Constructivismo lógico-semântico: entre a forma e o conteúdo

AutorJacqueline Mayer Da Costa Ude Braz
Páginas487-526
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CONSTRUCTIVISMO LÓGICO-SEMÂNTICO:
ENTRE A FORMA E O CONTEÚDO
Análise da desconsideração da personalidade jurídica
aplicada ao grupo econômico
Jacqueline Mayer Da Costa Ude Braz1
1. Introdução
Homenagear os 35 anos do Grupo de Estudos do Profes-
sor Paulo de Barros Carvalho é uma oportunidade de agra-
decer. Ali tive meu primeiro contato com o Professor Paulo
sem imaginar que acabaria me tornando sua orientanda no
mestrado e no doutorado na USP e advogada do escritório. O
convívio então iniciado no Grupo de Estudos tornou-se diário
e carregarei sempre comigo todas as suas lições.
A norma jurídica é o produto do processo interpretativo.
Ela é construída a partir dos enunciados prescritivos, por meio
do percurso gerador de sentido, que considera, nesse trajeto, a
1. Doutoranda e mestre na área de concentração Direito Econômico, Financeiro e
Tributário na Universidade de São Paulo (USP), Pós-graduada em Direito Tributá-
rio pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET) e pela Fundação Getúlio
Vargas (FGV). Professora do IBET. Advogada.
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III
O DIREITO TRIBUTÁRIO EM FACE DO CONSTRUCTIVISMO LÓGICO-SEMÂNTICO
tríade, que compõe o signo: (i) suporte físico, enquanto substra-
to material; (ii) significado, como o campo dos objetos referidos
no suporte físico e com os quais mantém relação semântica;
e (iii) significação, enquanto dimensão ideal na representação.
Nesse sentido, interpretar é atribuir valor aos signos.
Ela é composta pelos significados obtidos na leitura de
textos do direito positivo. São os resultados do mundo ex-
terior, fruto das sensações visuais, auditivas e tácteis, que,
atrelados ao texto, a formam. Exatamente por depender da
vivência, das experiências e noções dos termos empregados,
a norma jurídica pode gerar compreensões diferentes depen-
dendo de quem seja o intérprete que a constrói, estando na
implicitude dos textos positivados.
No entanto, para se conhecer o direito é necessário redu-
zir suas complexidades, o que é feito a partir de um recorte
do objeto a ser conhecido de todo o restante. Considerando
que o direito é texto, quem objetiva conhecê-lo se utiliza de
técnicas hermenêuticas e analíticas para tanto. A partir disso,
decompõe-se a linguagem para que seja estudado sob o ponto
de vista sintático (estrutural), semântico (correlato aos signifi-
cados) e pragmático (relativo a seus usos).
A partir disso, será analisado o falso conflito entre forma e
substância ou entre a forma e o conteúdo, caracterizando-os, a
partir da análise do o redirecionamento da execução em caso
de grupo econômico e da necessidade de instauração do Inci-
dente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ) na
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
2. Sobre a interpretação
2.1 Amplitude e limites do conhecimento jurídico
Conhecer é saber emitir proposições sobre. Sem lingua-
gem não se pode conhecer nem transmitir conhecimento. É
ela que constitui a realidade do ser cognoscente. O direito é
construído com linguagem e pela linguagem.
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CONSTRUCTIVISMO LÓGICO-SEMÂNTICO
Homenagem aos 35 anos do grupo de estudos de Paulo de Barros Carvalho
No entanto, para se conhecer o direito é necessário redu-
zir suas complexidades, o que é feito a partir de um recorte do
objeto a ser conhecido de todo o restante. Considerando que o
direito é texto, quem objetiva conhecê-lo se utiliza de técnicas
hermenêuticas e analíticas para tanto. A partir disso, decom-
põe-se a linguagem para que seja estudado sob o ponto de vista
sintático (estrutural), semântico (correlato aos significados) e
pragmático (relativo à aplicação). É por meio do detalhamento
alcançado pela Semiótica que se constrói a unicidade do objeto.
As técnicas hermenêuticas, acima referidas, encontram
uma primeira dificuldade, qual seja, a multiplicidade de sentidos
que podem ser conferidos aos textos positivados, a depender do
horizonte cultural, das vivências e experiências do intérprete.
Isso porque ao atribuir significação a enunciados prescritivos, o
intérprete o faz de acordo com os valores que carrega consigo.
Ele o faz valorando. E é isso que justifica e identifica as inúme-
ras possibilidades de interpretação dos enunciados, a depender
dos horizontes da cultura de seu intérprete. Por isso, emergem
soluções divergentes para casos semelhantes.
Outro ponto que atua como limite na construção do co-
nhecimento jurídico é o fato de que o real é uno, irrepetível e
infinito em seus aspectos. Não se alcança fatos ocorridos no
passado. Temos acesso apenas a versões desses fatos e são es-
sas versões que são conhecidas e não os fatos em si. Por isso,
faz-se necessário, para conhecer, recortar o mundo, por não
ser possível recuperar os fatos já ocorridos por completo e em
todos os seus aspectos. É preciso cindir e, nos dizeres de Pon-
tes de Miranda, “o cindir é desde o início”.
2.2 O conteúdo axiológico do Direito
Considerando ordenamento e sistema jurídico como ex-
pressões sinônimas,2 eles são uma forma lógica de se organi-
2. Sistema é uma forma lógica de se organizar e relacionar as normas jurídicas de
vários modos, segundo um princípio unificador. As normas no sistema do direito

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