Ordenamento jurídico trabalhista

AutorMauricio Godinho Delgado
Páginas165-223
CAPÍTULO V
ORDENAMENTO JURÍDICO TRABALHISTA
I. INTRODUÇÃO
Ordenamento jurídico é o complexo de princípios, regras e institutos
regulatórios da vida social em determinado Estado ou entidade supranacional(1).
É a ordem jurídica imperante em determinado território e vida social.
A jurista Maria Helena Diniz chama de ordenamento o “conjunto de normas
emanadas de autoridades competentes vigorantes num dado Estado”(2). Para
a autora, ordem jurídica, que se trata “do ordenamento jurídico”, constitui o
“conjunto de normas estabelecidas pelo poder político competente, que se
impõem e regulam a vida social de um dado povo em determinada época”(3).
As noções de ordem e ordenamento jurídicos referem-se, como visto,
ao complexo unitário de dispositivos regulatórios das organizações e relações
sociais em um determinado contexto histórico, geográ co e político-institucional.
O ordenamento jurídico compõe-se de fontes normativas, que são os
meios de revelação das normas jurídicas nele imperantes.
II. FONTES DO DIREITO: CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO
1. Conceito
O tema relativo às fontes do ordenamento jurídico é um dos mais nobres e
fundamentais de todo o Direito. É tema nuclear da Filoso a Jurídica, na medida
em que examina as causas e fundamentos remotos e emergentes do fenômeno
jurídico. É tema central da Ciência do Direito, na medida em que estuda os
meios pelos quais esse fenômeno exterioriza-se. É também tema essencial a
qualquer ramo jurídico especí co, na medida em que discute as induções que
levaram à formação das normas jurídicas em cada um dos ramos enfocados e
os mecanismos concretos de exteriorização dessas normas.
No Direito do Trabalho, esse tema é simplesmente decisivo. Não
somente em face de todas as razões já expendidas — e que comparecem,
(1) Hoje há ordenamentos jurídicos cujo âmbito de abrangência não é restrito, exclusivamen-
te, ao território do Estado, como classicamente ocorria desde a Idade Moderna. Em tais casos,
o ordenamento abrange espaço comunitário mais amplo do que o estatal. É o que se passa,
por exemplo, com a União Europeia, que já tem certo ordenamento jurídico especí co.
(2) DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico, v. 3. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 462.
(3) DINIZ, Maria Helena, ob. cit., p. 460.
166 M樋弼膝眉備眉疋 G疋尾眉匹琵疋 D微柊毘樋尾疋
obviamente, também no ramo justrabalhista — como ainda por comportar
um relevante elemento diferenciador desse segmento jurídico especializado
perante os demais ramos existentes. De fato, o Direito do Trabalho — ao
menos no contexto dos modelos dominantes nos países democráticos
centrais — diferencia-se dos outros ramos jurídicos componentes do universo
do Direito pela forte presença, em seu interior, de regras provindas de fonte
privada, em anteposição ao universo de regras jurídicas oriundas da clássica
fonte estatal.
O estudo das fontes justrabalhistas aqui proposto divide-se em três partes
distintas. De um lado, a análise do conceito e classi cação (tipologia) das
fontes do Direito e suas repercussões no ramo jurídico laboral. De outro lado,
o exame especí co de cada uma das fontes justrabalhistas identi cadas na
classi cação anterior. Finalmente, a re exão sobre o problema da hierarquia
normativa no âmbito do Direito do Trabalho.
A palavra fontes, como se sabe, comporta relativa variedade conceitual.
Além da acepção estrita de nascente, o verbete é utilizado no sentido metafórico,
traduzindo a ideia de início, princípio, origem, causa. Nesta acepção metafórica,
fonte seria “a causa donde provêm efeitos, tanto físicos como morais”(4).
A teoria jurídica captou a expressão em seu sentido metafórico. Assim,
no plano dessa teoria, fontes do Direito consubstancia a expressão metafórica
para designar a origem das normas jurídicas.
2. Classi cação
A Ciência do Direito classi ca as fontes jurídicas em dois grandes blocos,
separados segundo a perspectiva de enfoque do fenômeno das fontes.
Trata-se da conhecida tipologia fontes materiais “versus” fontes formais.
Enfocado o momento pré-jurídico (portanto, o momento anterior à exis-
tência do fenômeno pleno da regra), a expressão fontes designa os fatores
que conduzem à emergência e construção da regra de Direito. Trata-se das
fontes materiais. Enfocado, porém, o momento tipicamente jurídico (portan-
to, considerando-se a regra já plenamente construída), a mesma expressão
designa os mecanismos exteriores e estilizados pelos quais essas regras se
revelam para o mundo exterior. Trata-se das fontes formais.
A) Fontes Materiais — As fontes materiais dividem-se, por sua vez,
em distintos blocos, segundo o tipo de fatores que se enfoca no estudo da
construção e mudanças do fenômeno jurídico. Pode-se falar, desse modo,
em fontes materiais econômicas, sociológicas, políticas e, ainda, losó cas
(ou político- losó cas), no concerto dos fatores que in uenciam a formação
e transformação das normas jurídicas.
(4) CALDAS AULETE. Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro:
Delta, 1986, p. 876.
167C弼膝菱疋 尾微 D眉膝微眉肘疋 尾疋 T膝樋簸樋柊琵疋
Sabe-se que, do ponto de vista histórico, os fatores materiais tendem a
atuar conjugadamente, no processo de indução à elaboração ou modi cação
do fenômeno do Direito; entretanto, mesmo assim, persiste nítida diferenciação
entre eles.
As fontes materiais do Direito do Trabalho, sob a perspectiva econômica,
estão, regra geral, atadas à existência e evolução do sistema capitalista.
Trata-se da Revolução Industrial, no século XVIII, e suas consequências na
estruturação e propagação do sistema econômico capitalista; da forma de
produção adotada por esse sistema, baseada no modelo chamado grande
indústria, em oposição às velhas fórmulas produtivas, tais como o artesanato e
a manufatura. Também são importantes fatores que favoreceram o surgimento
do ramo justrabalhista a concentração e centralização dos empreendimentos
capitalistas, tendência marcante desse sistema econômico-social.
Todos esses fatos provocaram a maciça utilização de força de trabalho,
nos moldes empregatícios, potencializando, na economia e sociedade
contemporâneas, a categoria central do futuro ramo justrabalhista, a relação
de emprego.
As fontes materiais justrabalhistas, sob a perspectiva sociológica, dizem
respeito aos distintos processos de agregação de trabalhadores assalariados,
em função do sistema econômico, nas empresas, cidades e regiões do
mundo ocidental contemporâneo. Esse processo, iniciado no século XVIII,
especialmente na Grã-Bretanha, espraiou-se para a Europa Ocidental e
norte dos Estados Unidos, logo a seguir, atingindo proporções signi cativas
no transcorrer do século XIX. A crescente urbanização, o estabelecimento de
verdadeiras cidades industriais e operárias, a criação de grandes unidades
empresariais, todos são fatores sociais de importância na formação do
Direito do Trabalho: é que tais fatores iriam favorecer a de agração e o
desenvolvimento de processos incessantes de reuniões, debates, estudos
e ações organizativas por parte dos trabalhadores, em busca de formas
e cazes de intervenção no sistema econômico circundante.
As fontes materiais justrabalhistas, sob o ponto de vista político — ainda
que guardando forte relação com a perspectiva sociológica já examinada
—, dizem respeito aos movimentos sociais organizados pelos trabalhadores,
de nítido caráter reivindicatório, como o movimento sindical, no plano das
empresas e mercado econômico, e os partidos e movimentos políticos
operários, reformistas ou de esquerda, atuando mais amplamente no plano da
sociedade civil e do Estado. Observe-se, a propósito, que a dinâmica sindical,
nas experiências clássicas dos países capitalistas desenvolvidos, emergiu
não somente como veículo indutor à elaboração de regras justrabalhistas
pelo Estado; atuou, combinadamente a isso, como veículo produtor mesmo
de importante espectro do universo jurídico laboral daqueles países (no
segmento das chamadas fontes formais autônomas).

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