Delegado de polícia e suas funções

AutorFrancisco Sannini Neto/Eduardo Luiz Santos Cabette
Páginas41-73
do inquérito policial, seja por meio do chamado termo cir-
cunstanciado, é a mais comumente vista, mas não é a única
viável em nosso ordenamento jurídico, nem o passa a ser
com o advento da legislação ora comentada.
4. DELEGADO DE POLÍCIA E SUAS FUNÇÕES
Art. 2º. As funções de polícia judiciária e a apuração de
infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são
de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.
Cabe às polícias uma função extremamente relevante
no controle social e no respeito às leis, o que, invariavel-
mente, repercute no direito fundamental à segurança pú-
blica.
Há, de um modo geral, uma visão equivocada acerca do
sentido e da dimensão do conceito de segurança. Ao pensar
em um direito à segurança, a primeira coisa que nos vem à
cabeça é a existência de um “braço armado do Estado”, cuja
função é unicamente a de servir ao Governo e suas políti-
cas, o que implicaria, não raro, na restrição de liberdades e
garantias fundamentais aos indivíduos e à sociedade.
É claro que se dentro de um Estado Democrático de
Direito todos devem respeito à lei, torna-se necessária a
criação de uma ou várias instituições cujo papel principal
seja assegurar a sua observância. Tendo em vista que a lei
representa a manifestação da vontade geral, o Estado deve
se organizar para impedir a sua violação, valendo-se, entre
outras coisas, da previsão de sanções das mais diversas na-
turezas.
O direito à segurança, nesse contexto, se destaca como
uma garantia ou até mesmo uma forma de coação contra
atos ilegais, assegurando, outrossim, o convívio em socieda-
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de e a concretização dos demais direitos fundamentais.
Percebe-se, pois, que se trata de um dever do Estado para
com a população integrante de seu território.
No mesmo sentido, pode-se afirmar que o sistema legal
é criado de modo a proteger os direitos individuais e cole-
tivos, sendo esta proteção proporcional à importância de
cada bem jurídico. Não por acaso, os direitos fundamentais
são tutelados pelo Direito Penal através de normas penais
incriminadoras. Tudo isso, vale dizer, com o objetivo de dar
segurança à sociedade.
É preciso ter em mente que a Segurança Pública é um
bem jurídico basicamente instrumental. O que se quer di-
zer com isso? Que ela não constitui um fim em si mesma,
mas sim um meio através do qual muitos outros bens jurí-
dicos são assegurados (ex. vida, honra, liberdade, integrida-
de física, patrimônio etc.). Toda vez que a Segurança Públi-
ca ou outras expressões similares (v.g. Segurança Nacional,
Ordem Pública etc.) são colocadas em primeiro plano ou
como fins e não instrumentos para assegurar outros bens
jurídicos, descamba-se facilmente para o autoritarismo e a
violação dos direitos fundamentais na conformação de um
chamado “Estado Policial”.
Como bem apreendido pelo teórico lusitano GUEDES
VALENTE:
Quando lemos ou ouvimos falar de segurança, pensamos
imediata e erroneamente, em coação, em restrição de direi-
tos, de liberdades e garantias. São poucos os que pensam na
segurança como um direito garantístico do exercício dos de-
mais direitos, liberdades e garantias, i.e., como direito garan-
tia. (...). A segurança como bem jurídico coletivo ou supra-
individual não pode ser vista em uma perspectiva limitativa
dos demais direitos fundamentais, mas, tão só e em uma
visão humanista e humanizante, como garantia da liberdade
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física e psicológica para usufruto pleno dos demais direitos
fundamentais. Face a esta realidade, impõe-se a criação de
uma força colectiva – Polícia – capaz de promover e garantir,
em níveis aceitáveis, a segurança dos cidadãos e dos seus
bens, o que onera o Estado de direito democrático a consa-
grar aquela como sua tarefa fundamental.25
Cabe ao Estado, portanto, através da polícia, assegurar
o respeito ao ordenamento jurídico, viabilizando o direito à
segurança pública que, por sua vez, garante o exercício dos
demais direitos fundamentais. Contudo, o exercício da ati-
vidade policial de qualquer natureza deve se desenvolver
sob as premissas da Constituição e nos limites legais, pro-
tegendo as pessoas e os valores que constituem a sociedade
política organizada.
Isso significa que a segurança — cujo consectário lógico
é segurar, resguardar, proteger, afastar de perigo – não pode
ser vista apenas como uma forma de coação, especialmente
quando falamos da atividade policial. Aliás, nessa perspec-
tiva o direito à segurança representa a garantia do exercício
livre e seguro dos demais direitos, impedindo, justamente,
qualquer conduta abusiva do Estado e seus agentes. Por ou-
tro lado, impõe um dever de proteção aos poderes públicos
contra agressões e ameaças a direitos praticadas por ter-
ceiros.
Conclui-se, assim, que a polícia exerce uma função es-
sencial para a manutenção do Estado Democrático de Di-
reito, não somente na proteção de bens jurídicos constitu-
cionais, mas também na concretização do respeito às nor-
mas legais, as quais ela deve submeter-se integralmente e
jamais se apartar, afinal, estão umbilicalmente ligadas.
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25 VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Teoria Geral do Direito Policial. 2ª.
ed. Coimbra: Almedina, 2009. p.94-95.

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