Direito intertemporal

AutorJuliana Cordeiro de Faria
Ocupação do AutorProfessora de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Páginas333-352
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DIREITO INTERTEMPORAL
Juliana cordeiro de faria541
Sumário
1. Introdução: o CPC/2015 e a divergência quanto ao início de sua vigência. 2. Os processos
pendentes: a regra de incidência imediata da lei nova e sua relatividade. 3. Regra de direito inter-
temporal: teoria do isolamento dos atos processuais. Proteção ao direito adquirido e a garantia
de irretroatividade da lei nova. 4. Questões práticas de Direito Intertemporal na vigência do
CPC/2015. 4.1. Sistema Recursal. 4.2. Remessa necessária. 4.3. Resposta do Réu. 5. Conside-
rações Finais.
1 INTRODUÇÃO: O CPC/2015 E A DIVERGÊNCIA QUANTO AO INÍCIO
DE SUA VIGÊNCIA
“As leis, como objetos da vida humana, ou vida humana objetivada, nascem,
vivem e morrem. Nascem, vivem e morrem, como qualquer das manifestações da
Cultura, produtos da vida e crítica da vida. Nascem, vivem e morrem como as artes,
as morais, as concepções do mundo”.542
O Direito Processual Civil brasileiro vive um desses momentos de morte e
nascimento: morre o velho Código (CPC/1973), com seu apego exagerado à técnica
e à forma e que, com o tempo, foi sendo temperado por sucessivas reformas e nasce
um Novo Código de Processo Civil (CPC/2015) cujo espírito se renova, resgatando
a essência e a missão instrumental do processo: tutelar com ef‌iciência o direito ma-
terial. O Novo Código exige um novo olhar de seus intérpretes, o despertar de uma
nova consciência de seus aplicadores: o processo, enquanto método de solução de
conf‌litos, deve ser resgatado na sua simplicidade procedimental, numa visão desbu-
rocratizada de sua aplicação, no agir ético e cooperativo de seus sujeitos e auxiliares.
No Direito, toda lei, como produto humano, é vocacionada a morrer, para
dar espaço a uma nova, em um ciclo dinâmico que permite a evolução da sociedade
e da cultura. O período de vida da Lei, isto é, aquele que está compreendido entre
o seu nascimento e morte, é denominado vigência. Durante a vigência da Lei,
seus preceitos terão força e ef‌icácia para regular as situações concretas que a ela se
subsumem.
541 Professora de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Ge-
rais (UFMG). Mestre e Doutora em Direito Civil pela UFMG. Diretora Científ‌ica do Instituto de
Direito Processual (IDPro). Diretora de Processo Civil do Instituto dos Advogados de Minas Gerais
(IAMG) e Secretária Adjunta do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) para Minas Gerais.
Advogada.
542 BATALHA, Wilson de Souza Campos. Direito intertemporal. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 47.
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Assim como para o ser humano existem regras, adotadas segundo a técnica
do Direito, para def‌inir o início de sua vida, momento a partir de quando está apto
a ser sujeito de direitos e obrigações (nascimento para a ciência do Direito) e para
marcar o tempo de sua morte (f‌im da vida para a ciência do Direito), também para
as leis se ocupa o sistema de estabelecer critérios que f‌ixam o início e o f‌im de sua
vigência.
Cumpre então determinar quando teve início a vigência do CPC/2015, mo-
mento a partir de quando se operou o nascimento do novo Processo Civil Brasileiro
e suas normas passaram a ter incidência imediata para regular o método de solução
de litígio. Nesse ponto, já se divisa uma divergência doutrinária que, a nosso ver,
longe está de contribuir para o escopo de um processo instrumental cuja essência seja
simplif‌icada e desburocratizada.
Dispõe o art. 8º da Lei Complementar n.º 95/98 (LC 95/98) que “a vigência
da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para
que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula “entra em vigor na data
de sua publicação” para as leis de pequena repercussão”.
O CPC/2015, por representar uma signif‌icativa transformação do processo
civil brasileiro e atendendo ao comando do art. 8º, trouxe a seguinte regra em seu art.
1.045, acerca de sua vigência: “Este Código entra em vigor após decorrido 1 (um)
ano da data de sua publicação of‌icial”. Estipulou-se, pois, um período de vacatio543 de
01 (um) ano, que o legislador considerou suf‌iciente para que a sociedade assimilasse
os impactos da nova codif‌icação e se familiarizasse com o novo processo civil.
O CPC/2015 não optou pela técnica legislativa de indicar em seu texto o dia
certo para o início de sua vigência como o fez o CPC/1973544 que, à época, f‌ixou a
data de 1º de janeiro de 1974 como o momento em que entrou em vigor. Tivesse sido
essa a solução legislativa, que consideramos não ser incompatível com a LC 95/98
visto que não a exclui expressamente, não enfrentaríamos na nova Codif‌icação diver-
gências teóricas quanto à data do início da vigência do CPC/2015.
O legislador da nova codif‌icação, ao estipular que suas normas entrariam em
vigor após decorrido 01 (um) ano da data de sua publicação, foi ingênuo e olvidou
que seu nascimento se dá em meio a uma realidade jurídica brasileira que espelha
uma cultura de apego à teorização em matéria processual, ref‌lexo de uma sociedade
burocrática cuja tendência é sempre de tornar complexo o que deveria ser simples.
O texto do art. 1.045, em si, não traz maiores dif‌iculdades de interpretação,
inexistindo, a nosso juízo, razão para o dissídio que se instaurou na doutrina. Po-
rém, para sua exata compreensão, o intérprete tem que complementá-lo a partir de
outras leis. E é exatamente nessa operação complementar que reside o objeto da
divergência.
543 Vacatio legis signif‌ica “vacância da lei”, ou seja, é o período de tempo que transcorre entre o dia da publicação
de uma lei e o dia em que ela entra em vigor, tornando-se de obrigatória aplicação.
544 Eis o teor do art. 1.220 do CPC/1973: “Este Código entrará em vigor no dia 1o de janeiro de 1974, revogadas
as disposições em contrário”.
JULIANA CORDEIRO DE FARIA
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