Introdução ao Estudo do Direito do Consumidor e Aspectos Gerais - Arts. 1º - 3º do CDC

AutorFabio Schwartz
Ocupação do AutorDefensor Público no Rio de Janeiro; Doutor em Direitos, Instituições e Negócios pela Universidade Federal Fluminense
Páginas1-52
TÓPICO I
Introdução ao Estudo do Direito do Consumidor e
Aspectos Gerais – Arts. 1º – 3º do CDC
1. ABORDAGEM HISTÓRICA
O chamado Código de Defesa do Consumidor Brasileiro (Lei
nº 8.078/90) é um dos mais modernos e festejados do mundo.
Como exemplo dessa pujança e modernidade, podemos mencionar
que a lei modelo para a América Latina, proposta pela Consumers
International, tem seu texto fortemente influenciado pelo diploma
brasileiro.1
Porém, antes de adentrarmos no estudo do diploma legal pro-
priamente dito, breves considerações acerca do Direito do Consu-
midor merecem menção. Conhecer o contexto em que surge a
preocupação com esse sujeito de direitos no mundo é fundamental
para bem compreender o atual status constitucional do direito bra-
sileiro do consumidor.
É importante entender que a tutela jurídica dos consumidores,
tal qual a conhecemos hoje, se deve às importantes transformações
socioeconômicas advindas das revoluções industriais dos séculos
XVIII e XIX, que romperam com o regime feudalista.
Nessa virada ocorreu a transição do capitalismo, eminentemen-
te mercantil, para o modelo industrial, o qual inaugurou o que ho-
diernamente conhecemos como produção em série, voltada para
minimizar os custos e maximizar os lucros. Observou-se o fenôme-
no da massificação da produção, da oferta e da contratação e, ao
mesmo tempo, o da impessoalidade dos consumidores.
Essa nova lógica mercantilista fez surgirem desequilíbrios so-
ciais patentes, na medida em que os fornecedores tornaram-se
1
1 SODRÉ, Marcelo Gomes. A Construção do Direito do Consumidor. São Paulo:
Atlas, 2009, p. 116.
cada vez mais fortes em detrimento dos consumidores que, ao re-
vés, apresentavam-se cada vez mais vulneráveis. O total domínio
dos mandos de produção, ou seja, os conhecimentos dos dados téc-
nicos, das informações a respeito dos bens produzidos e comercia-
lizados, tornaram os consumidores verdadeiros marionetes nas
mãos dos grandes conglomerados industriais emergentes.
Em contraposição a esse poder crescente surgiram os primeiros
movimentos em prol dos consumidores no mundo. Nos Estados
Unidos, em 1891, Josephine Lower criou a New York Consumers
League, considerada a primeira associação de consumidores no
mundo, cujo objetivo era lutar pela melhoria das condições de tra-
balho em fábricas e comércio americanos. Essa associação elabora-
va as chamadas listas brancas, dirigidas aos consumidores, identifi-
cando as empresas que efetivamente respeitavam os direitos dos
trabalhadores, concitando-os a boicotar os produtos e serviços con-
cebidos em inobservância das leis e garantias laborativas ameri-
canas.2
Já no século XX, mais precisamente em 1906, Upton Sinclair
publicou o famoso romance The Jungle (A Selva), em que descrevia
as reais condições de fabricação dos embutidos de carne nas indús-
trias dos EUA. O autor, de forma corajosa, destacava as precárias
práticas de higiene capazes de comprometer a saúde, não só dos
trabalhadores que manipulavam os produtos, mas também do con-
sumidor final. Muitos atribuem às repercussões dessa obra o surgi-
mento da primeira Lei de Alimentação e Medicamentos nos EUA,
a Pure Food and Drug Act – PFDA, em 1906, e, em seguida, a lei
de inspeção da carne, a Meet Inspectio Act, em 1907, ambas sancio-
nadas pelo presidente Roosevelt.
Como consequência da sanção das referidas leis, em 1930, após
a inclusão dos cosméticos, inseticidas e outros químicos utilizados
na agricultura no texto da PFDA, surgiu a poderosa agência de fis-
calização, a FDA, Food em Drugs Administration, mundialmente
conhecida e respeitada.3
2
2 FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Direito do Consumidor. 3ª ed.. São Paulo:
Atlas, 2011, p. 4.
3 Ibidem, p. 5.
Em 1936 surge, então, a primeira organização nacional de pro-
teção do consumidor, atuante até os dias de hoje, a Consumers
Union, fundada nos Estados Unidos, quando então este país come-
ça a despontar como protagonista do capitalismo mundial. Em 1º
de abril de 1960, após uma Conferência Internacional sobre testes
de produtos, realizada em Haia, é criada a entidade civil Internatio-
nal Organization of Consumers Union – IOCU, atualmente deno-
minada Consumers Internacional – CI, cuja prioridade absoluta era
a internacionalização, sistematização e racionalização dos testes em
produtos.4
Porém, o ápice do reconhecimento do consumidor como sujei-
to de direitos e de especial proteção do Estado descortinou-se no
famoso discurso do então presidente dos EUA, John Fitzgerald
Kennedy, o qual, em 15 de março de 1962, encaminhou Mensa-
gem Especial ao Congresso Americano, a chamada “Consumer Bill
of Rights Message”. Nessa oportunidade, entre muitos aspectos ali-
nhados, destacamos o seguinte trecho:
Consumidores, por definição, somos todos nós. Eles são o maior grupo
econômico, e influenciam e são influenciados por quase toda decisão
econômica pública ou privada. Apesar disso, eles são o único grupo
importante, cujos pontos de vista muitas vezes não são considerados.5
Assim foi que Kennedy defendeu que os consumidores deve-
riam ser considerados nas decisões econômicas e, de maneira sinté-
tica, destacou que “o consumidor tem direito: à segurança, à infor-
mação, à livre escolha e a ser ouvido”. Não sem motivos, portanto,
o dia 15 de março é dedicado como Dia Mundial dos Consumi-
dores.
Digno de menção, também, foi o primoroso trabalho desenvol-
vido por Ralph Nader, nos EUA. Sua vigorosa atuação redundou,
em 1965, na publicação da obra intitulada Unsafe at Any Speed –
The Designed in Dangers of the American Automobile, na qual de-
nunciava falhas de segurança nos automóveis americanos. Foi sua
liderança que conferiu amplitude ao movimento consumerista, re-
3
4 SODRÉ, Marcelo Gomes. Op. cit., p. 24.
5 Ibidem, p. 23.

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