Dois anos depois: efeitos jurídicos e econômicos dos dez (novos) princípios de direito (empresarial) do trabalho

AutorRodrigo Trindade
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho no TRT-RS. Mestre em Direito das Relações Sociais pela UFPR
Páginas57-74
Dois Anos Depois: Efeitos Jurídicos e Econômicos dos Dez
(Novos) Princípios de Direito (Empresarial) do Trabalho
Rodrigo Trindade(1)
(1) Juiz do Trabalho no TRT-RS. Mestre em Direito das Relações Sociais pela UFPR. Especialista em Direito do Trabalho pela UDELAR (Montevi-
deo-Uy) e pela Unibrasil (Curitiba-PR). Professor de Direito Material e Processual do Trabalho.
1. INTRODUÇÃO
Godzila chega a Tóquio; a Estrela da Morte está pronta
e operacional; o Inverno aporta definitivamente em Whes-
teros. Não importa sua idade ou referência apocalíptica, a
Reforma Trabalhista, tal como proposta, pode ser isso: o
desastre do mundo do trabalho e negação da promessa de
redução do desemprego.
Somos uma sociedade de trabalho, em que os indivíduos
se identificam em relações de pertencimento a partir de
seus ofícios. É difícil imaginar campo da interação humana
com maior dinamicidade que o das relações laborais. A im-
portância que possuem as estruturas produtivas em nossa
ossatura institucional faz com que sigam em permanente
dinamicidade, em um fluxo contínuo de complexidade.
Por isso, não é exagero afirmar que novas profissões,
novos modos de trabalhar e de empreender surgem e são
extintos diariamente. É não apenas natural, como esperado
que a regulação também siga esse movimento.
Alterações de regulação são essenciais para acompanhar
as tantas modificações do mundo do trabalho. Pelo menos
nos últimos duzentos anos, a trajetória de democratização
e concepção de concretude dos direitos fundamentais tem
tido grande significado para o Direito do Trabalho. Ainda
que com revezes pontuais, o caminho vem sendo de demo-
cratização do ambiente de trabalho e, principalmente, de
soma de condições laborais dignas. Em grande resumo, as
novas legislações buscam o seguinte:
a) adequar tempo de trabalho a necessidades biológicas
e sociais;
b) fazer crescer a massa salarial;
c) melhorar as condições de saúde e segurança;
d) proteger e garantir trabalho a parcelas populacionais
marginalizadas;
e) estimular a continuidade de vínculos de trabalho;
f) incentivar contratações que encerrem maior rol de
benefícios sociais.
Por mais que insistam com pessimismos, esses aperfei-
çoamentos significaram melhora geral da condição de vida
dos trabalhadores, crescimento de mercado consumidor e
estabilização social.
O então Projeto de Lei n. 6.787/2016, aprovado na
Câmara dos Deputados, apareceu como condensador de
diversas outras iniciativas de alterações legislativas, conso-
lidando uma grande reforma trabalhista que alterou cerca
de uma centena de artigos da CLT e também avançou em
outras leis.
Se há certeza na necessidade de constantes aperfeiçoa-
mentos na legislação trabalhista, a mesma fortaleza de con-
vicção não alcança a identificação da agora Lei n. 13.467/
2017 como tendo essa finalidade. Essencialmente, há difi-
culdade de integrar a proposição reformista em quaisquer
dos seis elementos listados.
A maior parte dos dispositivos modificados ou inseri-
dos estabelece inovações no campo de restrição de direitos
trabalhistas. Há, no entanto, artigos objeto do projeto de lei
que, ou apenas legalizam entendimentos já ordinariamente
aplicados pelos tribunais, ou promovem atualizações de ex-
pressões e adequações ao Código de Processo Civil. Nesse
grupo estão os seguintes dispositivos, todos da CLT:
art. 477, § 4º, II: permite pagamento de rescisão com
depósito bancário;
art. 477, § 6º: fixa prazo de dez dias para empregador
alcançar documentos ao ex-funcionário, após encer-
ramento do contrato;
art. 775: contagem de prazos processuais em dias
úteis, seguindo-se sistema do Código de Processo
Civil;
art. 791-A: fixação de honorários de sucumbência –
atende antiga e justa pretensão da advocacia;
arts. 793-A a 793-D: utilização da sistemática do Có-
digo de Processo Civil para definição de litigância de
má-fé e repressão de práticas indevidas no processo;
– art. 800: protocolos de exceção de incompetência
territorial;
art. 818: regras mais claras sobre ônus probatório,
Art. 840: redação contemporânea para a petição ini-
cial trabalhista;
art. 844, § 1º: regra de estabilização do processo, a
partir da apresentação de defesa;
58 Rodrigo Trindade
Art. 847, parágrafo único: reconhecimento do processo
judicial eletrônico.
Mas os dispositivos realmente importantes são outros.
Em artigo anterior, tratamos sobre conveniência, legitimi-
dade e oportunidade da proposta reformista (http://www.
conjur.com.br/2017-mar-22/rodrigo-souza-conveniencia-
-legitimidade-reforma-trabalhista), buscando desmistificar
fantasias que costumam permear os arroubos precarizan-
tes. Em outro, buscamos tratar em específico os efeitos do
negociado sobre o legislado no tempo de trabalho (http://
www.conjur.com.br/2017-abr-01/rodrigo-trindade-nego-
ciacao-livre-esculhambara-ambiente-trabalho).
Neste estudo, analisamos Projeto a partir de dez grandes
princípios e suas instrumentalizações. Ao fim, e a partir de
estatísticas oficiais, verificaremos quais estão sendo os efei-
tos da Reforma Trabalhista na economia brasileira.
2. ALTERAÇÃO DA MATRIZ PRINCIPIOLÓGICA
DO DIREITO MATERIAL E PROCESSUAL DO
TRABALHO
a) Direito Comum como fonte absoluta subsidiária
A redação vigente do parágrafo único do art. 8º da CLT
prevê que o direito comum é fonte subsidiária do Direito do
Trabalho, naquilo que em que não for incompatível com os
princípios fundantes deste.
Na nova redação do art. 8º, § 1º, a Reforma exclui a
condicionante de compatibilidade ideológica. A amputação
é a mais transcendente do Projeto porque tende a lançar
orientações para toda matéria que não for expressa e inte-
gralmente prevista na legislação trabalhista.
Referir a “direito comum” é tratar de direito civil, es-
pecialmente o obrigacional. Desde pelo menos o início do
século XX, o Direito do Trabalho é ramo autônomo dentro
da Ciência Jurídica, possuidor, por conseguinte, de prin-
cípios próprios. A regra hermenêutica universal é de que,
tratando-se de caso difícil a ser interpretado, sem solução
evidente no regramento específico, a regra a ser construída
no caso concreto deve observar a principiologia própria.
Assim, a regra do “direito mãe”, o Direito Civil, deve obser-
var condicionante de aplicação em compatibilidade com os
princípios da ciência próxima.
O Direito Civil Obrigacional possui orientações princi-
piológicas diversas, dada a evidência de – tal como o Direito
do Trabalho – ser ciência jurídica autônoma. A regra pro-
posta nega autonomia do Direito do Trabalho, exclui a força
jurígena de seus princípios e tende a divorciar concepções
imanentes da relação obrigacional de emprego. Orientações
típicas do direito comum, como visão majoritariamente eco-
nomicista, prevalência da autonomia da vontade e ausência
de transcendência social, passam a ser as determinantes her-
menêuticas, pois animadoras das regras.
Mas há uma seletividade no rol de regramento civilista
que pode ser aplicado nas relações trabalhistas. O novo tex-
to do art. 223-A determina que para reparações de danos de
natureza extrapatrimonial decorrentes de relações de tra-
balho, as regras aplicáveis são exclusivamente as do Título
II-A da CLT. Eventuais aportes de outros diplomas norma-
tivos que promovam avanços no campo da identificação de
danos e potencial de reparação não podem ser utilizados.
b) Negociado sobre Legislado
Em uma sociedade democrática, espera-se que sindi-
catos tenham plena liberdade de negociar condições de
trabalho com empresas. Mas há limites ao magnetismo da
autocomposição. Nossa construção histórica é de que a lei
e a Constituição fixam elementos mínimos de condições de
trabalho. Não há previsão de “gorduras”, mas o estabeleci-
mento de regras de salário, jornada e condições de saúde
que são apenas básicas. Sair delas é abandonar a civilização.
Por evidente, estimulam-se sindicatos a avançar, pas-
sando do mínimo de existência. Mas veda-se que ingressem
no subterrâneo de dignidade e permitam condições ainda
piores que o mínimo legal. Há isso dá-se o nome de “pro-
gressividade” e “vedação de retrocesso social”.
Uma das mais importantes disposições da Reforma Tra-
balhista do Governo Federal envolve o desamarrar do mas-
tro, permitir que sindicatos e empresários fiquem “livres”
para fixar condições de trabalho piores que as da lei. Em
poucas palavras, que as relações de trabalho possam regre-
dir, retroceder.
avanços no campo da identificação de danos e potencial de reparação não
podem ser utilizados.
b) Negociado sobre Legislado
Em uma sociedade democrática, espera-se que sindicatos tenham plena
liberdade de negociar condições de trabalho com empresas. Mas há limites ao
magnetismo da autocomposição. Nossa construção histórica é de que a lei e a
Constituição fixam elementos mínimos de condições de trabalho. Não há
previsão de “gorduras”, mas o estabelecimento de regras de salário, jornada e
condições de saúde que são apenas básicas. Sair delas é abandonar a
civilização.
Por evidente, estimulam-se sindicatos a avançar, passando do mínimo
de existência. Mas veda-se que ingressem no subterrâneo de dignidade e
permitam condições ainda piores que o mínimo legal. Há isso dá-se o nome de
“progressividade” e “vedação de retrocesso social”.
Uma das mais importantes disposições da Reforma Trabalhista do
Governo Federal envolve o desamarrar do mastro, permitir que sindicatos e
empresários fiquem “livres” para fixar condições de trabalho piores que as da
lei. Em poucas palavras, que as relações de trabalho possam regredir,
retroceder.
O Projeto original previa
que as normas coletivas
poderiam estabelecer acesso ao
subterrâneo em 13 itens. O
substitutivo aprovado colocou
mais três andares no subsolo.
Além de significar
subversão a regra de dignidade
de trabalho, a proposta impede
ambiente leal de concorrência
entre as empresas. A opção
brasileira de ter um Direito do
Trabalho federal aplicado de modo uniforme por todo território nacional
serve a objetivos importantes da República: garantir os primados de redução
de desigualdades regionais e de condições justas de concorrência.
Permitir acordos coletivos restritivos de direitos legais tende a gerar
graves comprometimentos no esperado equilíbrio de acesso ao mercado. Pelo
novo texto, os pactos podem ser feitos por empresa e, se uma consegue
precarizar o trabalho — e, por conseguinte, reduzir custos — e outra não,
forma-se situação de concorrência desleal. Nesse cenário, os lucros de quem
mais precariza são privativos, mas os custos ficam socializados.
c) Prevalência da Proteção ao Empregador
O Projeto original previa que as normas coletivas pode-
riam estabelecer acesso ao subterrâneo em 13 itens. O subs-
titutivo aprovado colocou mais três andares no subsolo.
Além de significar subversão a regra de dignidade de
trabalho, a proposta impede ambiente leal de concorrência
entre as empresas. A opção brasileira de ter um Direito do
Trabalho federal — aplicado de modo uniforme por todo
território nacional — serve a objetivos importantes da Re-
pública: garantir os primados de redução de desigualdades
regionais e de condições justas de concorrência.
Permitir acordos coletivos restritivos de direitos legais
tende a gerar graves comprometimentos no esperado equi-
líbrio de acesso ao mercado. Pelo novo texto, os pactos

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT