A convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência

AutorLuís Fernando Nigro Corrêa
Ocupação do AutorMestre e Doutor em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Integração Europeia pela - Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Juiz de Direito no Estado de Minas Gerais
Páginas147-239
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A CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS
DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
A tão esperada Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Defici-
ência foi produto do convencimento dos Estados no sentido da necessidade
de um instrumento geral e integral para estimular e proteger os direitos e a
dignidade das pessoas com deficiência, com o escopo de prestar significa-
tiva contribuição para promover a participação na vida em sociedade em
igualdade de oportunidades, como bem aponta o próprio preâmbulo da
Convenção.
De tal extenso preâmbulo que faz menção a diversos direitos e prin-
cípios tratados nos seus 50 artigos89, extrai-se a alusão à universalidade,
indivisibilidade, interdependência e inter-relação de todos os direitos
humanos e liberdades fundamentais, bem como à necessidade de garan-
tia de que todas as pessoas com deficiência os exerçam na plenitude, sem
discriminação90.
Há, também, expressa alusão às Normas sobre a Equiparação de
Oportunidades para Pessoas com Deficiência e ao próprio Programa de
Ação Mundial para as Pessoas Deficientes, reconhecendo-se a importância
de tais instrumentos no que concerne ao escopo de conferir maior igual-
dade de oportunidades para as pessoas com deficiência91. Aliás, se uma
convenção “geral e integral” representa um enorme avanço internacional
89 Por seu turno, o Protocolo Facultativo à Convenção conta com 18 artigos.
90 Preâmbulo, “c” (BRASIL, 2009a).
91 Preâmbulo, “f” (BRASIL, 2009a).
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no que se refere à especificação dos direitos das pessoas com deficiência, é
certo que o tema deficiência já era debatido há mais de meio século no seio
da ONU e, neste cenário, a Convenção acaba por representar uma conquis-
ta arduamente obtida pelas pessoas com deficiência que, embora partícipes
da “maior das minorias”, não tinham seus direitos especificados e acompa-
nhados pelos princípios próprios a reger sua aplicação.
Assim, possível vislumbrar o caminho percorrido na ONU até o
advento da Convenção e, paralelamente constatar, nesse mesmo lapso,
a modificação nos próprios modelos de se compreender a deficiência
a influenciar as discussões naquele ente multilateral. Se nas suas pri-
meiras resoluções sobre deficiência havia uma tendência a se adotar o
modelo médico, com o escopo de se distanciar do modelo de prescindi-
bilidade, o certo é que, paulatinamente, o modelo social veio a ocupar
maior espaço e, com a convenção, restou abraçado, como se verifica da
definição de pessoas com deficiência constante do artigo inaugural da
Convenção.
Exatamente no sentido de acentuar as mudanças do próprio conceito
de deficiência no curso do tempo é que a alínea “e, do preâmbulo da Con-
venção esclarece que:
[...] a deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência
resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras
devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva
participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de opor-
tunidades com as demais pessoas. (BRASIL, 2009a)
Constata-se no supramencionado dispositivo preambular a influên-
cia do modelo social, ao se mencionar que a deficiência resulta da interação
da pessoa com as barreiras encontradas na sociedade a impedir a partici-
pação social em igualdade de oportunidades, este último aspecto que foi o
centro da atenção das Normas sobre a Equiparação de Oportunidades para
Pessoas com Deficiência.
Bartlett salienta que a Convenção adota uma nova visão ousada, em
que a não discriminação é um valor central. A deficiência é articulada não
em termos de limitações ou impedimentos das pessoas com deficiência,
mas de respostas sociais inadequadas às necessidades particulares dos in-
divíduos na sociedade (2012, p. 753).
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Oportuna a observação de André de Carvalho Ramos sobre a perti-
nência da Convenção:
[...] uma convenção específica serve para confrontar a sociedade –
inclusive com recurso a instâncias internacionais, no caso da omis-
são local – com a necessidade de implementação de direitos tidos
como já assegurados a todos (direito de ir e vir, por exemplo).
Além disso, a especificidade da situação das pessoas com defici-
ência também justifica a edição de uma Convenção própria. Não
se trata apenas de repetir os direitos elencados nas convenções
gerais, como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos,
mas de focar nas situações que as pessoas com deficiência enfren-
tam para fazer valer tais direitos. Com a especificidade, vem tam-
bém a clarificação do conteúdo aplicado dos direitos e até mesmo
a coleta de dados e estatísticas mais confiáveis sobre a situação
das pessoas com deficiência. (2018, p. 113-114)
A Convenção não só veio estabelecer direitos das pessoas com defici-
ência mas, também, elencou princípios que devem nortear não só a aplicação
das regras convencionais, como a própria atuação dos Estados no sentido de
se buscar a plena e efetiva inclusão social das pessoas com deficiência.
No primeiro parágrafo do artigo 1o da Convenção, encontra-se o seu
propósito, qual seja, “promover, proteger e assegurar o exercício pleno e
eqüitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por to-
das as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade
inerente” (BRASIL, 2009a).
A especificação dos princípios e dos direitos das pessoas com defici-
ência certamente poderá facilitar o exercício dos seus direitos e liberdades
fundamentais, sendo certo que o respeito pela sua dignidade passa, inevi-
tavelmente, pela sua efetiva inclusão na comunidade.
Por seu turno, o segundo parágrafo traz a definição de pessoa com
deficiência. Tal dispositivo foi um dos últimos pontos a serem pactuados
quando da elaboração da Convenção o que talvez explique a existência de
uma divergência entre as versões do texto92.
92 Segundo o disposto no artigo 50, da Convenção: “Os textos em árabe, chinês, espa-
nhol, francês, inglês e russo da presente Convenção serão igualmente autênticos”
(BRASIL, 2009a).

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