A reforma trabalhista e a segurança jurídica: análise crítica

AutorJoão Bosco Pinto Lara
Ocupação do AutorProfessor Licenciado da Puc Minas. Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região
Páginas20-40
A Reforma Trabalhista e a Segurança Jurídica: Análise Crítica
João Bosco Pinto Lara(1)
(1) Professor Licenciado da Puc Minas. Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região.
1. NOTAS DISSONANTES SOBRE O TEMA
O título para o artigo foi proposto pela coordenação da
Revista, mas pode sugerir que não corresponda exatamente
ao tema para quem, desde muito, tem ponto de vista favo-
rável, e bem cristalizado, acerca da inadiável necessidade
de uma profunda revisão e modernização da legislação
trabalhista e das formas de regulação de trabalho huma-
no no Brasil. Mais do que isso, imagino e anseio que esta
seja apenas uma primeira etapa de um processo que tenha
continuidade em futuro próximo, embora já tenha sido
suficientemente profunda e paradigmática para dar novas
formas e novo conteúdo para a matéria.
Ao longo deste despretensioso artigo, depois de fazer
uma análise favorável ao que propõe a Lei n. 13.467, de 13
de julho de 2017, pretendo indicar alguns outros focos de
mudança a serem perseguidos, de modo que a regulação
do trabalho, para além de sua necessária atualização, possa
retomar seu leito natural de clareza e de simplicidade, co-
mo convém a um conjunto de normas que se proponha a
harmonizar as relações entre capital e trabalho num cenário
irreversível de economia de mercado, e de dar segurança
jurídica às partes do contrato de trabalho.
Também reputo inapropriado, uma vez aprovada a lei
pelo Congresso e sancionada sem vetos pelo Poder Exe-
cutivo, insistir em tratar do tema como se fosse ainda uma
“reforma”, vale dizer, um processo de mudança em anda-
mento. Não, pois o que se tem agora pela frente, depois de
vencido o período da vacatio legis, é a fase de materialização
das intenções do legislador como convém a todos aqueles
que operam no vasto mundo das relações de trabalho, seja
como seus atores principais, os empregados e empregado-
res e seus sindicatos, seja como seus atores coadjuvantes,
os designados operadores do Direito do Trabalho. São estes
últimos que devem dar os meios necessários para a solução
das controvérsias que possam emergir de sua concretiza-
ção, mas sempre lembrados que um dos principais vetores
das mudanças foi dar protagonismo àqueles a quem de fato
se destinam as normas legais.
Evidente que não se pode excluir, aprioristicamente, do
Poder Judiciário trabalhista o papel de interpretá-las, so-
bretudo à luz da Constituição, e dar-lhes concretude nos
conflitos que possam surgir do seu encontro com a realida-
de. Mas é fundamental que juízes, advogados e procurado-
res do trabalho tenham em mente que, como convém num
país que se pretenda civilizado e numa democracia madura,
proteção e segurança jurídica, além daquelas já fartas e dis-
pensadas pela lei, devem ser perseguidas pelos seus atores
principais. O Estado deve cuidar apenas, e bem, de modo
eficiente e rápido e garantir a correta e segura aplicação de
suas leis.
E por falar em sua inevitável interpretação pelo Judi-
ciário trabalhista, desde sua formatação como lei e ao sair
da Câmara para o Senado, surgiram os primeiros questio-
namentos acerca da constitucionalidade do próprio projeto
ou de algumas de suas disposições, a depender da posição
do crítico no espectro ideológico. Os partidos de oposição,
muitas vezes alimentados por entidades e organizações cor-
porativas atuantes fora do Congresso, mas com interesses
diretos na matéria, sustentaram a sua completa inconstitu-
cionalidade com um fundamento único, espécie de mantra
repetido à exaustão, de que ela “retiraria direitos dos tra-
balhadores”, que estariam historicamente assegurados na
quase octogenária CLT e na CR/1988.
Alguns menos afoitos, incluído aqui um coletivo de
ministros do Tribunal Superior do Trabalho que encami-
nhou ao Senado longo e detalhado documento com apre-
ciação exaustiva de todos seus artigos, seguem afirmando
a inconstitucionalidade de vários dos seus dispositivos, já
agora buscando razões em variados princípios constitu-
cionais. Mas foi exatamente essa a trilha que ao longo dos
últimos anos se prestou construir o arcabouço normativo
que as mudanças de agora põem em xeque, que foi a trans-
formação da necessária proteção legal ao trabalho humano
num cipoal complexo de normas e súmulas da jurispru-
dência, que instalaram de modo exacerbado e perigoso a
insegurança nas relações do trabalho e fomentaram enor-
me litigiosidade nessa seara, fazendo crescer de modo ex-
ponencial o número de demandas trabalhistas mesmo em
recente período tido por muitos como de pleno emprego.
Daí que o tema proposto para o artigo será examinado
e discutido desde já e ao longo do artigo, reservando-se
apenas um tópico final para as suas conclusões.
Há outros questionamentos pontuais de inconstitu-
cionalidade, esses expostos com critérios de maior raciona-
lidade, que nos primeiros anos de implantação e consoli-
dação das mudanças deverão ser enfrentados pelo Judiciá-
rio, espera-se que com parcimônia e com segurança, pois o
controle difuso de constitucionalidade das leis, sem embar-
go de sua necessidade e importância, é de pouco alcance e
de quase nenhuma eficácia. Ao Supremo Tribunal Federal
A Reforma Trabalhista e a Segurança Jurídica: Análise Crítica 21
caberá o papel de dar a solução definitiva sobre as con-
trovérsias de ordem constitucional, e o esperado é que a
Justiça do Trabalho, ao contrário do que vem ocorrendo em
tempos recentes, não pretenda erigir uma jurisprudência de
resistência na busca de reconstruir o arcabouço de normas
e súmulas que a nova legislação pretende superar nos pró-
ximos anos.
A advertência seguinte diz respeito à forma, ao con-
teúdo e aos fins deste artigo dentro de um periódico que
adquiriu ao longo de sua existência foros de publicação
acreditada oficialmente junto a universidades e de outros
órgãos oficiais de fomento e de incentivo à pesquisa. Nesse
momento ainda são escassos ou praticamente inexistentes
trabalhos acadêmicos acerca da matéria, até mesmo porque
foi na academia do Direito do Trabalho, pelas razões que
serão alinhadas mais adiante, onde se ergueram um dos
principais muros de resistência às mudanças introduzidas
pela nova lei.
Dele resultará apenas uma reflexão embasada na expe-
riência e na vivência de quem há mais de quatro décadas
se dedica ao estudo e à aplicação prática do Direito do Tra-
balho em suas diversas áreas, na advocacia, no magistério
e na magistratura, com uma visão do mundo do trabalho
que pretende ser moderna e atualizada (não pós-moderna,
como querem muitos!), em sintonia com exigências que se
colocam para além das fronteiras do Direito e do Judiciá-
rio. Por isso que as citações preferenciais serão de artigos e
matérias de jornais que tratam com mais realidade e mais
atualidade do problema instalado no campo da contratação
do trabalho no Brasil.
Serão raras, portanto, citações doutrinárias e jurispru-
denciais, mesmo sobre o antigo e tormentoso tema da segu-
rança jurídica, porque, como é de fácil apreensão, ele nem
sempre foi central nas preocupações dos nossos juristas, do
nosso sistema jurídico em toda sua abrangência, e muito
menos no âmbito da nossa jurisprudência. Aqui a intenção
é de utilização de dados e de estatísticas de fora da área do
Direito, quase sempre ignorados pelos seus operadores, co-
mo se o Direito do Trabalho fosse uma ilha constituída de
normas e princípios protetores dos denominados hipossu-
ficientes, que de per si justificassem a sua existência e a sua
independência, num isolamento que de tão absoluto levou
ao completo desconhecimento, consciente ou não, de seus
impactos na vida social e econômica do País.
Por fim, como quarta e última nota de esclarecimento,
impõe-se dizer que qualquer estudo ou análise que se faça
sobre o tema, ou sobre outros do Direito do Trabalho, eles
virão sempre marcados pela visão ideológica do seu autor.
Isso é inevitável se todos os nossos atos e atitudes como hu-
manos são plasmados de ideologia, quanto mais qualquer
de suas atividades intelectuais.
Mas neste tema, é preciso esclarecer, há ideologias e
ideologias. Há posições que não apenas são por elas infil-
tradas, o que é perfeitamente natural. Mas há muitas ou-
tras que devem ser rejeitadas quando venham a adquirir
papel transgressor ou destruidor de qualquer pensamento
ou atitude racional em face do tema. Isto é comum no nos-
so meio, o dos atores coadjuvantes ou dos operadores in-
telectuais, em que os envolvidos primeiro constroem uma
realidade abstrata ou um mundo ideal em conformidade
com sua ideologia, para depois buscar enquadrar o mun-
do real nas suas categorias teóricas. Esse comportamento
deve ser evitado, insista-se, pois na medida em que todos
se proponham a refletir e indagar a partir de fatos e dados
empíricos da realidade, e não de seus exclusivos pontos de
vista sobre a realidade, aí teremos construído um micros-
-sistema jurídico de regulação e proteção do trabalho mais
humano e justo, e mais proveitoso para seus atores e para a
sociedade em geral.
2. A LEGITIMIDADE DAS MUDANÇAS E A
ABUNDÂNCIA DE DEBATE SOBRE A MATÉRIA
2.1. Onde está a fonte legítima das mudanças?
Diante da inarredável realidade da aprovação e sanção
da Lei n. 13.467/2017, os opositores e resistentes às mu-
danças, e seus críticos em geral, se dedicam agora a três
frentes de batalha, que não são estanques mas complemen-
tares. Como procurar-se-á demonstrar em seguida, são
todos os argumentos equivocados ou puramente artificio-
sos e servem apenas de cortina de fumaça para o questio-
namento de fundo, que será sempre o da posição contrária
a qualquer mudança.
A primeira tenta desqualificá-las ao fundamento de que
foram aprovadas por um Congresso ilegítimo, espúrio e
desacreditado da população no turbilhão da crise política
que vive o País, além de ter sido proposta por um go-
verno que teria chegado ao poder através do que muitos
denominam “golpe parlamentar” (sic!). Acrescentam que o
anteprojeto original enviado pelo executivo, no seu curso
no parlamento, teria sido radicalmente ampliado e alterado
de modo a introduzir quase duas centenas de modificações
na CLT, o que reforçaria a sua ilegitimidade. Essa vertente
de resistência é puramente político-ideológica, e dela aqui
se ocupará em poucas linhas porque a discussão foge intei-
ramente ao objetivo proposto para o artigo, e também da
linha editorial da Revista.
Nos processos políticos de legitimação do poder numa
sociedade democrática, e em qualquer canto do mundo, o
que se dá através do sufrágio universal, vale dizer, do pro-
cesso de eleições gerais, é possível e até previsível que os
procedimentos utilizados para a sua concretização sejam
maculados por falhas, anomalias diversas e, no limite, até
por desvios éticos mais comprometedores de sua legitimi-
dade. Isso ocorre em maior ou menor intensidade a depen-
der do grau de progresso civilizatório das sociedades e da
maturidade do seu sistema de representação política.
No caso do Brasil, são antigas e quase monocórdias,
embora verdadeiras, as críticas que se levantam sobre nos-
so processo político-eleitoral, perpassado de disfunções e
irregularidades as mais diversas. O exemplo clássico é o

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