Da Política Nacional das Relações de Consumo - Dos Princípios do CDC - Arts. 4º - 5º do CDC

AutorFabio Schwartz
Ocupação do AutorDefensor Público no Rio de Janeiro; Doutor em Direitos, Instituições e Negócios pela Universidade Federal Fluminense
Páginas53-112
TÓPICO II
Da Política Nacional das Relações de Consumo – Dos
Princípios do CDC – Arts. 4º – 5º do CDC
1. INTRODUÇÃO
O art. 4º do CDC dispõe sobre “A Política Nacional das Rela-
ções de Consumo”, fazendo uma verdadeira radiografia acerca dos
objetivos do Código, ou seja, traça um verdadeiro trilho de onde o
operador e o intérprete do direito jamais devem descarrilar.
Aqui se materializa a característica mais importante e marcante
do Código, que é seu modelo principiológico, ou seja, um sistema
formado por preceitos gerais, preordenado na fixação dos princí-
pios fundamentais das relações de consumo, com valor superior e
interpenetração em todas as demais leis gerais e especiais acerca do
assunto.
Nesse diapasão, o CDC abandona o modelo eminentemente
positivista até então vigente, através do Código Civil de 1916, mar-
cado pela elaboração de regras fechadas e minudentes – onde a in-
terpretação jurídica se esgotava na exegese das palavras da lei –
para se enveredar no chamado pós-positivismo, o qual confere aos
princípios jurídicos papel central na estruturação do raciocínio ju-
rídico, modificando, sobremaneira, a forma de interpretação e apli-
cação do direito.80
O dispositivo legal referido cumpre esse papel, estabelecendo
uma série de princípios basilares das relações de consumo, tais
como: o da vulnerabilidade; do protecionismo do consumidor; da
transparência; da harmonia; da confiança; da boa-fé objetiva; da
equidade; da segurança etc.
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80 FREIRE SOARES, Ricardo Maurício. A nova interpretação do código brasileiro de
defesa do consumidor. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 46.
Resta claro que, diferentemente dos demais códigos até então
conhecidos, marcados pelo estabelecimento de regras prontas e in-
flexíveis – ou seja, proposições com relatos objetivos e descritivos
de determinadas condutas –, no CDC o legislador optou por esta-
belecer princípios, vale dizer, valores éticos e morais com abran-
gência difusa e incidente sobre uma pluralidade de situações ocor-
rentes no mercado de consumo.
O papel dos princípios, nas palavras do mestre Sérgio Cavalieri
Filho81, seria o de dar unidade e harmonia ao sistema jurídico, inte-
grando suas diferentes partes. São alinhados, em verdade, como
uma estrutura jurídica de todo o sistema, ou seja, são colunas e vi-
gas de sustentação, sobre as quais serão erigidas todas as regras, daí
por que se diz que possui função estruturante.
Além da função estruturante, destaque-se que os princípios
também denotam função interpretativa, na medida em que atuam
como grandes nortes, ou seja, fixam diretrizes do sistema jurídico,
funcionando como um verdadeiro cano, conduzindo e delimitando
a atuação do intérprete, impedindo que qualquer operação inter-
pretativa desague fora dos objetivos e finalidades estatuídas pelo
Código.
Nessa perspectiva, possuem total aplicação os ensinamentos
do mestre Celso Antônio Bandeira de Melo82 de que “violar um
princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer.
A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um espe-
cífico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de coman-
dos”. Daí por que concluir que o atual sistema confere proteção
robusta e eficiente aos sujeitos de direitos vulneráveis de maneira
perene.
Portanto, a estruturação do CDC em princípios se revelou ab-
solutamente acertada, não só pela estabilidade que se conferiu ao
sistema, bem como ante a unidade e harmonia demonstradas em
todo seu arcabouço protetivo.
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81 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit., p. 26.
82 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17ª ed.
São Paulo: Malheiros, 2004, p. 841-842
2. PRINCÍPIOS EM ESPÉCIE
2.1. Princípio da vulnerabilidade (art. 4º, inciso I, CDC)
Como explicitado anteriormente, o Código de Defesa do Con-
sumidor surgiu exatamente para fazer um contraponto à legislação
civil existente, totalmente voltada para a proteção dos sujeitos
iguais. Assim, não havia adequado tratamento aos sujeitos de direi-
tos que atuavam em flagrante desigualdade no mercado de consu-
mo.
O reconhecimento da fragilidade de um desses sujeitos remon-
ta ao século XIX, conforme se denota da célebre frase atribuída a
Henry Ford, o qual teria dito que “o consumidor é o elo mais fraco
da economia; e nenhuma corrente pode ser mais forte do que seu elo
mais fraco”.
Assim, de um lado, temos os fornecedores, detentores dos
mandos de produção, absolutamente seguros das técnicas empre-
gadas na fabricação de seus produtos e na prestação de seus servi-
ços, dotados de grande poderio econômico; de outro, o consumi-
dor, desinformado, frágil do ponto de vista financeiro, se compara-
do ao comerciante.
O princípio da vulnerabilidade apresenta-se, então, como fun-
damento basilar e ponto de partida de todas as normas erigidas
pelo CDC, dotadas da nítida intenção de fortalecer a parte presu-
midamente mais fraca e em situação de inferioridade na relação
contratual.
A partir do reconhecimento da vulnerabilidade de uma das par-
tes, na chamada relação jurídica de consumo, foi que se buscou es-
tabelecer salvaguardas de molde a que se alcançasse uma igualdade
substancial entre os sujeitos envolvidos.
O descrimen observado em toda ótica do CDC, portanto, é
totalmente justificado, eis que leva a cabo a máxima aristotélica
de igualdade, a qual consiste em se tratar igualmente os iguais e
desigualmente os desiguais na exata medida de suas desigualda-
des. O princípio da isonomia, no estrito sentido pretendido pela
Constituição Federal, se encontra, portanto, absolutamente pre-
servado.
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