O STF e os royalties do petróleo no contexto da pandemia: parâmetros para uma deliberação racional

AutorMisabel de Abreu Machado Derzi, Thomas da Rosa de Bustamante
Páginas542-557
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O STF E OS ROYALTIES DO PETRÓLEO NO
CONTEXTO DA PANDEMIA: PARÂMETROS
PARA UMA DELIBERAÇÃO RACIONAL
MISABEL DE ABREU MACHADO DERZI
THOMAS DA ROSA DE BUSTAMANTE
sumário:
1. Introdução: A Ameaça de Silenciamento da Democracia e o
Ideal Político do Estado de Direito; 2. Síntese da Pretensão Jurídica Contida
na ADI 4.917; 3. Resposta aos Argumentos da Pretensão; 4. Em Conclusão.
1. INTRODUÇÃO:AAMEAÇADESILENCIAMENTODA
DEMOCRACIA E O IDEAL POLÍTICO DO ESTADO DE DIREITO
Um dos maiores desaf‌ios da contemporaneidade é o da resiliência de-
mocrática em um contexto no qual as suas instituições, procedimentos
e princípios deliberativos se encontram em constante ataque. Um dos
desaf‌ios globais é o da preservação das instituições democráticas quan-
do as normas e condutas que a garantem vêm sendo constantemente
sabotadas por líderes populistas que pretendem legitimar-se a partir de
uma relação direta e imediata com a população, sem intermédio das
instituições e dos processos deliberativos que elas preveem. Na litera-
tura de direito constitucional, fala-se muito em “erosão democrática”,
e a única maneira de proteger a democracia é justamente por meio de
uma interpretação dos princípios fundamentais da constituição que
promovam a integração com o ideal político do Estado de Direito.
É por meio de uma reconstrução interpretativa do Estado de Direito
que pretendemos demonstrar a maneira apropriada de resolver a intri-
1 Professora Titular de Direito Financeiro e Tributário da UFMG. Doutora em
Direito pela UFMG. Advogada.
2 Professor Associado da UFMG. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do
CNPq (PQ-2).
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cada questão da legitimidade da distribuição dos royalties do petróleo
entre os Estados da Federação, a qual vem sendo questionada em sede
de Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal.
Há duas maneiras diferentes de interpretar o valor do Estado de
Direito. A primeira é adotar uma perspectiva atomista e conceptuali-
zá-lo como um princípio autônomo, com seus requisitos e critério de
aplicação distintos, os quais se propõem a ser claramente diferencia-
dos de outros valores políticos como a democracia, a liberdade, ou o
devido processo legal. Muitos juristas adotam essa atitude metodoló-
gica e examinam importantes valores políticos como a democracia, a
liberdade a separação de poderes e o Estado de Direito separadamente.
Eles buscam a virtude metodológica da clareza, com o f‌ito de isolar o
Estado de Direito de valores próximos e permitir uma identif‌icação,
com um grau razoável de determinação, de quando uma determinada
lei ou política viola as suas exigências.
Talvez a descrição de Fuller do Estado de Direito possa ser construí-
da como subscrevendo a essa perspectiva, na medida em que ela bus-
ca critérios formais para determinar quando uma ação governamental
constitui uma violação ao Estado de Direito. Um governo fracassa em
satisfazer às demandas do Estado de Direito nas seguintes circunstân-
cias; ele 1) falha em agir de acordo com quaisquer regras, resolvendo
disputas com base em um critério ad hoc; 2) carece de leis públicas dis-
poníveis para as pessoas sobre as quais pretende exercer autoridade; 3)
promulga leis retroativas sem proteger os cidadãos dos danos derivados
dessas mudanças; 4) fracassa em fazer leis inteligíveis; 5) promulga leis
contraditórias ou 6) regras impossíveis de serem aplicadas; 7) introduz
leis que mudam frequentemente, de modo que impeça que elas guiem
a ação de um agente racional; ou 8) falha em agir com base nas regras
que ele próprio cria. 3 Nesse tipo de perspectiva, o Estado de Direito é
“essencialmente um valor negativo”, pois ele é “construído para minimi-
zar o perigo criado pelo próprio direito”. 4 Nós avaliamos a f‌idelidade ao
Estado de Direito ao olhar para as suas regras, consideradas enquanto o
resultado explícito de processos políticos ao invés dos próprios proces-
sos. O Estado de Direito existe para f‌ixar um limite à ação do governo,
que pode ser descrito como um limiar ou um teste, e é constituído por
uma lista de exigências formais que são necessárias, ainda que não suf‌i-
cientes, para estabelecer a legitimidade de um governo.
3 Lon L. Fuller, The Morality of Law (Yale University Press 1963) 39.
4 Joseph Raz, The Authority of Law (Oxford University Press 1979) 224.

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