O direito à adaptação razoável como elemento integrante do direito ao trabalho digno da pessoa com deficiência

AutorCláudio Brandão
Páginas225-244
CAPÍTULO 17
(1) Ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Autônoma de Lisboa. Mestre em
Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, da Academia de Letras Jurídi-
cas da Bahia, do Instituto Baiano de Direito do Trabalho, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e da Associacion Iberoamericana de
Derecho del Trabajo.
O Direito à Adaptação Razoável como Elemento Integrante
do Direito ao Trabalho Digno da Pessoa com Deficiência
CLÁUDIO BRANDÃO
(1)
Resumo: O título revela o objeto central do presente estudo: reconhecer a existência e definir o alcance do direito à adaptação
razoável assegurado à pessoa com deficiência como decorrência direta da Convenção da ONU dos Direitos das Pessoa com De-
ficiência, em vigor no Brasil desde 2009, e a sua relação com o direito ao trabalho digno. Procura-se analisar alguns dos compro-
missos pelo Brasil no cenário internacional nesse tema e as principais normas relacionadas ao trabalho, contidas na mencionada
Convenção. A base normativa incluiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, editada para detalhar os direitos
assegurados na Convenção. Aborda-se também a relação entre acessibilidade, desenho universal, tecnologias assistivas e adap-
tação razoável, enquanto deveres do empregador e direitos de natureza instrumental dos empregados, assim considerados por
viabilizarem o exercício de outros direitos, e sua incidência no contrato de trabalho. A jurisprudência do TST e do STF foi pesquisada
e, apesar de haverem sido poucos os acórdãos identificados, revela a clara direção no sentido de garantir a efetividade do direito
à plena inclusão assegurado na norma internacional.
Palavras-chave: Adaptação razoável. Pessoas com deficiência. Convenção da ONU sobre direitos das pessoas com deficiência.
Abstract: The title reveals the main object of the present study: to recognize the existence and to define the coverage of the
right to reasonable adaptation assured to persons with disabilities as a direct consequence of the UN Convention on the Rights
of Persons with Disabilities, in force in Brazil since 2009, and its relation to the right to decent work. We try to analyze some of
Brazil’s commitments on the international scene in this area and the main work-related norms contained in the aforementioned
Convention. The normative basis included the Brazilian Law for the Inclusion of Persons with Disabilities, edited to detail the rights
ensured in the Convention. This work also discusses the relationship between accessibility, universal design, assistive technologies
and reasonable adaptation, as employer duties and instrumental rights of employees, therefore being considered to enable the
exercise of other rights, and their impact on the employment contract. The jurisprudence of the TST and the STF has been resear-
ched and, although there have been few identified judgments, reveals the clear direction towards ensuring the effectiveness of
the right to full inclusion secured in the international standard.
Keywords: Reasonable adaptation. Persons with disabilities. UN Convention on the Rights of Persons with Disabilities.
1. INTRODUÇÃO: EVOLUÇÃO DO
RECONHECIMENTO INTERNACIONAL DOS
DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
Ao se analisar o direito à adaptação razoável
como elemento integrante do direito fundamental
ao trabalho digno, eixo temático que orienta essa
obra– Direito Fundamental ao Trabalho Digno: Tra-
balho, Constituição e Cidadania no Século XXI–, não
se pretende, à guisa de introdução, rememorar a
trajetória histórica do reconhecimento dos direitos
das pessoas com deficiência, notadamente no que
se refere à igualdade plena e ao trabalho digno. É
suficiente mencionar que discriminação e exclusão
a marcaram e não foi fácil superar os inúmeros obs-
táculos havidos.
226
Direito Fundamental ao Trabalho Digno no Século XXI – Vol. I
Gabriela Neves Delgado
A doutrina não é uniforme na indicação das fases
que sistematizam o estudo dessa trajetória. Por todos,
cita-se a doutrina de Flávia Piovesan que a classifica em
quatro fases distintas:
a) fase de intolerância: as pessoas com deficiência
eram representativas da impureza, pecado ou castigo
divino;
b) fase da invisibilidade: não havia preocupação es-
pecial que lhes fosse destinada;
c) fase da ótica assistencialista: a deficiência era
considerada doença a ser curada e o indivíduo como
alguém a ser tratado da “enfermidade”;
d) fase do paradigma de direitos humanos: marca-
da pelo reconhecimento dos direitos à inclusão social,
com ênfase na relação com o meio em que elas se in-
serem e na necessidade de “eliminar obstáculos e bar-
reiras superáveis, sejam elas culturais, físicas ou sociais,
que impeçam o plano exercício dos direitos humanos”.(2)
Algumas iniciativas foram marcantes para a con-
sagração no plano internacional. Em apertada síntese,
menciona-se uma série de ações desenvolvidas pela
Organização das Nações Unidas voltadas ao reconhe-
cimento e proteção dos direitos que lhes são inerentes,
a exemplo da Declaração dos Direitos das Pessoas com
Deficiência Mentais, de 1971; da segunda Declaração
sobre os Direitos das Pessoas Deficientes, de 1975; da
Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra as Mulheres, de 1979; da consa-
gração do ano de 1981 como o Ano Internacional das
pessoas deficientes e dos anos de 1983 a 1992 como a
Década das Nações Unidas para as Pessoas Deficientes;
do Programa Mundial para as Pessoas Deficientes, de
1982; da Convenção sobre os Direitos da Criança, de
1989; e das Regras Gerais sobre a Igualdade de Oportu-
nidades para Pessoas com Deficiências, de 1993, entre
muitas outras.
Ainda no âmbito internacional, destaca-se a Con-
venção n.159 da Organização Internacional do Traba-
lho– OIT–, promulgada no Brasil pelo Decreto n.129, de
22.05.1991,(3) que trata especificamente da reabilitação
profissional e emprego das pessoas com deficiência e
(2) PIOVESAN, Flávia. Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência: inovações, alcance e impacto. In: FERRAZ, Carolina
Valença, et al (Coord.). Manual dos Direitos da Pessoa com Deficiência. São Paulo: Saraiva, 2012. ISBN 978-85-02-17030-8. p.46.
(3) BRASIL. Decreto n.129, de 22 de maio de 1991. Promulga a Convenção n.159, da Organização Internacional do Trabalho– OIT, sobre Reabilitação
Profissional e Emprego de Pessoas Deficientes. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0129.htm>. Acesso
em: 21 dez. 2019.
(4) ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Carta da Organização dos Estados Americanos. Disponível em: <http://www.oas.org/OASpage/
port/Documents/Democractic_Charter.htm>. Acesso em: 14 nov. 2019.
(5) ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Carta Democrática Interamericana. Disponível em: <http://www.oas.org/OASpage/port/Docu-
ments/Democractic_Charter.htm>. Acesso em: 14 nov. 2018.
destaca a necessidade de atuação dos Estados Mem-
bros para a promoção da sua inserção profissional.
As obrigações assumidas pelo Estado brasileiro
quanto ao tema, perante a sociedade internacional,
não se esgotaram – e nem se esgotam – no sistema
das Nações Unidas. Com efeito, no sistema interameri-
cano, a preocupação com questões trabalhistas e com
a igualdade de oportunidades já exsurge na Carta da
Organização dos Estados Americanos,(4) a qual fixa em
seu art.34:
Art. 34.
Os Estados-membros convêm em que a igualdade
de oportunidades, a eliminação da pobreza crítica e
a distribuição equitativa da riqueza e da renda, bem
como a plena participação de seus povos nas deci-
sões relativas a seu próprio desenvolvimento, são,
entre outros, objetivos básicos do desenvolvimento
integral. Para alcançá-los convém, da mesma forma,
em dedicar seus maiores esforços à consecução das
seguintes metas básicas:
[...]
g) Salários justos, oportunidades de emprego e condi-
ções de trabalho aceitáveis para todos.
Ademais, define o trabalho como “[...] um direito e
um dever social”, que
[...] confere dignidade a quem o realiza e deve ser
exercido em condições que, compreendendo um re-
gime de salários justos, assegurem a vida, a saúde e
um nível econômico digno ao trabalhador e sua fa-
mília, tanto durante os anos de atividade como na
velhice, ou quando qualquer circunstância o prive da
possibilidade de trabalhar (art.45).
Reitera, ainda, a obrigação dos Estados-Membros
com a habilitação para o trabalho, em seu art.50.
Na Carta Democrática Interamericana,(5) de 2001,
estabelece-se que a garantia do exercício pleno e eficaz
dos direitos dos trabalhadores, tal qual consagrado na
Declaração da OIT relativa aos Princípios e Direitos Fun-
damentais no Trabalho (1998), é elemento primacial para
a promoção e fortalecimento da democracia (art.10).

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