O fato jurídico tributário no plano lógico-sistêmico

AutorKarem Jureidini Dias
Páginas49-82
49
CAPÍTULO II
O FATO JURÍDICO TRIBUTÁRIO
NO PLANO LÓGICO-SISTÊMICO
“Ainda onde o direito mudou muito, muito se há de inquirir do
que não mudou. O direito muda muito onde em muito deixou de
ser o que era”.
Pontes de Miranda62
1. Função Sintática do Fato Jurídico Tributário
A norma, como uma unidade de linguagem jurídica que
tem por fim regular conduta com o predicado de imperati-
vidade, possui homogeneidade sintática na relação que se
estabelece entre o antecedente e o consequente. No plano
sintático, o fato jurídico tributário não possui função diver-
sa daquela assumida por fatos jurídicos nas demais normas
do Direito Positivo, porque a norma tem sempre a mesma
estrutura lógica de antecedente e consequente, ligados pelo
conectivo deôntico. Mas, desde logo, ressalvamos que já uti-
lizaremos a denominação “fato jurídico tributário”, em razão
62. Tratado de direito privado, Prefácio, 2ª ed., Rio de Janeiro, Borsói, 1954, p. XV.
50
KAREM JUREIDINI DIAS
das peculiaridades dos atos procedimentais e de revisão dora-
vante tratados.
Nessa análise sintática, iniciamos por diferençar o fato
jurídico da hipótese de incidência, sendo esta a descrição hi-
potética da norma abstrata, ao passo que o fato jurídico cor-
responde à versão jurídica da ocorrência concreta.
No âmbito tributário, a hipótese de incidência apresenta
inúmeras denominações mundo afora – hipótese de incidência,
tipo tributário, tax event, fattispecie, hecho imponible etc. – e
corresponde à condição para incidência tributária, prevista na
norma geral e abstrata. É o fato descrito na lei de forma hipoté-
tica e abstrata capaz de gerar obrigação tributária após a posi-
tivação. Já o fato jurídico tributário é concreto, porquanto cor-
responde à ocorrência no mundo fenomênico, e se apresenta
na norma individual e concreta, como pressuposto necessário e
suficiente à exigência da prestação pecuniária individualizada.
Diferença reside entre evento, fato e fato jurídico. O evento
corresponde a um acontecimento do mundo fenomênico. Ele
acontece num determinado momento, se opera no plano da ex-
periência e, ato contínuo, se perde, fazendo parte do passado.
O fato é um enunciado linguístico sobre as coisas, os aconteci-
mentos, as manifestações do evento. O enunciado linguístico
é que organiza uma situação da experiência como realidade e
torna possível o objeto de seu conhecimento. O fato é cultural,
ao passo que o objeto (evento) é real. O fato jurídico, por sua
vez, é a versão do evento, articulada em linguagem jurídica.
O evento verificável no mundo será fato simples se ver-
tido em linguagem natural/social e será fato jurídico se ver-
tido em linguagem jurídica. Para que um acontecimento do
mundo fenomênico (ser) ingresse no plano do Direito Positivo
(dever ser), o acontecimento precisa ser enunciado em lingua-
gem jurídica. Só a partir de então o acontecimento é um fato
juridicizado na norma concreta (fato jurídico). O fato jurídico
é o evento vertido em linguagem e, no limite dessa versão, in-
tegra o antecedente da norma individual e concreta.
51
FATO TRIBUTÁRIO:
REVISÃO E EFEITOS JURÍDICOS
Só existe fato jurídico em sentido estrito se houver nor-
ma jurídica concreta. Sem ocupar a posição sintática de hi-
pótese normativa, o fato não é capaz de implicar direitos e
deveres jurídicos. Sem os fatos passíveis de incidência nor-
mativa, não se criam normas individuais e concretas, e a re-
cíproca é verdadeira: o fato não se reveste de juridicidade
sem a respectiva norma jurídica.
O sistema jurídico é empírico em face do seu objeto, por-
que o ordenamento jurídico reporta-se às condutas humanas.
Nada impede, entretanto, que, no plano da metalinguagem,
analisemos sintaticamente as proposições normativas. Para
esse fim, adotamos o sistema lógico de proposições. No siste-
ma lógico, as proposições jurídicas são válidas se estão regra-
das pelo dever ser e houver uma perfeita construção normati-
va. Nos ensinamentos de Lourival Vilanova:63
Quando a norma é “posta em vigor”, vale antecedentemente em
relação aos fatos sobre os quais incidirá: o que era nuamente fa-
to-do-mundo, suporte factual sem qualificação jurídica (Bobbio)
senão todo ele, de corpo inteiro, mas uma porção, maior ou me-
nor, entra para compor o fato jurídico; e o que era conduta, re-
grada por outros universos normativos, passa a antecedentes ou
consequências juridicamente qualificadas.
Quando o acontecimento entra para o plano do Direito Po-
sitivo, surge o domínio da facticidade jurídica, que implica a pro-
dução de efeitos na ordem jurídica. Esses efeitos, por sua vez,
projetam-se sobre a linguagem da realidade social para modi-
ficá-la. Assim, o fato jurídico tributário, afirma Paulo de Barros
Carvalho,
64
é tomado como “um enunciado protocolar, denotati-
vo, posto na posição sintática de antecedente da norma indivi-
dual e concreta […]”. O acontecimento no mundo fenomênico
de evento previsto hipoteticamente na norma geral e abstrata
63. Estruturas lógicas e o sistema do direito positivo, 3ª ed., São Paulo, Noeses, 2005,
p. 152.
64. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, 7ª ed., São Paulo, Sarai-
va, 2009, p. 154.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT