O desenvolvimento tecnológico desde a primeira Revolução Industrial até o mundo 4.0

AutorJames Magno A. Farias
Páginas21-82
Direito, Tecnologia e Justiça Digital
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CAPÍTULO 1
O DESENVOLVIMENTO
TECNOLÓGICO DESDE A PRIMEIRA
REVOLUÇÃO INDUSTRIAL ATÉ
O MUNDO 4.0
1.1. A Primeira Revolução Industrial: da maquinaria a vapor aos primei-
ros direitos laborais
A manipulação do fogo, a criação da roda e o uso dos metais foram desco-
bertas fundamentais para a evolução tecnológica da humanidade. Porém, foi a
partir do século XV, com o início das grandes navegações marítimas, que ocorreu
um fabuloso desenvolvimento cientíco, muito acelerado após o nal do século
XVIII, por conta da Primeira Revolução Industrial. Esses avanços tecnológicos
resultaram, na atualidade, em notórios ganhos nas áreas de telecomunicações,
transportes, medicina, genética, química, agronomia, física, indústria farmacêu-
tica etc. O século XXI representa o auge da evolução tecnológica, talvez o melhor
momento da história, no qual a humanidade se encontra envolta entre nuvens
digitais, internet e algoritmos.
Na origem de todas essas transformações está a tecnologia, palavra que tem
sua origem na junção dos termos gregos tekhne, que signica técnica, e logos, que
signica estudo(9). José Carlos Teixeira da Silva armou que a tecnologia pode
ser dividida em vários níveis, como microtecnologia e macrotecnologia; segundo
Teixeira da Silva, a ideia de macrotecnologia envolve uma “visão interfuncio-
nal sistêmica da tecnologia, incorpora informações, conhecimentos, estrutura e
comportamento das pessoas, a m de ser aplicada a qualquer tipo de tecnologia
utilizada dentro de uma organização”(10).
(9) LONGO, W. P. Tecnologia e soberania nacional. São Paulo: Nobel, 1984. p. 9.
(10) SILVA, José Carlos Teixeira da. Tecnologia: conceitos e dimensões. Publicação digital disponível
em : .
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James Magno A. Farias
Destarte, a palavra tecnologia, quando usada de forma geral, refere-se à
macrotecnologia, ao passo que a microtecnologia refere-se às tecnologias com-
plementares, próprias de produtos especícos. Teixeira da Silva conceituou bem:
O conceito da microtecnologia permite caracterizar de maneira mais
precisa o valor agregado das tecnologias de produto e de processo,
e desdobrar a tradicionalmente chamada “tecnologia” em “tecno-
logia principal” e “tecnologias complementares”, embutidas em um
produto ou processo. Já o conceito de macrotecnologia visualiza o
aspecto sistêmico dos conhecimentos embutidos em uma tecnologia,
dentro da organização, ou seja, as inter-relações entre pessoas, equi-
pamentos, programas, e áreas funcionais no contexto daquela tec-
nologia. A conceituação utilizada por Kruglianskas, quando analisa
a gestão da inovação tecnológica em pequenas e médias empresas,
é mais ampla, ou seja, tecnologia é o conjunto de conhecimentos
necessários para se conceber, produzir e distribuir bens e serviços de
forma competitiva, o que engloba todos os conhecimentos relacio-
nados às atividades da empresa(11).
Klaus Schwab armou que bem antes da Primeira Revolução Industrial a
humanidade viveu outra mudança profunda, a Revolução Agrícola, há cerca de
dez mil anos, quando da “transição do forrageamento (a busca por alimentos)
para a agricultura, domesticação e uso da força animal, o que viria a beneciar
futuramente a produção e os transportes”(12). Norbert Elias armou que a forma de
vida em grupo dos Sapiens foi essencial para sua sobrevivência, pois os humanos
eram mais frágeis e menos numerosos do que outros predadores selvagens, de
modo que precisaram desenvolver formas de comunicação e de cooperação grupal
para conseguir viver naquele tempo, com tantos riscos alimentares, adversidades
climáticas e a letalidade de doenças hoje banais(13).
Yuval Noah Harari, por sua vez, defendeu a teoria de que a primeira revolu-
ção humana foi a Cognitiva, iniciada 70 mil anos atrás, quando os Sapiens foram
reunidos em uma rede de união e colaboração em grupo; o historiador israelense
reconheceu que 12 mil anos atrás aconteceu a Revolução Agrícola, porém, armou
que a terceira revolução humana foi a Cientíca, ainda em vigor, iniciada com
as grandes navegações marítimas, há apenas 500 anos(14). Inobstante a excelente
teoria de Yuval Noah Harari, é preferível o entendimento histórico de que a pri-
meira revolução da humanidade foi a Agrícola, pois marcou um ponto evolutivo
(11) SILVA, José Carlos Teixeira da. Tecnologia: conceitos e dimensões. Publicação digital disponível em:
.
(12) SCHWAB, Klaus. A Quarta Revolução Industrial. São Paulo: Edipro, 2019. p. 15.
(13) ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Zahar, 1994. p. 141.
(14) HARARI, Yuval Noah. Sapiens: uma breve história da humanidade. Porto Alegre: L&PM, 2017, p. 11.
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no sentido organizacional, social e de planejamento coletivo, rompendo-se com
a vida nômade e meramente coletora, o que permitiu à humanidade xar novas
bases civilizatórias, conforme apontou Klaus Schwab(15).
A segunda revolução humana veio com o início da Era Industrial, no nal do
século XVIII, com o advento da maquinaria mecânica. Segundo Jürgen Habermas,
“o desenvolvimento técnico se ajusta bem ao modelo interpretativo segundo o
qual a espécie humana teria projetado, no âmbito dos meios técnicos, cada um
dos componentes elementares da esfera funcional da ação racional com respeito
a ns, os quais se encontravam inicialmente xados ao organismo humano”(16).
Nesse sentido, a análise feita por Jürgen Habermas foi realmente perfeita:
As funções do aparelho locomotor (mãos e pernas) seriam as primeiras
a serem reforçadas e substituídas, depois as de gerações de energia
(do corpo humano), seguidas pelas funções do aparelho sensitivo
(olhos, orelha e pele) e, nalmente, as funções do centro de controle
(do cérebro). Se considerarmos que o desenvolvimento técnico segue
uma lógica que corresponde à estrutura da ação racional com respeito
a ns e orientada pelo êxito – e isso signica: a lógica do trabalho –,
então não se vê como poderíamos renunciar à técnica, mais precisa-
mente à nossa técnica, em benefício de uma técnica qualitativamente
distinta, enquanto permanecer inalterada a organização da natureza
humana, isto é, enquanto tivermos de manter nossas vidas por meio
do trabalho social e com a ajuda de meios que o substituem(17).
O marco inicial da Primeira Revolução Industrial está ocialmente em 1769,
na Grã-Bretanha, quando James Wa patenteou uma nova versão da máquina
a vapor, que havia sido criada em 1712 por Thomas Newcomen. Esse construto
ajudou a impulsionar a manufatura em larga escala, pois multiplicou a capaci-
dade mecânica de produção, diminuiu os custos operacionais dos fabricantes e
aumentou a oferta de novos empregos nas regiões fabris britânicas. James Wa,
inegavelmente, foi um dos maiores responsáveis pela origem da era moderna
da maquinaria(18). Observa-se que o início da Primeira Revolução Industrial foi
bem próximo do começo da longa guerra de independência dos Estados Unidos,
que, em 4 de julho de 1776, declararam sua liberdade da Grã-Bretanha, que foi
reconhecida apenas em 1783 pela antiga metrópole. Os Estados Unidos, que se
tornariam uma grande potência industrial, implantaram um regime republicano
(15) Preferível a classicação histórica de que a Terceira Revolução Industrial foi resultado da Era
Computacional, ocorrida após a Segunda Guerra Mundial, da qual deriva a Quarta Revolução Industrial,
a atual Era Digital, iniciada no nal do último milênio, conforme será mais bem analisado mais à frente.
(16) HABERMAS, Jürgen. Técnica e ciência comoideologia. São Paulo: Unesp, 2014.p. 84.
(17) Idem.
(18) DOBB, Maurice. A evolução do capitalismo. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. p. 274.

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