O Autor a Quem Ler

AutorCesare Beccaria
Páginas19-24

Page 19

Algumas reminiscências de um antigo povo conquistador, mandadas ser compiladas por um príncipe que reinava em Constantinopla há doze séculos, de envolta com ritos lombardos, e acobertados por confusos volumes de comentadores particulares e obscuros, forma aquela tradição de opiniões que tem o nome de leis numa grande parte da Europa; e é comum e condenável, atualmente, que uma opinião de Carpsow, um antigo costume indicado por Claro, um suplício com a irada complacência de Farinaccio, sejam as leis a que seguramente obedecem os que deviam timidamente dispor das vidas e fortunas dos homens. Essas leis, produto dos séculos mais bárbaros, são examinadas neste livro no que diz interesse ao sistema criminal; e ousa-se expor-lhes as desordens aos responsáveis pela felicidade pública, por meio de um estilo que afasta

Page 20

o vulgo ilustrado e impaciente. A ingênua investigação da verdade e a independência das opiniões vulgares com que está escrita esta obra são consequências de um governo iluminado e suave sob que vive o autor. Os grandes monarcas, os benfeitores da humanidade, que nos regem, amam a verdade exposta pelo obscuro filósofo com um vigor não fanático, somente rechaçado pela razão e unicamente suscitado por quem se vale da força ou do engano, repelido pela razão; e as desordens pretensas são, para quem lhes examina todas as consequências, a sátira e a reprovação das idades passadas, mas não deste século e de seus legisladores.

Quem queria honrar-me com suas críticas, comece, pois, a entender o objetivo da obra; fim que, muito longe de enfraquecer a legítima autoridade, servirá para aumentá-la, já que, nos homens, a convicção pode mais do que a força, e a suavidade e a humanidade justificam a autoridade aos olhos de todos. As críticas mal-intencionadas, publicadas contra este livro, baseiam-se em confusas noções, e me obrigam a interromper por um momento meus raciocínios aos iluminados leitores, a fim de encerrar, de uma vez por todas, os erros de um zelo timorato, ou as calúnias da inveja maligna.

Três são as fontes de que derivam os princípios morais e políticos reguladores dos homens: a reve-

Page 21

lação, a lei natural e as convenções formadoras da sociedade. Não há comparação entre a primeira e as outras no que diz respeito ao principal de seus fins; assemelham-se, porém, em que todas conduzem à felicidade desta vida mortal. Considerar as relações da última não é excluir as relações das duas primeiras; pelo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT