Finanças públicas na pandemia: mudanças legislativas, impacto federativo e desafios para o futuro
Autor | Maria Tereza Fonseca Dias |
Páginas | 443-466 |
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FINANÇAS PÚBLICAS NA PANDEMIA:
MUDANÇAS LEGISLATIVAS, IMPACTO
FEDERATIVO E DESAFIOS PARA O FUTURO
MARIA TEREZA FONSECA DIAS1
sumário:
1. Introdução; 2. Orçamento De Guerra: Ec Nº
106/2020; 3. Lei Complementar Nº 173: Programa Federativo de
Enfrentamento ao Coronavírus e alterações na LRF; 3.1. Programa
Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus; 3.2. Mudanças
transitórias na Lei de Responsabilidade Fiscal; 3.3. Mudanças
na Lei de Responsabilidade Fiscal; 4. Desafios para o futuro do
direito financeiro; 5. Considerações finais; Referências
1. INTRODUÇÃO
O Brasil tornou-se um dos mais importantes epicentros da dissemi-
nação da COVID-19 no mundo, com elevado número de pessoas con-
taminadas e de mortes, conforme demonstram os dados consolidados,
diariamente, pela Fiocruz.2 O número de mortos e pessoas diagnostica-
das com a doença cresce de maneira constante e o País possui os mais
elevados índices de mortos e contaminados.
As incertezas acerca da doença, seu grau de contaminação e a neces-
sidade de medidas de isolamento social afetaram a economia em escala
global. Economistas e estudiosos consideraram que este momento re-
sultou numa das mais graves crises econômicas de todos os tempos.3
1 Mestre e doutora em Direito pela UFMG. Professora Associada do Departamento
de Direito Público da UFMG. Professora Visitante no King’s College Londres.
Pesquisadora de Produtividade do CNPq.
2 FIOCRUZ. Monitora Covid-19. Disponível em: https://bigdata-covid19.icict.fio-
cruz.br/. Acesso em: set.2020.
3 Relatório divulgado pelo FMI, no último mês de abril, concluiu que “É mui-
to provável que neste ano a economia global vai passar pela pior recessão des-
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Para fazer face à pandemia, de 3 de fevereiro a 24 de setembro
de 2020, o Estado brasileiro havia editado 440 normas (emendas à
Constituição, leis, medidas provisórias, decretos, portarias, resolu-
ções etc.) tratando da situação de calamidade pública decorrente da
COVID-19 em seus vários aspectos: saúde pública, trabalho, contratos
privados, tributação, atividades e serviços essenciais, fronteiras, fun-
cionamento da Administração pública e diversos outros assuntos.4
Considerando o contexto econômico descrito e a necessidade de interfe-
rência do Estado em diversos setores da economia, a pandemia do corona-
vírus trouxe desafios inéditos no campo das finanças públicas. As medidas
implementadas, enquanto políticas contemporâneas inéditas de gestão fis-
cal, tornaram necessário editar orçamento específico para fazer frente aos
novos gastos com a saúde (o que ficou popularmente conhecido no Brasil
como “Orçamento de Guerra”) até suspender temporariamente os limites
de gastos. Além disso, foi imperioso ampliar os programas de transferên-
cia de renda à população vulnerável - como o auxílio emergencial e insti-
tuir apoio financeiro da União a Estados-membros e Municípios.
Nas últimas décadas, as discussões sobre a gestão das finanças pú-
blicas e a formulação dos orçamentos públicos têm sido dirigidas, no
contexto de uma economia globalizada e de redefinição do papel do
Estado, em torno de supostos consensos5: disciplina fiscal; mudanças
de a Grande Depressão, superando aquela vista durante a crise financeira mun-
dial há uma década. A Grande Paralisação, podemos chamá-la assim, deverá
encolher o crescimento global dramaticamente”. Cf. https://www.dw.com/pt-br/
fmi-prev%C3%AA-que-pib-do-brasil-vai-encolher-53-em-2020/a-53117996.
4 BRASIL. Presidência da República. Secretaria Geral. Legislação COVID-19.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/Portaria/quadro_portaria.
htm Acesso em: set. 2020
5 Entre os quais deve-se mencionar, pela sua relevância nos anos 90 do século pas-
sado, o Consenso de Washington e o Código de Boas Práticas para a Transparência
Fiscal do FMI. O “Consenso de Washington” (ou Convergência Universal) foi
o termo cunhado pelo economista John Williamson , em 1989, na obra “O que
Washington quer dizer quando se refere a reformas das políticas econômicas”,
para descrever uma série de reformas de livre mercado que, segundo a opinião
prevalecente entre numerosas instituições e especialistas daquela cidade, na épo-
ca, deveriam ter sido seguidas pelos os países latinoamericanos para modernizar
suas economias . O Consenso, segundo o próprio Williamson, foi o “[…] resulta-
do das tendências intelectuais mundiais para a América Latina” e consistiu numa
lista de medidas de política econômica que constituía um ‘paradigma único’ para
a triunfante economia capitalista. (Cf. sobre o tema: DIAS, Maria Tereza Fonseca.
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