Administração dos tribunais e controle da magistratura

AutorHugo Cavalcanti Melo Filho
Páginas35-67

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2.1. Estrutura do poder judiciário brasileiro Breve descrição

Seguindo o modelo norte-americano de estruturação do Poder Judiciário, decorrente do esforço de Madison, Hamilton e Jay (1993: passim) em evidenciar a necessidade de criação de uma Justiça Federal, ao lado das já existentes Justiças Estaduais, a Constituição Republicana de 1891 cuidou de providenciar essa dicotomia. Além disso, fixaram-se, nas Cartas Políticas posteriores, competências materiais especializadas, no exercício da jurisdição, ensejando-se a convivência de uma Justiça Comum e de segmentos especializados, a saber, a Justiça do Trabalho, a Justiça Eleitoral e a Justiça Militar, com o detalhe de que esta última existe tanto no âmbito estadual quanto no federal.

O órgão de cúpula do Judiciário brasileiro é o Supremo Tribunal Federal (STF), composto por 11 membros, nomeados pelo Presidente da República, após aprovação pelo Senado Federal.

A Emenda Constitucional n. 45/04 instituiu o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão de controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, composto por quinze membros.

A Justiça Comum, seja a da União (Justiça Federal), seja a dos Estados, tem como instância extraordinária o Superior Tribunal de Justiça (STJ), constituído por 33 membros, nomeados pelo Presidente da República, também após referendo do Senado.

Os segmentos especializados têm os seus vértices: o Superior Tribunal Militar (STM, Justiça Militar), composto por 15 membros, o Tribunal Superior

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do Trabalho (TST, Justiça do Trabalho), integrado por 27 membros, e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE, Justiça Eleitoral), que conta com sete membros.

A Justiça do Trabalho conta com vinte e quatro Tribunais Regionais do Trabalho, órgãos de segundo grau, em todo o país. O segundo grau da Justiça Federal é constituído por cinco Tribunais Regionais Federais. Há um Tribunal Regional Eleitoral em cada Estado e no Distrito Federal.

Na Justiça Estadual, a segunda instância é constituída por Tribunais de Justiça. Poderá haver Tribunais de Justiça Militar estaduais em determinados Estados11, sendo certo que, na maioria dos casos, o Tribunal de Justiça funciona como órgão de segundo grau da Justiça Militar.

2.2. A administração dos tribunais: evolução constitucional do tema

A Constituição Imperial de 1824 silenciou sobre a eleição dos dirigentes dos Tribunais12. Com a República, o Decreto n. 848, de 11 de outubro de 1890, que tratou da organização da Justiça Federal, composta pelo Supremo Tribunal Federal e juízes de seção, dispôs que “os membros do Supremo Tribunal Federal elegerão dentre si um presidente e um vice-presidente, que servirão durante três anos, podendo ser reeleitos” (art. 11). No art. 12, atribuiu ao presidente da Corte a competência para nomear e demitir empregados da secretaria, dar posse aos membros do tribunal e aos juízes de seção, bem como executar o regimento interno13.

Já a Carta Republicana de 1891 determinou, em seu art. 58, que “os tribunais federias elegerão de seu seio os seus presidentes e organizarão as respectivas secretarias”14. Vê-se que atribuiu liberdade aos Tribunais para a sua organização administrativa, inclusive para a eleição dos dirigentes, bastando que fossem escolhidos dentre os membros da Corte, sem qualquer outro critério limitador do universo dos elegíveis.

As Cartas de 1934 e 1937, embora fizessem referência à competência dos tribunais para a elaboração dos regimentos internos e organização de suas secretarias, nada dispunham acerca da eleição dos dirigentes15.

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Em 1946, a Constituição Democrática de 18 de setembro, no art. 97, I, voltou a mencionar a competência dos tribunais para eleger os seus presidentes e demais órgãos de direção. Não fez nenhuma referência a critérios ou remeteu à norma infraconstitucional o regramento da matéria, deixando a definição das regras para os regimentos internos dos próprios tribunais16.

Tome-se, como exemplo de parâmetros para o pleito destinado à escolha dos dirigentes de Cortes de Justiça, o Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho, vigente na década de 1960:

Art. 17. O Presidente, o Vice-Presidente e o Corregedor serão eleitos por mandato de dois anos, em escrutínio secreto na primeira sessão do último mês do biênio a findar e tomarão posse, perante seus pares, na última sessão do referido mês, podendo ser reeleitos por mais um ano.

§ 1º Na hipótese de vacância, a eleição se processará na sessão seguinte à vaga que se verificar, com posse imediata, terminando o eleito o tempo do mandato de seu antecessor.

§ 2º Se ocorrer vaga de Presidente depois do primeiro ano, o Vice-Presidente exercerá as funções pelo tempo que restar, até a eleição e posse do novo Presidente.

[...]

§ 5º A eleição do Presidente e a do Vice-Presidente precederá a do Corregedor, quando se realizarem na mesma sessão.

[...]

§ 7º Será considerado eleito o Ministro que obtiver metade e mais um dos votos computados.

§ 8º Em caso de empate, proceder-se-á a novo escrutínio, concorrendo somente aqueles cuja votação houver empatado; persistindo a igualdade, será considerado eleito o Ministro mais antigo, ou o mais idoso quando igual a antiguidade.17Vê-se que, nos termos do regimento, poderia ser eleito, na sessão do Tribunal em sua composição plena, qualquer de seus membros. Não havia, em consonância com a linha fixada na Constituição de 1946, restrição ao universo dos elegíveis, embora fossem eleitores apenas os membros da Corte.

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O Regime Militar instaurado com o Golpe de 1964 não teria como se compatibilizar com a Carta Democrática de 1946. Por isso, após tentativa frustrada de revisão18, foi elaborada nova Constituição, de caráter autoritário, mas que, naquele momento, não alterou os contornos anteriormente estabelecidos para a administração dos Tribunais, porque a estes atribuiu competência para eleger seus presidentes e demais órgãos de direção, elaborar seus Regimentos Internos e organizar os serviços auxiliares, prover-lhes os cargos, propor a criação ou a extinção de cargos e a fixação dos respectivos vencimentos (art. 110)19.

Pouco mais de dois anos depois, a Junta Militar que governava o país, usando de atribuições conferidas, ilegitimamente, pelo art. 3º do Ato Institucional n. 16, de 14.10.6920, combinado com o § 1º do art. 2º do Ato Institucional
n. 5, de 13.12.6821, promulgou a Emenda Constitucional n. 1, de 196922, modificando quase completamente o texto anterior. A ordem constitucional foi definitivamente subvertida, fato que mereceu do Professor Seabra Fagundes a seguinte observação: “O Brasil é, possivelmente, o único país do mundo a não ter uma Constituição e sim uma Emenda”23.

Ocorre que, no concernente à administração dos tribunais, nada foi alterado nos primeiros anos do Regime Militar. Com efeito, apenas em 1977, substancial alteração seria levada a efeito, no contexto do denominado Pacote de Abril. A Ditadura resolveu interferir, decisivamente, na administração das Cortes e no governo da magistratura.

Os consideranda da Emenda Constitucional n. 7, de 13 de abril de 1977, deixam claro o seu caráter autoritário24:

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O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o § 1º do art. 2º do Ato Institucional n. 5, de 13 de dezembro de 1968, e

CONSIDERANDO que, nos termos do Ato Complementar n. 102, de 1º de abril de 1977, foi decretado, a partir dessa data, o recesso do Congresso Nacional,

CONSIDERANDO que, decretado o recesso parlamentar, o Poder Executivo Federal é autorizado a legislar sobre todas as matérias, como preceitua o citado dispositivo do Ato Institucional n. 5, de 13 de dezembro de 1968;

CONSIDERANDO que a elaboração de emendas à Constituição, compreendida no processo legislativo (art. 46, I), está na atribuição do Poder Executivo Federal,

PROMULGA a seguinte Emenda ao texto constitucional:

[...]

Como informa Costa (2001:60), a Emenda foi outorgada pelo Presidente da República, utilizando-se do instrumental normativo autoritário então vigente, notadamente o Ato Institucional n. 5. Assim, primeiramente o Congresso Nacional foi posto em recesso em 1º de abril de 1977, pelo Ato Complementar
n. 102, seguindo-se a edição de Emendas Constitucionais por via anômala (a vontade unilateral do Executivo) — conjunto este que ficou conhecido com o “pacote de abril”.25

No tocante à administração dos tribunais e ao controle do Judiciário, a Emenda n. 7, de 1977, delineou arcabouço consentâneo com o momento histórico de sua publicação. Pelo art. 112, II, criou o Conselho Nacional da Magistratura, e, no parágrafo único, dispôs que

Lei complementar, denominada Lei Orgânica da Magistratura Nacional, estabelecerá normas relativas à organização, ao funcionamento, à disciplina, às vantagens, aos direitos e deveres da magistratura, respeitadas as garantias e proibições previstas nesta Constituição ou dela decorrentes.26

No art. 115, incisos I e II, determinou que a eleição dos presidentes e demais titulares da direção dos tribunais, bem como a elaboração dos regimentos internos, seriam feitas de acordo com as determinações da Lei Orgânica da

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Magistratura Nacional. Fixou a competência e a composição do Conselho

Nacional da Magistratura no art. 12027:

Art. 120. O Conselho Nacional da Magistratura, com sede na Capital da União e jurisdição em todo o território nacional, compõe-se de sete Ministros do Supremo Tribunal Federal, e por este...

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