A tragédia orçamentária brasileira: crise, corrupção e dominação das políticas públicas

AutorLicurgo Mourão
Páginas291-311
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A TRAGÉDIA ORÇAMENTÁRIA BRASILEIRA:
CRISE, CORRUPÇÃO E DOMINAÇÃO
DAS POLÍTICAS PÚBLICAS1
LICURGO MOURÃO
sumário:
1. Introdução; 2. Governo em crise e o
ajuste nas políticas públicas; 3. Considerações f‌inais:
escolhas públicas e vida plena; Referências
1. INTRODUÇÃO
A despeito de todos os esforços institucionais e das normas constitu-
cionais e legais vigentes, ainda claudica a federação brasileira no aten-
dimento digno do conjunto de seus cidadãos quanto ao rol de serviços
públicos tidos como essenciais, os quais visam a uma maior qualidade
de vida, entre eles os relacionados a energia, segurança, transporte,
educação, saúde, saneamento e assistência social.
A atual crise de saúde pública desencadeada pela pandemia da Covid-19
tem produzido signif‌icativas repercussões sobre os âmbitos econômico,
político, social e jurídico. Nesse aspecto, tem feito ressurgirem os cíclicos
debates sobre o papel e o tamanho que se almeja para Estado, bem como
sobre a necessidade de investimentos e de gastos públicos responsáveis.
Em meio a esse cenário, entendemos que as discussões sobre o plane-
1 Com colaboração, sugestões e revisão de Ariane Shermam.
2 Doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de
São Paulo (USP), Professor, Escritor e Palestrante, Certif‌ied Compliance & Ethics
Professional International, CCEP-I, pela SCCE (USA) e Conselheiro substituto do
TCE-MG, com extensões na Hong Kong University, HKU; na California Western
School of Law; na Université Paris 1 Pantheon-Sorbonne; na George Washington
University; na Fundação Dom Cabral; na Universidade del Museo Social Argentino.
Mestre em Direito Econômico (UFPB), pós-graduado em Direito Administrativo,
Contabilidade Pública e Controladoria Governamental (UFPE).
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jamento e a qualidade dos dispêndios públicos devem nortear estudos
sérios e permanentes, para além das agruras circunstanciais.
Visando alcançar meios para se combater a notória gestão temerária
de recursos públicos, a obstaculizar a necessária e permanente efeti-
vidade do gasto público, propugna-se o desenvolvimento de técnica
orçamentária que permita entender e otimizar sua aplicação. Essa é a
razão pela qual defendemos que a maior efetividade dos gastos públi-
cos implica a adoção do orçamento biopolítico.3
Identif‌icar os fatores críticos de insucesso que fazem, ainda hoje, o
Brasil apresentar indicadores socioeconômicos incompatíveis com a
evolução da carga tributária, com o montante alocado nos orçamentos
públicos e com as vinculações constitucionais de expressivos valores
aos chamados gastos sociais é o passo inicial.
Apesar do incremento nominal, os gastos com saúde, educação, se-
gurança pública e assistência social, entre outros, desde a entrada em
vigor da Constituição da República de 1988, apresentam baixa evolu-
ção qualitativa, implicando os índices de subdesenvolvimento ainda
presentes, a despeito dos mais de cinquenta anos de adoção da técnica
do orçamento programa, desde a edição da Lei n. 4.320/64, recepcio-
nada pelo regime constitucional em vigor.
Neste ponto, a fragmentação das f‌inanças públicas é severamente afe-
tada em face do agravamento desencadeado pela pandemia da Covid-19,
que se alastrou do âmbito da saúde para os setores político, econômico,
social e jurídico. Tal crise sanitária evidenciou as limitações de medidas
cuja f‌inalidade era conter o crescimento desmedido dos gastos públicos,
a exemplo do teto de gastos,4 ao mesmo tempo em que vem demandan-
do intervenções dos entes federativos, sobretudo da União, com o obje-
tivo de evitar um “naufrágio econômico”, em um cenário que torna cada
vez mais evidentes os riscos de uma profunda recessão.5 Neste artigo,
3 Este artigo baseia-se em capítulo de nossa tese de doutoramento, defendi-
da perante a Universidade de São Paulo (USP) sob orientação do Professor Régis
Fernandes de Oliveira. Vide: OLIVEIRA, Licurgo Joseph Mourão de. Orçamento
público biopolítico: corrupção, transparência e efetividade dos gastos. 2016. 631f.
Tese (Doutorado em Direito). Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2016.
4 A teor da Emenda Constitucional n. 95, de 2016.
5 Conf‌ira-se a respeito, a título ilustrativo, em https://brasil.elpais.com/econo-
mia/2020-09-01/pib-tem-queda-historica-de-97-no-segundo-trimestre-e-pande-
mia-arrasta-o-brasil-para-recessao.html.

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