Capítulo I - Recurso Ordinário

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Sistema dos Recursos Trabalhistas
Capítulo I — Recurso Ordinário
1. Breves notas históricas
O recurso ordinário trabalhista corresponde, em essência e sob o aspecto nalístico, à
apelação do processo civil (CPC, art. 1.009), conquanto não seja difícil apontarem-se natu-
rais diferenças de forma (ou extrínsecas) entre um e outro, que atendem às singularidades
dos respectivos ordenamentos jurídicos em que se inserem esses meios de impugnação às
resoluções jurisdicionais.
O recurso ordinário está diretamente ligado ao princípio do duplo grau de jurisdição
— que, todavia, não possui sede constitucional.
No plano do direito comparado, a apelação encontra símile em diversas legislações
ocidentais, como é o caso da apelação portuguesa; da apelación do direito espanhol (e, em
sentido mais amplo, do hispano-americano); do appel francês; do appello italiano; do appeal
inglês e norte-americano; da berufung alemã e austríaca, etc.
Historicamente, a apelação tem as suas raízes na appellatio romana. Praticada inclusive
no período da cognitio extra ordinem; essa appellatio era interponível (oralmente, ou por
intermédio de libelo escrito) perante o iudex a quo e destinava-se a impugnar as sententias
e não as interlocutiones: ela constituía, precipuamente, meio de obter o reexame de decisões
com base em supostos errores in iudicando, embora tenha sido usada, em certos casos, para
a denúncia da invalidade, e não da injustiça da sentença.
No direito intermédio ampliou-se a interponibilidade da apelação, que passou a ser
admitida também quanto às decisões interlocutórias (ao menos em grande parte delas). Mais
tarde, a apelação acabou atraindo para si as funções até então próprias da querela nullitatis
sanabilis, com o que se rmou também como meio adequado à impugnação dos vícios de
atividade, mantendo, todavia, a sua nalidade primitiva de sanar erros de juízo ou de injustiça.
Já no direito lusitano, a princípio, admitia-se a apelação contra decisões de primeiro
grau, fossem denitivas, terminativas ou interlocutórias. É verdade que após séculos de
utilização ampla da apelação o direito português impossibilitou a sua interponibilidade
das decisões interlocutórias, com o propósito de evitar o procrastinamento do processo, a
despeito de terem surgido, algum tempo depois e justamente em decorrência desse fato, as
querimas ou querimonias, empregadas para pedir ao rei a cassação das interlocutórias que
tivessem provocado prejuízo às partes.
O recurso ordinário do processo do trabalho, contudo, enquanto instituto trabalhista,
não tem raízes históricas remotas; isso talvez se deva ao fato de esse recurso constituir, onto-
logicamente, uma variante peculiar da apelação civilista; uma espécie de expressão sui generis
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Manoel Antonio Teixeira Filho
daquele meio recursal secular do processo comum. Sob este ângulo, pode-se armar que, no
Brasil, as origens do recurso ordinário trabalhista se confundem com a própria atualidade,
na razão em que esse meio impugnativo foi introduzido entre nós pela legislação dos tempos
modernos. Façamos um retrospecto dessa legislação.
a) Em 1932, o Decreto n. 21.396, de 12 de maio, criou as Comissões Mistas de Con-
ciliação, dotando-as de competência para julgar os conitos coletivos de trabalho. No
mesmo ano surgem, pelo Decreto n. 22.132, de 25 de novembro, as Juntas de Conci-
liação e Arbitragem, destinadas a dirimir os conitos individuais, que haviam cado à
margem do Decreto anterior (n. 21.396). Esses órgãos tinham natureza administrativa e
constituíam grau de jurisdição única para as decisões que prolatassem (art. 18). Previa-
-se no Decreto n. 22.132 (art. 29) a gura da avocatória, segundo a qual se facultava ao
Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio rever a decisão proferida pelas Juntas de
Conciliação, no prazo de noventa dias, a requerimento do interessado, sempre que este
tivesse demonstrado a “agrante parcialidade dos julgadores” ou a expressa violação
de direito.
Não se pode armar, entretanto, que a extinta avocatória apresentava as mesmas carac-
terísticas dos meios típicos de impugnação às resoluções judiciais, em particular do recurso
ordinário. Enquanto a interposição deste subordinava-se à mera insatisfação da parte diante
da decisão desfavorável, aquela continha certos requisitos de admissibilidade que deveriam
ser atendidos pelo interessado, a saber: manifesta parcialidade dos julgadores ou violação
expressa de direito. Segundo Alcides de Mendonça Lima (“Recursos Trabalhistas, São Paulo:
Max Limonad, 1956, p. 139), em ambos os casos ela assemelhava-se à ação rescisória do
processo comum, porque os pressupostos daquele remédio eram idênticos aos que sempre
caracterizaram dita ação e que se acham consagrados no CPC. Como a rescisória, a avocatória
não era admitida quando a decisão fosse apenas injusta; também não o era quando fosse
decorrente de razoável interpretação de norma legal.
A avocatória, porém, pode ser incluída na classe dos recursos (embora sui generis) se
atendermos ao critério de ser da essência destes buscar a reforma das decisões desfavoráveis.
Para esse efeito, é irrelevante o fato de a reforma ser obtida no mesmo grau de jurisdição
e até mesmo ante o próprio juiz proferidor da sentença impugnada. Tal era o caso, por
exemplo, dos embargos infringentes do julgado, oponíveis na Justiça Federal Comum (Lei
n. 6.825/80, art. 4.º).
b) Em 1939, o Decreto-lei n. 1.237, de 2 de maio, instituiu a Justiça do Trabalho. Essa
norma legal foi modicada pelo Decreto-lei n. 2.851, de 10 de dezembro do mesmo
ano, sendo regulamentada pelo Decreto n. 6.996, de 12 de dezembro de 1940.
Podem ser destacadas as seguintes singularidades do processo do trabalho, ao tempo
que esteve a viger o Decreto-lei n. 1.237/39:
1) competia ao próprio órgão (inferior ou superior, conforme fosse o caso) dirimir
os incidentes processuais, não cabendo recurso de decisões interlocutórias, exceto se
fossem terminativas do processo;
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2) os recursos eram interponíveis das decisões denitivas por simples petição, sendo
destituídos de efeito suspensivo, com o que se permitia a execução provisória da sen-
tença, até a penhora;
3) sempre que a condenação fosse ao pagamento de salários, férias ou indenizações
(esta, até certo valor), a admissibilidade do apelo estava vinculada ao depósito prévio
dessas quantias;
4) previa-se o recurso de embargos, que era julgado pela própria Junta, nos casos de
sua alçada;
5) os prazos recursais eram xados de modo heterogêneo, sendo de dez dias nas ações
individuais, de vinte dias nas coletivas e de cinco dias naquelas que fossem de alçada
do juízo de primeiro grau;
6) quando as decisões do Conselho Regional do Trabalho conferissem à lei interpretação
divergente da que tivesse sido dada por outro Conselho Regional ou pelo Conselho
Nacional, cabia recurso para este;
7) ordenava-se a remessa de ofício, pelo Presidente do Tribunal, ou a interposição de
recurso pela Procuradoria do Trabalho, das decisões proferidas nas ações (dissídios)
coletivas que afetassem empresa de serviço público;
8) previa-se o recurso de revisão após o decurso de mais de um ano de vigência das
decisões proferidas em ações coletivas, contanto que as circunstâncias que as justicaram
tivessem sido alteradas de tal forma que se tornassem injustas ou inaplicáveis. A ini-
ciativa de obter essa revisão era atribuída ao próprio tribunal proferidor do acórdão, à
Procuradoria do Trabalho, às associações sindicais ou ao empregador. Cabia ao mesmo
tribunal que proferiu a decisão apreciar a revisão, podendo os interessados, o Presidente
do próprio órgão ou a Procuradoria interpor recurso desse novo pronunciamento;
9) o agravo era o meio adequado para atacar as decisões do juiz proferidas em execução,
sendo oferecido em cinco dias; embora não tivesse efeito suspensivo, facultava-se ao
juiz sobrestar o andamento do feito até que fosse julgado o recurso.
É conveniente observar que o Decreto n. 6.996/40, regulamentador do Decreto-lei
n. 1.237/39, procurou disciplinar e sistematizar os recursos em:
1) embargos;
2) ordinários;
3) extraordinários; e
4) agravo.
1) Os embargos eram oponíveis às decisões de primeiro grau, nas ações individuais
versando sobre salários, férias e indenização e também às decisões dos Conselhos
Regionais em inquéritos administrativos, desde que por unanimidade de votos.
2) O recurso ordinário era interponível das sentenças proferidas nas ações que não
fossem de alçada exclusiva dos órgãos de primeiro grau.
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