Inconstitucionalidade do Limite Máximo de 90 dias Atinente ao Aviso-Prévio Proporcional ao Tempo de Serviço (Lei n. 12.506/2011): Reflexão Lastreada no Princípio da Vedação de Retrocesso Social

AutorGérson Marques/Ney Maranhao
Páginas99-105

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A Constituição Federal de 1988 prevê, em seu art. 7º, inciso XXI, que constitui direito dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social (caput), o “aviso-prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei”. Mais à frente, em seu parágrafo único, o mesmo dispositivo constitucional, expressamente, assegura à categoria dos trabalhadores domésticos esse especial direito trabalhista.

Perceba-se, inicialmente, que essa alvissareira proporcionalidade do aviso-prévio, ventilada pela Magna Carta, ficou na dependên- cia direta de uma intervenção do legislador, que recebeu o específico encargo de elaborar lei que regulamentaria a forma como essa proporcionalidade, em concreto, deveria ser implantada. Na esteira da clássica doutrina de José Afonso da Silva1, o inciso XXI do art. 7º da Constituição Federal, no tocante à regra da proporcionalidade, constituía uma típica hipótese de norma constitucional de eficácia limitada, na medida em que sua efetiva aplicação prática ficara mesmo por completo dependente da atuação do legislador infraconstitucional.

Eis que, agora, após longos 23 anos de silêncio legiferante, exsurge, enfim, em 11 de

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outubro de 2011, a Lei n. 12.506/2011, que, segundo sua ementa, “dispõe sobre o aviso-prévio e dá outras providências”. Seu texto, publicado no DOU 13 de outubro de 2011, é formado por apenas dois artigos, in verbis:

Art. 1º O aviso-prévio, de que trata o Capítulo VI do Título IV da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-lei n.
5.452, de 1º de maio de 1943, será concedido na proporção de 30 (trinta) dias aos empregados que contem até 1 (um) ano de serviço na mesma empresa. Parágrafo único. Ao aviso-prévio previsto neste artigo serão acrescidos 3 (três) dias por ano de serviço prestado na mesma empresa, até o máximo de 60 (sessenta) dias, perfazendo um total de até 90 (noventa) dias.

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”

À primeira vista, parece certo que a Lei n.
12.506/2011 veio à lume com o claro propósito de suprir aquela inquietante omissão do legislador, quanto ao seu dever de regulamentar a proporcionalidade do aviso-prévio, tal qual disposta no inciso XXI do art. 7º da Constituição Federal.

Mas a citada legislação tem fomentado inúmeros questionamentos, um dos quais está justamente na tese que sustenta a própria inconstitucionalidade da limitação temporal de 90 (noventa) dias trazida pela Lei n. 12.506/2011.

Alega-se que a Constituição Federal, ao tratar, em seu art. 7º, inciso XXI, do aviso-prévio proporcional ao tempo de serviço, malgrado faça menção a um mínimo de 30 (trinta) dias, nenhuma restrição estabelece quanto ao máximo de tempo, no tocante à regra da proporcionalidade.

Logo, segundo Guilherme Guimarães Ludwig, in verbis:

“No caso da Lei n. 12.506, ao delimitar o prazo máximo de noventa dias, o legislador infraconstitucional produziu uma contenção indevida do direito fundamental (de eficácia meramente limitada), já que sem a correspondente autorização constitucional.

Diante de tais fundamentos, por violação do inciso XXI do art. 7º da Constituição, parece-nos inequívoca a inconstitucionalidade da expressão ‘até o máximo de 60 (sessenta) dias, perfazendo um total de até 90 (noventa) dias’ disposta no art. 1º, caput, da referida Lei. Em consequência, não deve ser reconhecido nenhum limite temporal máximo para a plena eficácia do direito fundamental à proporcionalidade do aviso-prévio.”2Com isso, caso um trabalhador seja dispensado e tenha 30 anos de labor, o prazo do aviso-prévio deveria ser fielmente proporcional ao seu tempo de serviço, de modo a lhe assegurar, nessa hipótese, 120 (cento e vinte) dias de mantença do vínculo laboral com vistas à busca de um novo posto de trabalho — suplantando, pois, o limite de 90 (noventa) dias criado pela Lei n. 12.506/2011.

Sergio Pinto Martins, de sua parte, manifestou-se contrário à tese, defendendo a plena constitucionalidade do limite de acréscimo de 60 (sessenta) dias de proporcionalidade de aviso- -prévio, de modo a se alcançar um total máximo de 90 (noventa) dias sob tal título. Eis os termos de sua ponderação:

“Entendo que a determinação em estabelecer o limite de 60 dias não é inconstitucional, pois a norma constitucional precisava ser regulamentada pela previsão da lei ordinária. O inciso XXI do art. 7º da Constituição é claro no sentido de que o aviso-prévio proporcional ao tempo de serviço é estabelecido ‘nos termos da lei’. A proporcionalidade será estabelecida na forma prevista na lei ordinária, que é a Lei n. 12.506. Logo, a lei pode limitar o máximo do aviso-prévio proporcional, pois há expressa permissão constitucional para isso.”3Pois bem. É preciso reconhecer, antes de tudo, que a Constituição Federal, verdadeira-

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mente, ao estabelecer o direito fundamental social a um lapso de aviso-prévio diretamente proporcional ao tempo de serviço, em nenhum momento fez qualquer menção à possibilidade de restrições ao critério que adotou. Com efeito, dispôs simplesmente o texto constitucional ser direito dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, o “aviso-prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei” (CF, art. 7º, XXI).

Também não temos dúvidas de que o inciso XXI do art. 7º da Constituição Federal, no tocante à regra da proporcionalidade, constitui, conforme clássica doutrina, uma típica hipótese de norma constitucional de eficácia limitada4, na medida em que sua efetiva aplicação prática ficou na inteira dependência da atuação do legislador infraconstitucional5, sobre quem recaiu o poder de, dentro do jogo político-democrático travado no Congresso Nacional, ofertar à socie-dade uma regulamentação que harmonizasse o máximo possível os interesses dos atores sociais diretamente envolvidos na matéria.

Ocorre que o legislador ordinário, ao se desincumbir dessa tarefa de regulamentar direito fundamental social, deve ter a cautela de não promover inaceitável restrição do núcleo mínimo de direito fundamental já efetivado, sob pena de incorrer em odioso retrocesso social.

Isso porque, no nosso modo de ver, o ponto nodal da questão, o critério central mesmo, fora peremptoriamente firmado já desde 1988: a majoração do lapso temporal reservado ao aviso- -prévio deve ser diretamente proporcional ao tempo de serviço do obreiro. Este é o núcleo do comando constitucional, sua estruturação basilar — inarredável, pois. E, se é certo que, no que concerne a essa regra de proporcionalidade, a Carta Constitucional nada referiu sobre limites máximos, forçoso reconhecer a impertinência de se estabelecer o prazo máximo de 90 (noventa) dias de proporcionalidade de aviso-prévio, tal qual disposto no parágrafo único do art. da Lei n. 12.506/2011. Não sem razão, portanto, o indignado questionamento de Jorge Luiz Souto Maior: “como pode ser proporcional ao tempo de serviço um aviso-prévio que resta limitado a noventa dias, desconsiderando, a partir daí, o próprio critério da vinculação ao tempo de serviço?”6Além disso, a se aplicar sem grande discussão o limite máximo de 90 (noventa)...

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