A constitucionalização do direito civil e seus efeitos sobre a responsabilidade civil

AutorMaria Celina Bodin de Moraes
Ocupação do AutorProfessora Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da UERJ
Páginas317-342
A constitucionalização do direito civil e
seus efeitos sobre a responsabilidade civil*
Em cad a época há palavras às quais se vincula
intimamente o espírito objetivo de uma sociedade.
Atualmente, o conceito de responsabilidade
parece desempenhar este papel.
Klaus Günther
1. A constitucionalização do direito civil. 2. A responsa-
bilidade civil como mecanismo de proteção da pessoa
humana. 3. O evento danoso e sua identificação. 4.
Aplicações da constitucionalização na responsabilidade
civil; 4.1. A conceituação do dano moral; 4.2. A funda-
mentação da cláusula geral de responsabilidade objeti-
va. 5. Conclusões.
* Publicado na Revista Direito, Estado e Sociedade. Departamento de Direito
da PUC-Rio, Rio de Janeiro, n. 29, 2006, p. 233-258; e em C. Pereira de SOUZA
NETO e Daniel SARMENTO (Coords.). A constitucionalização do direito: funda-
mentos teóricos e aplicações específicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.
435-454.
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1. A constitucionalização do direito civil1
Nos quase vinte anos que já se passaram desde a promulgação
da Constituição da República, uma verdadeira reviravolta ocorreu
no âmbito do direito civil. Na atualidade, poucos civilistas negam
eficácia normativa ao texto constitucional ou deixam de reconhe-
cer o seu impacto sobre a regulação das relações privadas. Estudos
de teoria geral do direito acerca da aplicação dos princípios consti-
tucionais e da metodologia de sua ponderação foram determinan-
tes para afastar definitivamente a cristalizada concepção da Cons-
tituição como mera carta política, endereçada exclusivamente ao
legislador.2
Neste contexto, dito pós-positivista, o respeito das normas in-
feriores à Constituição não é examinado apenas sob o ponto de
vista formal, a partir do procedimento de sua criação, mas com
base em sua correspondência substancial aos valores que, incorpo-
rados ao texto constitucional, passam a conformar todo o sistema
jurídico. Valores que adquirem positividade na medida em que
consagrados normativamente sob a forma de princípios.3 Assim, a
solução normativa aos problemas concretos não se pauta mais pela
subsunção do fato à regra específica, mas exige do intérprete um
procedimento de avaliação condizente com os diversos princípios
jurídicos envolvidos.4
Mesmo a consagração da dignidade da pessoa humana como
fundamento da República no art. 1º, III, da Constituição Federal,
dispositivo inicialmente observado com ceticismo, hoje é reconhe-
cidamente uma conquista determinante e uma transformação sub-
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1 Sobre o tema da constitucionalização do direito civil, ver, em geral, Pietro
PERLINGIERI. Perfis do direito civil, cit., 1999; Maria Celina BODIN DE MORAES.
A caminho de um direito civil-constitucional; Idem, Constituição e direito civil:
tendências, ambos ora neste volume e Gustavo TEPEDINO. Temas de direito civil,
cit., 2004, espec. p. 1-22.
2 Exemplifica-se apenas com os pioneiros textos de Ronald DWORKIN. Levan-
do os direitos a sério, cit., e Robert ALEXY. Teoria dos direitos fundamentais, cit.,
1993 [1985]; e no Brasil, Paulo BONAVIDES. Curso de direito constitucional, cit.,
2000.
3Il ‘principio’ è norma che impone la massima realizzazione di um valore
(Pietro PERLINGIERI. Manuale di diritto civile, cit., 2004, p. 9).
4 Pietro PERLINGIERI. Perfis de direito civil, cit., p. 80-81; Idem, Manuale di
diritto civile, cit., p. 10 e ss.

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