Do inventário por escritura pública: questões polêmicas

AutorChristiano Cassettari
Páginas127-209
5
DO INVENTÁRIO POR ESCRITURA
PÚBLICA: QUESTÕES POLÊMICAS
1. O INVENTÁRIO POR ESCRITURA PÚBLICA NO CÓDIGO DE PROCESSO
CIVIL DE 2015: UMA ANÁLISE DOS SEUS REQUISITOS
Quando a Lei 11.441/2007 entrou em vigor, a normatização do inventário por
via administrativa era feita pelos arts. 982 e 983 do Código de Processo Civil de 1973.
Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil vigente, e a consequente
revogação do Código de Processo Civil de 1973, o inventário extrajudicial passou a ser
regrado pelos arts. 610 e 611 do CPC/2015.
Para melhor compreender as modif‌icações que a atual legislação processual es-
tabeleceu, indicaremos, na tabela abaixo, como era e como f‌icou a norma que trata do
assunto em estudo:
COMO FICOU NO CPC/15 COMO ERA NO CPC/73
Art. 610. Havendo testamento ou interessado incapaz,
proceder-se-á ao inventário judicial.
§ 1.º Se todos forem capazes e concordes, o inventário
e a partilha poderão ser feitos por escritura pública, a
qual constituirá documento hábil para qualquer ato de
registro, bem como para levantamento de importância
depositada em instituições nanceiras.
Art. 982. Havendo testamento ou interessado incapaz,
proceder-se-á ao inventário judicial; se todos forem
capazes e concordes, poderá fazer-se o inventário e a
partilha por escritura pública, a qual constituirá título
hábil para o registro imobiliário.
§ 2.º O tabelião somente lavrará a escritura pública se
todas as partes interessadas estiverem assistidas por
advogado ou por defensor público, cuja qualicação
e assinatura constarão do ato notarial.
§ 1.º O tabelião somente lavrará a escritura pública se
todas as partes interessadas estiverem assistidas por
advogado comum ou advogados de cada uma delas
ou por defensor público, cuja qualicação e assinatura
constarão do ato notarial. (Alterado e renumerado pela
DISPOSITIVO SEM CORRESPONDENTE NO
CPC/2015
§ 2.º A escritura e demais atos notariais serão gratuitos
àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei.
(Acrescentado pela Lei 11.965/2009)
O art. 610 do Código de Processo Civil de 2015 fez poucas mudanças se o compa-
rarmos com o Código de Processo Civil de 1973. São elas:
a) para resolver o problema da lei anterior, que dizia ser a escritura pública título
hábil apenas para o registro imobiliário, o que causou uma série de transtornos, pois
os Bancos, o Detran e as Juntas Comerciais não queriam aceitar a escritura como um
formal de partilha, a novel legislação estabeleceu, expressamente, que escritura pública
EBOOK DIVORCIO EXTINCAO DE UNIAO ESTAVEL E INVENTARIO.indb 127EBOOK DIVORCIO EXTINCAO DE UNIAO ESTAVEL E INVENTARIO.indb 127 22/11/2021 10:38:0122/11/2021 10:38:01
DIVÓRCIO, EXTINÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL E INVENTÁRIO POR ESCRITURA PÚBLICA • CHRISTIANO CASSETTARI
128
de inventário é documento hábil para qualquer ato de registro, o que inclui os cartórios
extrajudiciais (Imóveis, Registro Civil de Pessoa Natural e Pessoa Jurídica e Registro de
Títulos e Documentos) e outras instituições (Detran, Juntas Comerciais etc.), bem como
para levantamento de importância depositada em instituições f‌inanceiras, resolvendo
de uma vez por todas os problemas com os bancos;
b) retirou a expressão advogado comum ou de cada uma das partes, por ser questão
óbvia, já implícita na norma, considerando que o ato é consensual;
c) retirou a previsão de gratuidade das escrituras de inventário, o que acarretará a
polêmica se a mesma foi extinta ou ainda permanece de outra forma.
Todas essas mudanças iremos estudar detalhadamente, mais adiante, porém, ini-
cialmente, vamos no ater aos requisitos do inventário extrajudicial.
Para que seja feito o inventário pela via administrativa, no tabelionato de notas, o
artigo 610 do CPC estabelece certos requisitos que, se não forem respeitados, tornarão
a escritura nula, conforme o art. 166, VII, do Código Civil.
Cumpre lembrar que a ação declaratória de nulidade é imprescritível (art. 169 do
Código Civil) e poderá ser proposta por pessoa interessada ou pelo representante do
Ministério Público (art. 168 do Código Civil).
Os requisitos que devem ser observados são:
I) não ter interessado incapaz na sucessão;
A incapacidade da pessoa natural não se dá somente se esta não atingiu a maiori-
dade (que é de 18 anos segundo o art. 5.º do Código Civil), mas também se esta possui
algum dos problemas descritos no art. 4.º (que elenca os relativamente incapazes) do
ordenamento civil, que, com o art. 3º do mesmo diploma legal, que trata da incapacidade
absoluta, foram modif‌icados com a entrada em vigor da Lei 13.146/2015, conhecida
como Estatuto da Pessoa com Def‌iciência. Reproduziremos abaixo os dois artigos do
Código Civil para mostrar as modif‌icações:
NOVO ROL DOS ABSOLUTAMENTE INCAPAZES,
DESCRITOS NO ART. 3º DO CC, APÓS A ALTERA-
ÇÃO PROMOVIDA PELA LEI 13.146/2015 – ESTA-
TUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
NOVO ROL DOS RELATIVAMENTE INCAPAZES, DES-
CRITOS NO ART. 4º DO CC, APÓS A ALTERAÇÃO PRO-
MOVIDA PELA LEI 13.146/2015 – ESTATUTO DA PESSOA
COM DEFICIÊNCIA
Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer
pessoalmente os atos da vida civil os menores de
16 (dezesseis) anos. (Redação dada pela Lei n.º
Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à
maneira de os exercer: (Redação dada pela Lei n.º 13.146,
I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II – os ébrios habituais e os viciados em tóxico; (Redação
III – aqueles que, por causa transitória ou permanente, não
puderem exprimir sua vontade; (Redação dada pela Lei n.º
IV – os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada
por legislação especial. (Redação dada pela Lei n.º 13.146,
EBOOK DIVORCIO EXTINCAO DE UNIAO ESTAVEL E INVENTARIO.indb 128EBOOK DIVORCIO EXTINCAO DE UNIAO ESTAVEL E INVENTARIO.indb 128 22/11/2021 10:38:0122/11/2021 10:38:01
129
5 • Do INVENTárIo Por ESCrITurA PÚBLICA: QuESTÕES PoLÊmICAS
Assim, havendo menor de 18 anos não emancipado, ou maior que se enquadre em
alguma das hipóteses acima, o inventário, obrigatoriamente, será judicial.
Cumpre lembrar que, como a emancipação, seja ela voluntária, judicial ou legal,
é forma de aquisição da capacidade de fato, se existir algum menor emancipado inte-
ressado na sucessão, isto não impedirá que o inventário seja feito por escritura pública.
Vale ressaltar que esta regra também será aplicada na hipótese de herdeiro incapaz
representar herdeiro capaz, falecido após a abertura da sucessão, ou se houver cessão
de direitos hereditários para cessionário incapaz.
Isto se deve ao fato da análise da incapacidade ser feita no momento da celebração
do negócio jurídico (escritura de inventário), e não no momento da abertura da sucessão,
por se tratar de ato inter vivos.
Desta forma, se faltarem dez dias para que o herdeiro complete a maioridade no
momento da abertura da sucessão, o inventário poderá ser feito extrajudicialmente após
este prazo, quando o herdeiro completar 18 anos.
Cumpre lembrar que se o cônjuge, concorrente ou não, caso em que ele é conside-
rado herdeiro, for incapaz, ele será interessado na sucessão, motivo pelo qual inviabiliza
a realização da escritura.
Se o cônjuge for apenas meeiro, acredito que ele também é interessado na sucessão,
motivo pelo qual, já que ele deverá participar do inventário para garantir a sua meação,
a escritura não poderá ser realizada.
Importante destacar que pessoa com def‌iciência não é incapaz, motivo pelo qual é
necessário lembrar disso caso existam interessados na sucessão, por exemplo herdeiros,
com def‌iciência.
O art. 2.º do Estatuto da Pessoa com Def‌iciência (Lei 13.146/15) def‌ine como
pessoa com def‌iciência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode
obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com
as demais pessoas, ou seja, a norma igualou todo e qualquer tipo de def‌iciência para
efeitos de proteção do estatuto.
Com isso, todos os def‌icientes adquiriram capacidade civil, consoante regra do
art. 84 da referida norma, para quem a pessoa com def‌iciência tem assegurado o direito
ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas.
O art. 6.º, I, da referida norma af‌irma que a def‌iciência não afeta a plena capacidade
civil da pessoa, inclusive para casar-se e constituir união estável, ou seja, se algum f‌ilho
do casal ou até mesmo um deles, tiverem algum tipo de def‌iciência, isso não impede a
lavratura da escritura.
O art. 85, caput, do Estatuto da Pessoa com Def‌iciência, estabelece que a curatela
afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e nego-
cial. Com isso, se a escritura de inventário tiver natureza patrimonial, a maioria tem,
mesmo a norma permitindo que o curatelado pratique atos da via civil assistido por seu
EBOOK DIVORCIO EXTINCAO DE UNIAO ESTAVEL E INVENTARIO.indb 129EBOOK DIVORCIO EXTINCAO DE UNIAO ESTAVEL E INVENTARIO.indb 129 22/11/2021 10:38:0122/11/2021 10:38:01

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT