Efeitos dos recursos

AutorJúlio César Bebber
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho no TRT da 24ª Região (MS)
Páginas210-243
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Capítulo 10
EFEITOS DOS RECURSOS
10.1. Noções gerais
A interposição, o conhecimento e o julgamento dos recursos produzem múl-
tiplos efeitos de repercussão prática para o processo. Daí a razão de a doutrina
separar em capítulo próprio o estudo desses fenômenos.
Decorrem:
a) da interposição dos recursos — os efeitos devolutivo e suspensivo;
b) do conhecimento dos recursos — os efeitos translativo e diferido;
c) do julgamento dos recursos — os efeitos expansivo, substitutivo e de cassação.
10.2. Efeito devolutivo
O efeito devolutivo,(370) produzido com a interposição do recurso, consiste
na delimitação de conhecimento imposta pelo recorrente, por meio de recurso,
ao órgão recursal, mediante a identif‌i cação da quantidade da matéria impugnada
(CPC, 1.013, caput).(371)
Como os recursos caracterizam-se, entre outros elementos, pela voluntarie-
dade (infra, n. 11.13), e são a extensão do direito de ação (supra, n. 2.4), o recorrente
tem o poder de delimitar o conhecimento do órgão recursal. E o faz segundo a
matéria que impugnar (CPC, 1.013, caput).
Assim, se o recorrente impugnar apenas um dos capítulos da decisão,(372)
o órgão recursal não poderá (conhecer) reexaminar os demais capítulos autôno-
(370) O efeito devolutivo tem essa denominação porque na Antiguidade o poder de decidir era do
soberano que o delegava a juízes. Proferida a decisão, a parte poderia interpor recurso. Interposto esse,
cabia ao soberano decidi-lo, devolvendo-se a ele, então, o poder antes delegado. Contemporaneamente
o efeito devolutivo não diz mais respeito à devolução de competência delegada, mas à fragmentação da
competência funcional vertical. Por essa razão, Alcides de Mendonça Lima sugeria denominar esse efeito de
efeito de transferência (LIMA, Alcides de Mendonça. Introdução aos recursos cíveis. São Paulo: RT, 1976.
p. 286).
(371) O efeito devolutivo se corporifica “no inconformismo de alguém diante de uma situação mais
prejudicial ou menos benéfica do que, legitimamente, se poderia esperar, criada por uma decisão judicial
no mesmo processo” (BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo:
Saraiva, 2008. v. 5, p. 78-9).
(372) A consciência de que a sentença é dividida em capítulos deve orientar a interpretação do art. 1.013,
caput, do CPC. “Quando ali se diz que ‘a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria
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mos e independentes não impugnados, porquanto estes transitam em julgado (infra,
n. 10.2.2.3).(373) A quantidade da devolução, por isso, está na medida do tanto que
se impugnou,(374) de acordo com a velha-atual regra tantum devolutum quantum
appellatum.
10.2.1. Extensão da cognição do recurso (horizontalidade)
Extensão da cognição do recurso (ou perspectiva horizontal do efeito devo-
lutivo) compreende a identif‌i cação da quantidade da matéria que pode ser impugnada
e daquela que efetivamente foi impugnada pelo recurso interposto pelo recorrente
(CPC, 1.013, caput).
10.2.1.1. Identif‌i cação da quantidade da matéria passível de impugnação
A partir do exame da matéria passível de impugnação no recurso, o efeito
devolutivo poderá ser adjetivado como amplo (pleno) ou limitado.
Diz-se que o recurso possui efeito devolutivo:
a) amplo (pleno) — quando permite a impugnação de todas as matérias levadas
para o debate originariamente (v. g., recurso ordinário).(375) Vale dizer: a devolução
cobre área igual à submetida ao juízo recorrido;(376)
impugnada’, deve-se entender que ao tribunal só será lícito dispor sobre o capítulo que lhe houver sido
proposto pelo recurso, porque matéria impugnada é o capítulo do qual se recorreu” (GIANNICO, Maricí;
GIANNICO, Murício. Efeito suspensivo dos recursos e capítulos das decisões. In: NERY JÚNIOR, Nelson;
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis. São Paulo: RT,
2002. v. 5, p. 401).
(373) A imutabilidade do capítulo não impugnado da sentença de mérito decorre da aceitação da decisão.
Nesse sentido é a lição de Proto Pisani: “l’impugnazione parziale comporta acquiescenza alle parti della
sentenza non impugnate” (PISANI, Andrea Proto. Lezioni di diritto processuale civile. 4. ed. Napoli: Juvene.
2002. p. 483). A aceitação da decisão, entretanto, não produz efeito algum diante das matérias de ordem
pública ligadas ao capítulo da sentença impugnado (NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios fundamentais — teoria
geral dos recursos. 6. ed. São Paulo: RT, 2004. p. 485-6). Assim, também: MATTIROLO, Luigi. Trattato di
diritto giudiziario civile italiano. 5. ed. Turim: Fratelli Bocca, 1904. v. 4, p. 279.
(374) Daí a razão de se dizer que o efeito devolutivo é “uma projeção, no plano do segmento recursal, do
princípio dispositivo” (BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo:
Saraiva, 2008. v. 5, p. 79).
(375) Não se deve confundir matéria levada para debate no juízo originário com matéria debatida da
decisão recorrida. A decisão proferida pelo órgão recursal poderá cobrir área maior que aquela abrangida
pela decisão impugnada. Imagine-se a hipótese de sentença que concluiu pela extinção do processo sem
resolução do mérito que é reformada em grau de recurso com avanço sobre o mérito.
(376) Devolutividade plena não significa devolutividade ilimitada, pois o recurso não é apto “a proporcionar
ao apelante um benefício maior que aquele indicado no petitum” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Efeitos dos
recursos. Revista Ajuris, ano XXVII, v. 85, p. 399, mar. 2002). Trata-se de uma regra projetiva dos arts. 141 e
492 do CPC.
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b) limitado — quando permite a impugnação de apenas algumas matérias leva-
das para o debate originariamente. Vale dizer: a devolução cobre área inferior à
submetida ao juízo recorrido. Isso ocorre, v. g., no recurso de embargos infringen-
tes, que restringe a impugnação ao ponto não unânime da decisão (CLT, 894, I; Lei
n. 7.701/1988, 2º, II, c); no recurso revista, que restringe a impugnação aos pontos
da decisão em que for detectada a divergência jurisprudencial ou a violação de
norma legal (CLT, 896, a, b e c).
10.2.1.2. Identif‌i cação da quantidade da matéria efetivamente impugnada
A partir do exame da matéria efetivamente impugnada no recurso (CPC,
1.002 e 1.013, caput), o efeito devolutivo também poderá ser adjetivado como amplo
(pleno) ou limitado.
Diz-se que o recurso possui efeito devolutivo:
a) amplo (pleno) — quando o recorrente tiver requerido a análise da totalidade
das matérias passíveis de impugnação. Nesse caso, não realiza nenhum recorte na
decisão, que será integralmente submetida a reexame;
a) limitado — quando o recorrente tiver requerido a análise de parte das ma-
térias passíveis de impugnação.
10.2.2. Consequências do efeito devolutivo
São consequências naturais do efeito devolutivo a dilatação do tempo da duração
do processo, o adiamento da ocorrência da coisa julgada e o trânsito em julgado parcial
(progressivo).
10.2.2.1. Dilatação do tempo da duração do processo
O efeito devolutivo dilata o tempo da duração do processo, mantendo a litispen-
dência. A extensão dessa consequência, porém, é aferida segundo a quantidade
da matéria efetivamente impugnada (supra, n. 10.2.1.2).(377) Vale dizer: o efeito de-
volutivo mantém “vivo” o debate sobre a declaração do direito relativamente aos
capítulos (ou da fração decomponível) autônomos e independentes impugnados
no recurso e dos não impugnados, mas daqueles dependentes.
(377) “No procedimento recursal, por força do efeito devolutivo, então, “prossegue a mesma relação
processual que se desenvolvia na instância antecedente, sucedendo-se situações jurídicas ativas e passivas
das partes, ditas recorrente e recorrido” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Efeitos dos recursos. Revista
Ajuris, ano XXVII, v. 85, p. 396, mar. 2002).

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