Autonomia e natureza jurídica do direito do trabalho
Autor | Mauricio Godinho Delgado |
Páginas | 80-96 |
CAPÍTULO II
AUTONOMIA E NATUREZA JURÍDICA DO
DIREITO DO TRABALHO
I. INTRODUÇÃO
A apresentação das características essenciais do Direito do Trabalho,
que permita ao analista a visualização de seus contornos próprios mais
destacados, não se completa sem o exame dos traços que envolvem a
relação desse ramo especializado com o conjunto geral do Direito.
Esses traços são dados, fundamentalmente, pelo estudo da autonomia
do ramo juslaborativo, de seu posicionamento no plano jurídico geral (sua
natureza jurídica, em suma), e, fi nalmente, a investigação de suas relações
com outros ramos do universo do Direito.
II. AUTONOMIA
Autonomia (do grego auto, próprio, e nomé, regra), no Direito, traduz a
qualidade atingida por determinado ramo jurídico de ter enfoques, princípios,
regras, teorias e condutas metodológicas próprias de estruturação e dinâmica.
A conquista da autonomia confi rma a maturidade alcançada pelo ramo
jurídico, que se desgarra dos laços mais rígidos que o prendiam a ramo(s)
próximo(s), sedimentando via própria de construção e desenvolvimento de
seus componentes específi cos. Nessa linha, pode-se afi rmar que um deter-
minado complexo de princípios, regras e institutos jurídicos assume caráter
de ramo jurídico específi co e próprio quando alcança autonomia perante os
demais ramos do Direito que lhe sejam próximos ou contrapostos.
O problema da autonomia não é exclusivo do Direito e seus ramos in-
tegrantes. As próprias ciências o enfrentam, necessariamente. Neste plano
científi co específi co, pode-se dizer que um determinado conjunto de proposi-
ções, métodos e enfoques de pesquisa acerca de um universo de problemas
assume o caráter de ramo de conhecimento específi co e próprio quando
também alcança autonomia perante os demais ramos de pesquisa e saber
que lhe sejam correlatos ou contrapostos.
Quais são os requisitos para a afi rmação autonômica de certo campo
do Direito?
81C弼膝菱疋 尾微 D眉膝微眉肘疋 尾疋 T膝樋簸樋柊琵疋
O jurista italiano Alfredo Rocco sintetizou, com rara felicidade, a tríade
de requisitos necessários ao alcance de autonomia por certo ramo jurídico.
Trata-se, de um lado, da existência, em seu interior, de um campo temático
vasto e específi co; de outro lado, a elaboração de teorias próprias ao mesmo
ramo jurídico investigado; por fi m, a observância de metodologia própria
de construção e reprodução da estrutura e dinâmica desse ramo jurídico
enfocado(1).
A esses três requisitos, acrescentaríamos um quarto, consubstanciado
na existência de perspectivas e questionamentos específi cos e próprios, em
contraposição aos prevalecentes nos ramos próximos ou correlatos.
O Direito do Trabalho, cotejado com o conjunto desses quatro requisitos
à conquista de sua autonomia, atende largamente ao desafi o proposto. De
fato, são óbvias e marcantes a vastidão e especifi cidade do campo temático
desse ramo jurídico especializado. Basta enfatizar que a relação empre-
gatícia — categoria central do ramo justrabalhista — jamais foi objeto de
teorização e normatização em qualquer época histórica, antes do advento
da moderna sociedade industrial capitalista. Basta aduzir, ainda, institutos
como negociação coletiva e greve, além de temas como duração do traba-
lho, salário, com sua natureza e efeitos próprios, poder empregatício, além
de inúmeros outros assuntos, para aferir-se a larga extensão das temáticas
próprias ao Direito do Trabalho.
É amplo também o número de teorias específi cas e distintivas do ramo
justrabalhista. Ressaltem-se, ilustrativamente, as fundamentais teorias jus-
trabalhistas de nulidades e de hierarquia das normas jurídicas — ambas
profundamente distantes das linhas gerais hegemônicas na teorização do
Direito Civil (ou Direito Comum).(2)
É também clara a existência de metodologia e métodos próprios ao
ramo jurídico especializado do trabalho. Neste passo, a particularidade
justrabalhista é tão pronunciada que o Direito do Trabalho destaca-se pela
circunstância de possuir até mesmo métodos próprios de criação jurídica,
de geração da própria normatividade trabalhista. É o que se ressalta, por
exemplo, através dos importantes mecanismos de negociação coletiva
existentes.
Por fi m, o Direito do Trabalho destaca-se igualmente pelo requisito de
incorporar perspectivas e questionamentos específi cos e próprios. De fato,
(1) ROCCO, Alfredo. Corso di Diritto Commerciale — Parte Generale. Padova: La Litotipo —
Editrice Universitaria, 1921, p. 76. A proposição de Rocco é largamente difundida entre os
diversos autores de Direito.
(2) Sobre a teoria justrabalhista de nulidades, consultar neste Curso o Capítulo XV, item IV.
Sobre a teoria de hierarquização de regras jurídicas, consultar o Capítulo V, item VII desta
mesma obra.
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