduziu Maurice Hauriou, jurista francês, no início do século XX, a defender a moralidade como princípio fundamental a nortear qualquer tipo de relação entre o ser humano e o Estado.

A previsibilidade do princípio da moralidade, de forma expressa e autônoma, na Constituição Federal, reforçou o entendimento de que, qualquer atividade voltada para realizar fins estatais só alcança aperfeiçoamento se for prestigiada pelo cumprimento das regras morais que lhe são impostas e vinculação à disciplina legislativa que lhe diz respeito.

Esse panorama impõe obrigatoriedade ao Poder Judiciário de examinar, do modo mais amplo possível, a conduta do agente que se candidate a qualquer cargo eletivo, a fim de verificar se a sua eleição para integrar o Poder Executivo ou Legislativo ocorreu de conformidade com os postulados democráticos, especialmente, os que consagrem o respeito à dignidade humana, ao valor da liberdade do voto, à legalidade e igualdade.

No círculo dessas idéias a serem seguidas pelo Poder Judiciário, deve ser firmado o entendimento de que a carga valorativa a ser prestigiada nas relações jurídicas eleitorais, por influência das circunstâncias que estão presentes na situação em análise, deve ser a moral legitimada pelo próprio Direito, isto é, a que esteja contida na coerção de uma norma reconhecida como existência, válida, eficaz, efetiva e harmônica com os desígnios da Constituição Federal.

O conceito de moralidade administrativa pregado por Hely Lopes Meirelles serve, sem qualquer alteração, para se compreender esse importante valor a ser seguido nos fenômenos jurídicos eleitorais. Hely Lopes Meirelles, sintetizando o afirmado por Maurice Hauriou, considerado o principal sistematizador da teoria da moralidade administrativa, apregoa que "a moralidade administrativa constitui hoje em dia, pressuposto da validade de todo ato da Administração Pública (art. 37, caput, da CF). Não se trata, diz Hauriou, o sistematizador de tal conceito - da moral comum, mas sim de uma moral jurídica, entendida como ‘o conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da administração’. Desenvolvendo a sua doutrina, explica o mesmo autor que o agente administrativo, como ser humano dotado da capacidade de atuar, deve, necessariamente, distinguir o Bem do Mal, o honesto do desonesto. E, ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto. Por considerações de direito e de moral, o ato administrativo não terá que obedecer somente à lei jurídica, mas também a lei ética da própria instituição, porque nem tudo que é legal é honesto, conforme já proclamavam os romanos - non ominae quod licet honestum est. A moral comum, remonta Hauriou, é imposta ao homem para a sua conduta externa, a moral administrativa é imposta ao agente público para a sua conduta interna, segundo

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as exigências da instituição a que serve, e a finalidade de sua ação: o bem comum". Conclui Hely Lopes: "O certo é que a moralidade do ato administrativo, juntamente com a sua legalidade e finalidade, constituem pressupostos de validade, sem os quais toda atividade pública será ilegítima". (Direito Administrativo Brasileiro, 15ª ed., São Paulo: RT, 1990, p. 79/80).

Registramos, encerrando essa fase introdutória de conceituação do princípio da moralidade, as precisas observações feitas por Juarez Freitas, sobre a autonomia, em nosso ordenamento jurídico, do princípio da moralidade. Assevera o autor citado: "No tangente ao princípio da moralidade, por mais que tentem assimilá-lo a outras diretrizes e conquanto experimentando pronunciada afinidade com todos os demais princípios, certo é que o constituinte brasileiro, com todas as imensas e profundíssimas conseqüências técnicas e hermenêuticas que deles advêm, pretendem conferir autonomia jurídica ao princípio da moralidade, ao qual veda condutas eticamente inaceitáveis e transgressoras ao senso moral da sociedade, a ponto de não comportarem condescendência.

De certo modo, tal princípio poderá ser identificado com o da justiça determinar que se trate a outrem do mesmo modo que se apreciaria ser tratado. O outro, aqui, é a sociedade inteira, motivo pelo qual o princípio da moralidade exige que, fundamentada e racionalmente, os atos, contratos e procedimentos administrativos venham a ser contemplados à luz da orientação decisiva e substancial, que prescreve o dever de a Administração Pública observar, com pronunciado rigor e a maior objetividade possível, as referências valorativas basilares vigentes, cumprindo, de maneira precípua até, proteger e vivificar, exemplarmente, a lealdade, e a boa-fé para com a sociedade, bem como travar o combate contra toda e qualquer lesão moral provocada por ações públicas destituídas de probidade e honradez". (O Controle dos Atos Administrativos e os Princípios Fundamentais, SP: Malheiros, 1997, pp. 67/68).

A obediência ao princípio da moralidade, em qualquer tipo de relação jurídica, torna-se essencial a "concreção e persistência do Estado de Direito ou do Estado Social e Democrático de Direito, entendido este como aprimoramento daquele e não como categoria distinta" (Weida Zancaner, Prof. Dir. Administrativo da PUC/SP, Assessora Jurídica do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo) em "Razoabilidade e Moralidade: Princípios Concretizadores do Perfil Constitucional do Estado Social e Democrático de Direito", pub. http://www.direitopublico.com.br, acessado em 21.08.07.

2. Aspectos históricos do art 41-A da Lei nº 9.504, de 1997

A crescente conscientização da sociedade em ser obedecido o princípio da moralidade nas relações jurídicas de qualquer natureza motivou, em face do grave explícito comportamento do voto para a eleição de candidatos aos cargos do Executivo e do Legislativo, em muitas oportunidades, ser trocado por dinheiro, cestas básicas, medicamentos, prestação de serviços médicos e outras vantagens, o surgimento de uma campanha nacional para combater esse tipo de concepção eleitoral.

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Esse movimento coordenado pela OAB, AMB, HABI, CUT, Confederação dos Bispos e outras entidades associativas, após ter identificado a inexistência de legislação específica punindo esse atentado à democracia e à moralidade eleitoral, formulou um projeto de iniciativa popular, apoiado no art. 61, § 2º, da CF, com mais de 1 milhão de assinaturas, que, ao ser apresentado no Congresso Nacional, e seguindo os seus trâmites legais, resultou na Lei Federal de nº 9.840, de 28.09.1999, que acrescentou o art. 41-A à Lei nº 9.504, de 30.09.1997, com a seguinte redação:

Art. 41-A - Ressalvado o disposto no art. 26 e sem incisos, constitui captação de sufrágio, vedado por esta lei, o candidato doar, oferecer, prometer ou entregar, ao eleitor, com fim de obter-lhe voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil UFIR, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990.

O referido dispositivo legal passou, consequentemente, a vigorar, em toda a sua plenitude, sem determinar conflito, com o art. 299 do Código Eleitoral. Este regramento considera crime eleitoral a ação de doar, oferecer e prometer vantagem de qualquer natureza ao eleitor, para conseguir o seu voto.

Temos, portanto, o ato de doar, oferecer ou prometer qualquer vantagem para o fim de ser beneficiado pelo voto, como determinante da possibilidade do candidato ser punido tanto na esfera eleitoral penal, como na esfera eleitoral cível. Nesta, são severas as punições: multa e cassação do registro da candidatura ou do diploma concedido.

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