Origem e evolução do direito do trabalho no brasil

AutorMauricio Godinho Delgado
Páginas128-164
CAPÍTULO IV
ORIGEM E EVOLUÇÃO DO DIREITO
DO TRABALHO NO BRASIL
I. INTRODUÇÃO
As proposições de método colocadas no momento do exame da
formação histórica do Direito do Trabalho nos países de capitalismo central
(capítulo anterior) também auxiliam a compreensão do processo correlato
ocorrido no Brasil. Nessa linha, a busca da categoria básica em torno da qual
se construiu o ramo justrabalhista — a relação empregatícia — é o ponto
fundamental a delimitar a pesquisa da evolução histórica desse ramo jurídico
na realidade brasileira.
Em país de formação colonial, de economia essencialmente agrícola,
com um sistema econômico construído em torno da relação escravista de
trabalho — como o Brasil até ns do século XIX —, não cabe se pesquisar
a existência desse novo ramo jurídico enquanto não consolidadas as
premissas mínimas para a a rmação socioeconômica da categoria básica
do ramo justrabalhista, a relação de emprego. Se a existência do trabalho
livre (juridicamente livre) é pressuposto histórico-material para o surgimento
do trabalho subordinado (e, consequentemente, da relação empregatícia),
não há que se falar em ramo jurídico normatizador da relação de emprego
sem que o próprio pressuposto dessa relação seja estruturalmente permitido
na sociedade enfocada. Desse modo, apenas a contar da extinção da
escravatura (1888) é que se pode iniciar uma pesquisa consistente sobre a
formação e consolidação histórica do Direito do Trabalho no Brasil.
II. PERIODIZAÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO
DO TRABALHO BRASILEIRO
Embora a Lei Áurea não tenha, obviamente, qualquer caráter justra-
balhista, ela pode ser tomada, em certo sentido, como o marco inicial de
referência da História do Direito do Trabalho brasileiro. É que ela cumpriu
papel relevante na reunião dos pressupostos à con guração desse novo
ramo jurídico especializado. De fato, constituiu diploma que tanto eliminou
da ordem sociojurídica relação de produção incompatível com o ramo justra-
balhista (a escravidão), como, em consequência, estimulou a incorporação
pela prática social da fórmula então revolucionária de utilização da força de
129C弼膝菱疋 尾微 D眉膝微眉肘疋 尾疋 T膝樋簸樋柊琵疋
trabalho: a relação de emprego. Nesse sentido, o mencionado diploma sin-
tetiza um marco referencial mais signi cativo para a primeira fase do Direito
do Trabalho no País do que qualquer outro diploma jurídico que se possa
apontar nas quatro décadas que se seguiram a 1888.
Ressalte-se que não se trata de sustentar que inexistisse no Brasil, antes
de 1888, qualquer experiência de relação de emprego, qualquer experiência
de indústria ou qualquer traço de regras jurídicas que pudessem ter vínculo,
ainda que tênue, com a matéria que, futuramente, seria objeto do Direito
do Trabalho. Trata-se, apenas, de reconhecer que, nesse período anterior,
marcado estruturalmente por uma economia do tipo rural e por relações de
produção escravistas, não restava espaço signi cativo para o orescimento
das condições viabilizadoras do ramo justrabalhista.
Não havia, à época, espaço sensível para o trabalho livre, como fórmula
de contratação de labor de alguma importância social; para a industrialização,
como processo diversi cado, com tendência à concentração e centralização,
inerentes ao capitalismo; para a formação de grupos proletários, cidades
proletárias, regiões proletárias, que viabilizassem a geração de ideologias
de ação e organização coletivas, aptas a produzirem regras jurídicas; não
havia espaço, em consequência, para a própria sensibilidade do Estado,
de absorver clamores vindos do plano térreo da sociedade, gerando regras
regulatórias do trabalho humano.
Tais condições vão reunir-se, com maior riqueza e diversidade, apenas
a contar do nal da escravatura, em ns do século XIX.
1. Manifestações Incipientes ou Esparsas
O primeiro período signi cativo na evolução do Direito do Trabalho no
Brasil estende-se de 1888 a 1930, identi cando-se sob o epíteto de fase de
manifestações incipientes ou esparsas.
Trata-se de período em que a relação empregatícia se apresenta, de
modo relevante, apenas no segmento agrícola cafeeiro avançado de São
Paulo e, principalmente, na emergente industrialização experimentada na
capital paulista e no Distrito Federal (Rio de Janeiro), a par do setor de
serviços desses dois mais importantes centros urbanos do País(1).
(1) No setor de serviços, o segmento portuário — obviamente excluída a cidade mediter-
rânea de São Paulo — tradicionalmente também sempre teve importância na organização do
movimento operário. A esse respeito ilustrativamente expõe o historiador Bóris Fausto: “As
docas de Santos reuniram o primeiro grupo importante de trabalhadores em todo o Estado,
cujas lutas se iniciaram em ns do século e permaneceram constantes no correr dos anos”.
In: Trabalho Urbano e Con ito Social (1890-1920). São Paulo: Difel, 1976, p. 13. O mesmo
autor comenta: “O setor serviços (ferrovias e portos) é estrategicamente o mais relevante,
dele dependendo o funcionamento básico da economia agroexportadora, assim como o que
representa o maior grau de concentração de trabalhadores”. In: ob. cit., p. 122.
130 M樋弼膝眉備眉疋 G疋尾眉匹琵疋 D微柊毘樋尾疋
É característica desse período a presença de um movimento operário
ainda sem profunda e constante capacidade de organização e pressão, quer
pela incipiência de seu surgimento e dimensão no quadro econômico-social
da época, quer pela forte in uência anarquista hegemônica no segmento mais
mobilizado de suas lideranças próprias. Nesse contexto, as manifestações
autonomistas e de negociação privada vivenciadas no novo plano industrial
não têm ainda a su ciente consistência para rmarem um conjunto
diversi cado e duradouro de práticas e resultados normativos, oscilando em
ciclos esparsos de avanços e re uxos(2).
Paralelamente a essa incipiência na atuação coletiva dos trabalhadores,
também inexiste uma dinâmica legislativa intensa e contínua por parte do
Estado em face da chamada questão social. É que prepondera no Estado
brasileiro uma concepção liberal não intervencionista clássica, inibidora da
atuação normativa heterônoma no mercado de trabalho. A esse liberalismo
associa-se um férreo pacto de descentralização política regional — típico
da República Velha —, que mais ainda iria restringir a possibilidade de
surgimento de uma legislação heterônoma federal trabalhista signi cativa(3).
Nesse quadro, o período se destaca pelo surgimento ainda assistemático
e disperso de alguns diplomas ou normas justrabalhistas, associados a
outros diplomas que tocam tangencialmente na chamada questão social.
Ilustrativamente, pode-se citar a seguinte legislação: Decreto n. 439, de
31.5.1890, estabelecendo as “bases para organização da assistência à
infância desvalida”; Decreto n. 843, de 11.10.1890, concedendo vantagens
ao “Banco dos Operários”; Decreto n. 1.313, de 17.1.91, regulamentando o
trabalho do menor(4). Nesse primeiro conjunto destaca-se, ainda, o Decreto
n. 1.162, de 12.12.1890, que derrogou a tipi cação da greve como ilícito penal,
mantendo como crime apenas os atos de violência praticados no desenrolar
do movimento(5). Luiz Werneck Vianna aponta ainda como determinações
legais desse período a concessão de férias de 15 dias aos ferroviários da
Estrada de Ferro Central do Brasil, acrescida, em seguida, de aposentadoria
(Decreto n. 221, de 26.2.1890), que logo se estenderá a todos os ferroviários
(Decreto n. 565, de 12.7.1890)(6).
(2) Os autores apontam, por exemplo, a greve pelas oito horas de trabalho, abrangendo São
Paulo, Santos, Ribeirão Preto e Campinas, em 1907, e a conjuntura de intensos movimentos
trabalhistas passada de 1917 a 1920 como alguns dos pontos mais signi cativos da atuação
coletiva obreira nessa fase inicial do Direito do Trabalho. A respeito, ver FAUSTO, Bóris, ob.
cit., p. 146-150 e 157-217.
(3) Apenas com a reforma constitucional de 1926 é que passaria à União a competência priva-
tiva para legislar sobre Direito do Trabalho (Emenda 22, conferindo nova redação ao art. 34,
n. 29, da Constituição de 1891).
(4) A respeito desses três diplomas federais, ver VIANNA, Luiz Werneck. Liberalismo e Sindi-
cato no Brasil, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989, p. 45. O autor aponta que o decreto concernente
aos menores, embora publicado no Diário O cial, jamais entrou em vigor.
(5) VIANNA, Luiz Werneck, ob. cit., p. 46.
(6) Conforme VIANNA, Luiz Werneck, ob. cit., p. 46.

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