Origem e evolução do direito do trabalho

AutorMauricio Godinho Delgado
Páginas97-127
CAPÍTULO III
ORIGEM E EVOLUÇÃO DO DIREITO
DO TRABALHO
I. INTRODUÇÃO
O Direito do Trabalho é produto do capitalismo, atado à evolução histórica
desse sistema, reti cando-lhe distorções econômico-sociais e civilizando a
importante relação de poder que sua dinâmica econômica cria no âmbito da
sociedade civil, em especial no estabelecimento e na empresa.
A existência de tal ramo especializado do Direito supõe a presença de
elementos socioeconômicos, políticos e culturais que somente despontaram,
de forma signi cativa e conjugada, com o advento e evolução capitalistas.
Porém o Direito do Trabalho não apenas serviu ao sistema econômico
de agrado com a Revolução Industrial, no século XVIII, na Grã-Bretanha; na
verdade, ele xou controles para esse sistema, conferiu-lhe certa medida de
civilidade, inclusive buscando eliminar as formas mais perversas de utilização
da força de trabalho pela economia.
Compreender-se o tipo de relação construída entre Direito do Trabalho
e capitalismo é o que justi ca, primordialmente, o presente capítulo deste
Curso.
II. ORIGEM E DESENVOLVIMENTO DO DIREITO DO
TRABALHO — PROPOSIÇÕES METODOLÓGICAS
Ciência traduz a ideia de estudo sistemático e objetivo acerca de
fenômenos, com o conjunto de conhecimentos resultantes desse processo(1).
A busca de uma satisfatória objetividade e sistematicidade na análise do
fenômeno enfocado impõe ao estudioso o respeito a métodos de observância
e re exão sobre o respectivo fenômeno; o respeito, portanto, a um conjunto
(1) O conceito de ciência ora reproduzido origina-se de Willian Kolb: “estudo sistemático e
objetivo dos fenômenos empíricos e o acervo de conhecimentos daí resultante”. Ciência, In:
Dicionário de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas/Instituto de Documen-
tação, 1986. p. 182. A restrição de Kolb quanto ao objeto (o autor se refere a fenômenos empí-
ricos), caso compreenda a exclusão do campo cientí co de fenômenos que tenham relevante
dimensão ideal — como o Direito —, se con gura, porém, como inaceitável. É que a ciência se
distingue de outros níveis de conhecimento menos pelo objeto do que pelo enfoque e métodos
que lhe são especí cos.
98 M樋弼膝眉備眉疋 G疋尾眉匹琵疋 D微柊毘樋尾疋
de procedimentos racionais que permitam à re exão cientí ca descobrir e
demonstrar a efetiva estrutura e dinâmica do fenômeno analisado(2).
A Filoso a da Ciência tem exaustivamente discutido os limites da
objetividade que se pode alcançar nas conclusões das Ciências Sociais
— em comparação com a objetividade mais satisfatória atingida pelas
Ciências Físicas e Biológicas(3). É que a ação humana lança sempre um
dado de criatividade (ainda que contingenciada) e, portanto, de incerteza
ao objeto enfocado por aquelas ciências (os atos e elaborações humanas,
individuais ou societários). Tão importante quanto isso, o próprio universo
de teorias, métodos e hipóteses de investigação manejado pelo cientista
(que em seu conjunto formaria o que se tem chamado de paradigma)(4),
incorporaria, necessariamente, uma certa perspectiva de interesses sociais,
comprometendo o objetivismo e neutralidade plenos pretendidos quanto à
análise efetuada.
Não obstante essas reconhecidas limitações das Ciências Humanas e
Sociais, em geral, e a diversidade às vezes larga entre os modelos paradig-
máticos de abordagem cientí ca que compõem tais ciências(5), é inquestio-
nável a validade cientí ca desses ramos especializados de conhecimento. É
que, resguardadas tais limitações, é indubitável, hoje, que os fenômenos hu-
manos e sociais podem ser objeto de pesquisa e re exão fundamentalmente
objetivas e sistemáticas, hábeis a descortinar e demonstrar a essência de
sua estruturação e dinâmica especí cas.
A dissensão entre os paradigmas cientí cos não impede, assim, o
encontro de alguns pontos relevantes de contato no que tange à pesquisa
(2) Método (do grego methodos: “odos”, caminho; “meta”, até) traduz “uma direção de nível
e regularmente seguida em uma operação de espírito” (BERNÉS, M., In: André Lalande. Vo-
cabulario Técnico y Crítico de la Filosofía. Buenos Aires-Barcelona: El Ateneo, 1966). O con-
ceito de método, na ciência, deriva desse anterior: “conjunto de procedimentos racionais que
têm por m estabelecer e demonstrar a verdade” (Paul Foulquié. Diccionario del Lenguage
Filosó co. Barcelona: Labor, 1967) ou, ainda, a “maneira racional de conduzir o pensamento
para chegar a um resultado determinado e especialmente para descobrir a verdade” (Edmond
Goblot. Vocabulario Filosó co. Buenos Aires: El Ateneo, 1945).
(3) Ilustrativamente, ver LOWY, Michael. Método Dialético e Teoria Política. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1975. Especialmente p. 11-36.
(4) A expressão paradigma, na Filoso a da Ciência, tem sido utilizada para designar grandes
modelos de construção cientí ca, com questionamentos, problemas e enfoques próprios,
acompanhados de teorias, métodos e hipóteses compatíveis. A mesma expressão (paradigma)
comparece ao Direito Individual do Trabalho, em tema de equiparação salarial, com acepção
inteiramente distinta (para a análise desta última acepção, ver o Capítulo XVII da obra deste
autor: Salário — Teoria e Prática, 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, a par do Capítulo XXII
do presente Curso).
(5) Norberto Bobbio faz interessante comparação entre os paradigmas marxiano e funciona-
lista, certamente os mais in uentes nas Ciências Sociais ao longo do século XX (In: Estado,
Governo, Sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. p. 58-60).

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