Cenário de pandemia, interpretação e aceitação virtual nos contratos imobiliários

AutorElaine Martins de Sousa Alves
Páginas137-171
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CENÁRIO DE PANDEMIA, INTERPRETAÇÃO E ACEITAÇÃO
VIRTUAL NOS CONTRATOS IMOBILIÁRIOS
Elaine Martins de Sousa Alves1
Resumo: o presente artigo analisa o instituto da aceitação virtual e a
interpretação das normas civis sob os fundamentos constitucionais nos
contratos imobiliários, como forma de viabilização do tráfico jurídico e
prática dos demais atos jurídicos extrajudiciais essenciais ao exercício da
cidadania, de interesse social e praticados pelos notários e registradores,
tendo em vista as medidas restritivas de isolamento social e desestímulo às
relações presenciais. Dentre as inúmeras consequências da pandemia tem-
se a dificuldade de operacionalização da aceitação nos negócios jurídicos
contratuais celebrados na pública forma, junto às Serventias Notariais e
Registrais, representativos da maior parte dos atos jurídicos ali celebrados,
diante da necessidade/urgência da prática destes mesmos atos/negócios
jurídicos notariais e registrais e a impossibilidade de efetivá-los de forma
presencial - ante o risco de contágio -, conforme exigência decorrente de
imperativo legal previsto pela norma casuística. As situações de fato
evidenciaram a impotência dos operadores do direito, in casu, dos notários
e registradores em praticá-los, diante dos entraves de natureza formal da
norma casuística, possivelmente causadores de futuras/eventuais
anulabilidades. Para tanto foi analisada não só a inserção do direito civil
na ordem jurídico Constitucional, mas também a prevalência dos seus
fundamentos de validade jurídica na interpretação das normas privadas,
que dela devem ser extraídos.
1 Graduada em Direito pela Universidade de Alfenas, Minas Gerais; Pós Graduada em
Direito Empresarial pela Universidade Cândido Mendes, Rio de Janeiro; Pós Graduada em
Direito Constitucional pela Universidade de Alfenas, Minas Gerais; Pós Graduada em
Relações Sociais pela Universidade de Alfenas, Minas Gerais, e mestre em Direito pela
Universidade Vale do Rio Verde de Três Corações, Minas Gerais; doutoranda pela
Universidade Estácio de Sá UNESA, estado do Rio de Janeiro; Professora junto a
Universidade José do Rosario Velano; atualmente Tabeliã do 1º Oficio d e Notas de Lagoa
Santa, Minas Gerais.
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Palavras-chave: Pandemia. Aceitação virtual. Contratos imobiliários.
Hermenêutica Constitucional.
Abstract: This article analyzes the institute of virtual acceptance and the
interpretation of civil norms under the constitutional foundations in real
estate contracts, as a way of making legal traffic viable and the practice of
other extrajudicial legal acts essential to the exercise of citizenship, of
social interest and practiced by notaries and registrars, in view of the
restrictive measures of social isolation and discouraging face-to-face
relationships. Among the numerous consequences of the pandemic, there
is the difficulty of operationalizing the acceptance of contractual legal
transactions concluded in public form, with the Notary and Registry
Offices, representative of most of the legal acts celebrated there, given the
need / urgency of the practice of these same notarial and registry legal
acts/businesses and the impossibility of carrying them out in person - given
the risk of contagion -, as required by the legal imperative provided for by
the casuistry rule. The situations in fact evidenced the impotence of the
operators of the law, in casu, of the notaries and registrars to practice them,
in face of the obstacles of a formal nature of the casuistry norm, possibly
causing future/eventual annulments. In order to do so, it was analyzed not
only the insertion of civil law in the legal-positive Constitution, but the
prevalence of its legal validity foundations in the interpretation of private
norms, which must be extracted from it.
Keywords: Pandemic. Virtual acceptance. Real estate contracts.
Constitutional hermeneutics.
Sumário: Introdução. 1. Mudanças no processo de interpretação das
normas privadas contidas no código civil brasileiro. 2. Interferência dos
direitos humanos na interpretação das normas privadas. 3. Tecnologia
como instrumento do direito. 4. Crise pandêmica e direitos da
personalidade. 5. Operacionalização da aceitação nos contratos
imobiliários no cenário pandêmico. Conclusão. Referências.
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Introdução
A humanidade vive um momento histórico difícil. No final do ano
de 2019 foi surpreendida por uma nova cepa de coronavírus, com alto
poder de contágio e transmissão, para muitos letal. Inicialmente nominada
como 2019-nCoV, em 11 de fevereiro de 2020, recebeu o nome de SARS-
CoV-2. Este novo coronavírus é responsável por causar a doença COVID-
19.2 Em 31 de dezembro de 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS)
foi alertada sobre vários casos de pneumonia na cidade de Wuhan,
província de Hubei, na República Popular da China. Tratava-se desta nova
cepa de coronavírus, SARS-CoV-2, não identificada antes em seres
humanos.3
A partir de então foram noticiados os primeiros relatos impactantes
de contaminações, bem como a adoção de várias medidas pela Organização
Mundial da Saúde com o objetivo de conter a larga disseminação da doença
com risco letal.4
Com o intuito de neutralizar a contaminação e evitar seus mais
diversos e nefastos efeitos, todos os países do mundo passaram a envidar
esforços na busca da descoberta da vacina para combatê-lo. Com o avanço
das contaminações, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu a
existência da pandemia, recomendando uma série de medidas aos países
afetados pelo vírus, entre as quais a interrupção de atividades sociais e
econômicas, o isolamento social de pessoas, desestímulo às reuniões
fisicamente presenciais de pessoas, dentre outras.5
2 Org anização Pan Americana de Saúde, Histórico da pandemia de COVID-19, OPAS,
2021. Disponível em: da-pandemia-covid-
19>. Acesso em: 15 set. 2021.
3 Ibidem. Acesso em: 26 out. 2021.
4 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da; NEVES, Thiago Ferreira Cardoso. Direito
privado emergencial: o regime transitório nas relações privadas no período da Pandemia da
COVID-19. Indaiatuba, São Paulo: Editora Foco, 2020, p. XII.
5 Ibidem. Em 30 de janeiro de 2020, a OMS, Organização Mundial de Saúde, declarou que
o surto do novo coronavírus constitui uma Emergência de Saúde Pública de Importância
Internacional (ESPII) o mais alto nível de alerta da Organização, conforme previsto no
Regulamento Sanitário Internacional. Essa decisão buscou aprimorar a coordenação, a
cooperação e a solidariedade global para interromper a propagação do vírus. Essa d ecisão
aprimora a coordenação, a cooperação e a soli dariedade global para interromper a
propagação do vírus. A ESPII é considerada, nos termos do Regulamento Sanitário
Internacional (RSI), “um evento extraordinário que pode constituir um risco d e saúde

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