A reforma: uma promessa vã

AutorRicardo Tadeu Marques da Fonseca
Ocupação do AutorDesembargador do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná, ex-Advogado, ex-Procurador Regional do Ministério Público do Trabalho
Páginas75-78
A Reforma: uma Promessa Vã
Ricardo Tadeu Marques da Fonseca(1)
(1) Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná, ex-Advogado, ex-Procurador Regional do Ministério Público do Trabalho. Es-
pecialista e Mestre em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade de São Paulo e Doutor em Direito das Relações Sociais
pela Universidade Federal do Paraná.
(2) epublica/juiz-aviador-e-tenista-amador-conheca-marlos-melek-o-pai-da-reforma-trabalhista-
-5hk39ahulh1y9yho5rjkw1qu2>. Acesso em: 14.08.2017.
1. INTRODUÇÃO
Sob o pretexto de melhorar as condições de emprega-
bilidade no Brasil, o Governo fez votar as Leis n. 13.429
e 13.467, de 2017. A primeira ampliando as hipóteses de
trabalho temporário e disciplinando a terceirização, e a se-
gunda, empreendendo profundas alterações à Consolida-
ção das Leis do Trabalho para, segundo seus idealizadores,
estimular os empregadores, os quais têm “a caneta na mão”
para o registro dos trabalhadores na carteira de trabalho(2).
Neste estudo, busca-se demonstrar que o efeito real das
medidas legais adotadas será a dificultação de acesso a di-
reitos, bem como o desestímulo à empregabilidade.
Tratar-se-á do elastecimento da jornada de trabalho,
dos efeitos da intertemporalidade da lei, da precarização
de direitos no campo e da terceirização generalizada que
afetarão diretamente a massa salarial dos trabalhadores e,
consequentemente, sua capacidade de consumo, bem co-
mo o eventual prejuízo direto às cotas sociais de aprendizes
e de pessoas com deficiência.
É claro que estamos em fase inicial de apreensão das
leis aprovadas, o que impede maior aprofundamento na
pesquisa doutrinária e jurisprudencial, até porque grande
parte da jurisprudência trabalhista construída ao largo de
muitos anos foi especificamente atingida e alterada pelas
normas em comento.
2. ELASTECIMENTO DO TEMPO DE TRABALHO
Algumas incongruências são visíveis em relação à pro-
messa de que se cuida, sendo de se observar, inicialmente,
que se estimulam situações de elastecimento da jornada de
trabalho, cujas formas transcendem aos lindes constitu-
cionais.
A fixação da jornada de 12x36 por acordo individual, o
banco de horas também por acordo individual ou tácito, o
qual poderá ser cumulado a horas prorrogadas, bem como
o contrato a domicílio sob a versão atual do teletrabalho,
sem limite de jornada, criam situação absolutamente avessa
ao fim do desemprego protagonizado.
O Direito do Trabalho, como se sabe, é um conjunto
de princípios e regras que revelam uma política pública
de trabalho e emprego, na medida em que impõe limites à
autonomia privada, submetendo-a a normas de ordem pú-
blica. A decisão do legislador de estimular o elastecimento
da carga horária diária e semanal de trabalho, por acordo
individual, além de ferir o que dispõe o art. 7º, XIII e XIV,
da Constituição, que estabelece que tais limites só possam
ser moldados ou elastecidos pela autonomia privada cole-
tiva, impõe um grande desestímulo à contratação de novos
trabalhadores, pois, por óbvio, as horas extras, cujo paga-
mento será certamente objeto de grandes discussões na Jus-
tiça do Trabalho, por mais onerosas que pareçam, são mais
econômicas que a contratação de trabalhadores.
Ainda que se admita que a negociação coletiva po-
derá estabelecer o banco de horas e a adoção do regime
12x36, como ocorre hoje, não se vislumbra aconselhável
aos sindicatos adotar esses sistemas pela negociação co-
letiva, pois a acumulação de regimes de compensação e
prorrogação trará grande risco à saúde dos trabalhadores,
o que certamente não condiz com a missão histórica des-
sas organizações de classe das categoriais profissionais.
Identificarão, conforme se espera, fator de desestímulo à
empregabilidade.
3. INTERTEMPORALIDADE
O efeito da aplicação da lei no tempo também será um
fator de instabilidade nas relações entre capital e trabalho,
porque as novas regras não afetarão os contratos em vigor,
na medida em que impliquem supressão de direitos. Elas
começarão a valer apenas para os novos contratos. Trata-se
do princípio constitucional de que a lei nova deve preser-
var os direitos adquiridos, previstos no art. 5º, XXXVI, da
Constituição. Não se argumente que o fato de que o con-
trato de trabalho se desenvolva por trato sucessivo autori-
zaria a vigência imediata da lei em relação aos pactos em
andamento, mesmo reduzindo direito, porque o princípio
do respeito às condições mais benéficas está estampado nos
arts. 468 e 444 da CLT, os quais encontram respaldo no
caput do art. 7º da Constituição.
Embora as normas celetistas aqui indicadas façam men-
ções apenas às alterações contratuais, tornando-as nulas
quando estabelecidas contra a proteção legal mínima, na-
da indicando acerca de alterações legais, propõe-se uma
leitura desses dispositivos em harmonia com o princípio

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