Da Proteção Contratual - Arts. 46 - 54 do CDC

AutorFabio Schwartz
Ocupação do AutorDefensor Público no Rio de Janeiro; Doutor em Direitos, Instituições e Negócios pela Universidade Federal Fluminense
Páginas297-350
TÓPICO VI
Da Proteção Contratual – Arts. 46 – 54 do CDC
1. INTRODUÇÃO
O Código de Defesa do Consumidor, a partir de seu art. 46, en-
cerra uma série de disposições voltadas especificamente para a pro-
teção contratual do consumidor. Tais disposições, conforme vere-
mos, implantam uma nova perspectiva do direito brasileiro acerca
da teoria contratual.
Abandona-se, neste momento, a concepção tradicional de que
o homem seria capaz de cuidar dos próprios interesses, ou seja, o
indivíduo, maior e capaz, dotado de razão, sem a influência de
qualquer vício de consentimento, deveria arcar com as obrigações
assumidas. Também se desfaz o dogma da intervenção mínima do
Estado nas relações individuais.
Assim, atento às modificações sociais advindas a partir do sécu-
lo XIX, o CDC, reconhecendo a vulnerabilidade do consumidor,
relativiza o princípio da autonomia das vontades e move o eixo
principiológico contratual, calcado na força vinculante dos contra-
tos (pacta sunt servanda), para o princípio da boa-fé objetiva, este
sim, doravante, norte a ser observado antes, durante e depois da re-
lação contratual.
O CDC, reflexo direto da vontade do Constituinte originário
de 1988, dotado de normas públicas e de interesse social, possibi-
lita de forma inconteste a intervenção Estatal no conteúdo dos con-
tratos, de forma a trazer o equilíbrio e a harmonia nas relações, per-
mitindo, assim, a observância da igualdade material entre as partes
naturalmente desiguais.
2. AS NOVAS REGRAS CONTRATUAIS
A partir do art. 46, o Código estabelece novas regras até então
inexistentes do arcabouço jurídico brasileiro. Assim é que o indigi-
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tado artigo dispõe que “Os contratos que regulam as relações de
consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a
oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se
os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a
compreensão de seu sentido e alcance”.
Dois aspectos imprescindíveis à nova sistemática contratual
trazida pelo CDC devem ser ressaltados. Primeiro, que o fornece-
dor deve oportunizar o conhecimento prévio do conteúdo dos con-
tratos. Segundo, que os termos contratuais, ainda que exibidos
previamente, devem ser passíveis de plena compreensão e alcance
de seus termos por parte do consumidor.
Como exemplo prático podem-se citar as adesões contratuais
feitas por telefone. Ainda que as condições gerais de tal contrato
estejam registradas em cartório, por óbvio que tais cláusulas não
poderão ser oponíveis ao consumidor.
Tal norma é reflexo direto do princípio da transparência, erigi-
do no art. 4º, caput, do CDC, o qual defende que o consumidor
deve ser dotado da maior gama de informações possíveis para a to-
mada de decisão de forma consciente, acerca de aquisição de um
dado produto ou serviço, sempre de acordo com suas reais necessi-
dades.
O Código levou em consideração a nova realidade social, na
qual os contratos são padronizados, ou seja, são elaborados para
consumo em massa, não havendo mais possibilidade de discussão
quanto ao conteúdo de suas cláusulas. Sendo assim, diante da im-
possibilidade de alteração substancial do documento, é imprescin-
dível que o consumidor esteja totalmente familiarizado com aquilo
a que vai aderir.
O legislador não perdeu de vista que os contratos na atualidade
são de adesão, ou seja, elaborados unilateralmente pelo fornecedor
e voltados para o resguardo de seus interesses econômicos, daí a
necessidade da previsão legal protetiva.
2.1. Consequências da inobservância do art. 46: inexistência, in-
validade ou ineficácia da disposição contratual?
A consequência da inobservância dos termos do art. 46 é que as
cláusulas inseridas não obrigarão o consumidor. Dos termos da
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norma exsurge conceito jurídico indeterminado, cabendo ao intér-
prete fixar o real significado da expressão “não obrigarão”.
Leonardo Roscoe Bessa269 dispõe que o art. 46, em verdade,
pretendeu erigir sanção de ineficácia270 da cláusula contratual em
relação ao consumidor a quem não foi oportunizado o conheci-
mento prévio de seu conteúdo.
Claudia Lima Marques,271 por sua vez, sustenta a inexistência
da relação contratual. Para a festejada doutrinadora, se a cláusula
desconhecida do consumidor não o vincula, não se falaria em con-
trato, já que o efeito mínimo deste seria obrigar o parceiro.
Por fim, destacamos opinião de Rizzatto Nunes272 o qual acena
com a sanção de invalidade da cláusula contratual que não foi co-
nhecida previamente pelo consumidor.
O STJ, ao se manifestar acerca do tema, impôs a sanção de ine-
ficácia da cláusula cujo conteúdo não foi dado ciência prévia ao
consumidor:
CONTRATO BANCÁRIO. AUSÊNCIA DE OFENSA AO ART.
535 DO CPC. APRECIAÇÃO DE OFÍCIO. INOCORRÊNCIA.
CLÁUSULAS GERAIS. DESINFORMAÇÃO DO CONSUMI-
DOR. JUROS REMUNERATÓRIOS. INEXISTÊNCIA DE PAC-
TUAÇÃO. CAPITALIZAÇÃO ANUAL DE JUROS EM CONTA
CORRENTE. POSSIBILIDADE. COMISSÃO DE PERMANÊN-
CIA. AUSÊNCIA DE CONTRATAÇÃO. – Não há ofensa ao art.
535 do CPC se, embora rejeitando os embargos de declaração, o
acórdão examinou todas as questões pertinentes. – Não há revisão de
ofício do contrato, pois os fundamentos do acórdão recorrido não fa-
zem coisa julgada. – É ineficaz, no contrato de adesão, cláusula in-
serida em documento que – embora registrado em cartório – não
foi exibido ao consumidor, no momento da adesão (CDC, arts.
46 e segs.). – No caso de previsão potestativa da taxa de juros remu-
neratórios ou sua inexistência, os juros devem ser aplicados consoan-
te a média de mercado. Precedente da Segunda Seção. – É lícita a ca-
pitalização anual de juros em conta corrente. – É defeso cobrar co-
missão de permanência não pactuada no instrumento. Incide a Sú-
299
269 BESSA, Leonardo Roscoe. Manual (...), op. cit., p. 290.
270 Propugnando pela sanção de ineficácia destacamos, também, Nelson Nery Júnior
(Código Brasileiro de Defesa do Consumidor (...), op. cit., p. 318).
271 MARQUES, Cláudia Lima. Comentários (...), op. cit., p. 634.
272 NUNES, Rizzatto. Curso (...), op. cit., p. 689.

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