Prescrição e decadência no direito do trabalho

AutorMauricio Godinho Delgado
Páginas298-337
CAPÍTULO VIII
PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA NO
DIREITO DO TRABALHO
I. INTRODUÇÃO
Prescrição e decadência são guras jurídicas que têm em comum a
circunstância de consubstanciarem meios de produção de efeitos nas relações
jurídicas materiais em decorrência do decurso do tempo. A decadência
corresponde a uma única modalidade, ao passo que a prescrição pode ser
extintiva ou aquisitiva.
Prescrição aquisitiva é o meio de aquisição de propriedade mobiliária ou
imobiliária em decorrência de seu prolongado uso pací co.
O conceito, como se percebe, não se constrói sob a perspectiva do an-
tigo titular do direito, mas enfocando a perspectiva do adquirente (meio de
aquisição da propriedade...). Caso a gura enfocasse a perspectiva do titular
anterior do direito de propriedade, essa prescrição (também chamada usu-
capião) poderia se conceituar como a perda do direito de propriedade em
função de seu não uso por certo lapso de tempo, permitindo que o possuidor
e adquirente paci camente o incorporasse.
A prescrição extintiva constrói-se sob a perspectiva do titular do direito
atingido. Conceitua-se, na linha teórica expressa no art. 189 do Código Civil
de 2002, como a extinção da pretensão correspondente a certo direito violado
em decorrência de o titular não a ter exercitado no prazo legalmente esta-
belecido. Também se conceitua como a perda da ação (no sentido material)
de um direito em virtude do esgotamento do prazo para seu exercício. Ou: a
perda da exigibilidade judicial de um direito em consequência de não ter sido
exigido pelo credor ao devedor durante certo lapso de tempo.
Caso, entretanto, se preferisse examinar a gura sob a perspectiva do
devedor (e não do credor) — do bene ciário da prescrição, que é o enfoque
tradicional da prescrição aquisitiva, portanto —, a prescrição extintiva poderia
ser conceituada como o meio pelo qual o devedor se exime de cumprir uma
obrigação em decorrência do decurso do tempo.
A decadência (também chamada caducidade) conceitua-se como a perda
da possibilidade de obter uma vantagem jurídica e garanti-la judicialmente,
em face do não exercício oportuno da correspondente faculdade de obtenção.
A caducidade aproxima-se, como visto, da gura da prescrição extintiva.
Tecnicamente, porém, nesta o sujeito prejudicado pela prescrição é efetivo
titular do direito objetivado, permitindo, pela prescrição, que seu direito se
299C弼膝菱疋 尾微 D眉膝微眉肘疋 尾疋 T膝樋簸樋柊琵疋
torne impotente para impor sujeição judicial ao devedor. Já na decadência, o
sujeito tem a faculdade de se tornar titular de um direito, deixando de consumar
sua aquisição em decorrência do não exercício da faculdade no prazo xado.
No Direito do Trabalho, a prescrição aquisitiva (usucapião) é de pequena
aplicação, embora seja equivocado considerá-la incompatível com este ramo
jurídico especializado. O usucapião pode ter efeitos na alteração subjetiva do
contrato empregatício (sucessão trabalhista), lançando um novo empregador
no polo passivo da relação de emprego. É verdade que o próprio possuidor
já pode contratar empregados para que laborem na propriedade envolvida,
antes mesmo de adquiri-la por usucapião; isso não impede, contudo, que uma
transferência de propriedade por prescrição aquisitiva resulte na sucessão
trabalhista quanto a eventuais contratos empregatícios do antigo proprietário
do imóvel usucapido.
A decadência (caducidade) é de maior importância no Direito do Trabalho
do que, obviamente, o usucapião. Embora não sejam inúmeros os prazos de-
cadenciais criados pela legislação heterônoma estatal, a gura pode assumir
grande recorrência na normatividade autônoma (convenções coletivas, acordos
coletivos ou contratos coletivos do trabalho). Mais do que isso, têm sido relati-
vamente comuns os prazos decadenciais propiciados ainda por regulamentos
de empresa. Todos esses diplomas ou instrumentos podem criar prazos fatais
para exercícios de faculdades de aquisição de vantagens novas no âmbito con-
creto da relação de emprego — prazos, assim, de natureza decadencial.
A prescrição extintiva é, porém, entre as três guras mencionadas, a de
maior importância e recorrência no contexto das relações justrabalhistas. Em
torno da prescrição extintiva já se produziu vasto número de preceitos normativos
heterônomos. Cite-se, ilustrativamente, o velho artigo 11 da CLT, vigente desde a
década de 1940, tratando do prazo prescricional geral trabalhista, com extensão
bienal: ele foi revogado (não recepcionado), por incompatibilidade, pelo art. 7º,
XXIX, “a”, da Constituição de 1988 (que xou novo prazo prescritivo para o
empregado urbano); mereceu nova redação pela Lei n. 9.658, de 5.6.1998, e,
recentemente, sofreu outra redação, provinda da Lei n. 13.467/2017 (Lei da
Reforma Trabalhista). Cite-se, ainda, o antigo critério prescricional diferenciado
do rurícola, que se inaugurou com o velho Estatuto do Trabalhador Rural (Lei
n. 4.214, vigorante em 2.6.1963), foi mantido pela Lei n. 5.889, de 1973, sendo
preservado, originalmente, pelo art. 7º, XXIX, “b”, da Constituição de 1988; este
critério diferenciado somente veio a desaparecer com a Emenda Constitucional
28, de 25.5.2000, que igualizou os prazos prescricionais de trabalhadores rurais
e urbanos (a Emenda foi publicada no Diário O cial em 26.5, com reti cação em
29.5.2000). Lembre-se, por m, da prescrição especial trintenária dos depósitos
principais do FGTS (art. 23, § 5º, Lei n. 8.036/90).(1)
(1) A regra legal da prescrição especial trintenária do FGTS foi considerada inconstitucio-
nal pelo STF, em sessão plenária ocorrida em 13.11.2014. No julgado (STF, Pleno,
300 M樋弼膝眉備眉疋 G疋尾眉匹琵疋 D微柊毘樋尾疋
É também em torno da prescrição extintiva que a jurisprudência já
elaborou o mais diversi cado número de fórmulas interpretativas sumuladas.
Citem-se, por ilustração, as Súmulas 6, inciso IX (antiga Súmula 274), 114,
153, 156, 206, 268, 275, 294, 308, 326, 327, 350 e 362 do Tribunal Superior
do Trabalho.
II. DISTINÇÕES CORRENTES
A Ciência do Direito procura sistematizar distinções entre as guras
da prescrição e da decadência e entre guras aparentemente próximas à
prescrição, como a preclusão. Essa sistematização contribui obviamente para
a melhor compreensão dos próprios institutos da prescrição e da decadência.
1. Decadência versus Prescrição
No que concerne a essa primeira comparação, a Ciência do Direito arrola,
em geral, algumas sugestivas distinções.
São elas:
a) a decadência extingue o próprio direito, ao passo que a prescrição
atinge a pretensão vinculada ao direito, tornando-o impotente (extinção da
ação, em sentido material);
b) a decadência corresponde, normalmente, a direitos potestativos —
em que há, portanto, uma faculdade aberta ao agente para produzir efeitos
jurídicos válidos, segundo sua estrita vontade. Já a prescrição corresponde
a direitos reais e pessoais, que envolvem, assim, uma prestação e, em
consequência, uma obrigação da contraparte. No Direito do Trabalho esta
distinção é importante (embora seja menos reverenciada no Direito Civil),
uma vez que os prazos decadenciais no ramo justrabalhista tendem quase
sempre, de fato, a corresponder a direitos potestativos;
c) na decadência são simultâneos o nascimento do direito e da pretensão;
a mesma simultaneidade veri ca-se quanto à sua própria extinção. No instituto
prescricional, ao contrário, a pretensão (ação em sentido material) nasce
depois do direito, após sua violação, perecendo sem que ele se extinga;
d) o prazo decadencial advém tanto da norma jurídica heterônoma ou
autônoma (lei, em sentido material), como de instrumentos contratuais. Advém,
inclusive, de declarações unilaterais de vontade (como o testamento — ou o
ARE n. 709.212-DF, Rel. Min. Gilmar Mendes), conferiu-se efeito ex nunc à decisão, a contar
da data do julgamento (13.11.2014). A respeito, consultar neste Capítulo VIII o item VII.1.D
(“Prescrição do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço”).

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