Pandemia e desastres ambientais: uma tragédia

AutorLyssandro Norton Siqueira
Páginas402-417
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PANDEMIA E DESASTRES
AMBIENTAIS: UMA TRAGÉDIA
LYSSANDRO NORTON SIQUEIRA1
sumário:
1. Introdução; 2. (In)ef‌iciência do sistema convencional de
reparação; 3. O desastre da Samarco; 4. O desastre da Vale;
5. A pandemia em terra arrasada; 6. A utilização de depósitos judiciais
para a reparação socioeconômica; 6.1. A ação civil pública contra a
Samarco; 6.2. A ação civil pública contra a Vale; 7. Considerações f‌inais
1. INTRODUÇÃO
Os desastres da Samarco, ocorrido em 5/11/2015, no Município de
Mariana, e da Vale, em Brumadinho, no dia 25/01/2019, causaram per-
plexidade em todo o mundo pela dimensão dos danos socioambientais
e socioeconômicos.
Esses eventos demandaram a atuação rápida e inovadora da advoca-
cia pública mineira, com a adoção de medidas judiciais e extrajudiciais
em busca da reparação integral e efetiva de todos os danos causados.
Essa atuação tem se pautado por ações concertadas com as demais
instituições do Sistema de Justiça, forçando as empresas Rés a uma
postura colaborativa e construindo soluções parciais no âmbito de pro-
cessos estruturantes.
Os problemas enfrentados para a reparação dos danos nas bacias do
Rio Doce e Rio Paraopeba foram agravados em 2020 com a pandemia
do coronavírus, exigindo das forças públicas uma grande mobilização.
1 Pós Doutor em direito pela UFMG - Doutor em direito pela PUCRIO - Procurador
do Estado de Minas Gerais - Coordenador do Núcleo de Tutela do Meio Ambiente
da Procuradoria de Demandas Estratégicas (PDE) da AGE/MG – Professor do
Programa de Mestrado em Sustentabilidade da UNINCOR
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Neste artigo, serão apresentadas algumas iniciativas adotadas no âm-
bito das ações de reparação dos dois casos, por meio da antecipação de
resultados de forma rápida e efetiva.
2. (IN)EFICIÊNCIADOSISTEMACONVENCIONALDEREPARAÇÃO
As entidades integrantes do Sistema de Justiça brasileiro, diante de um
evento sem precedentes, foram desaf‌iadas a encontrar soluções para uma
efetiva reparação dos danos causados, para além do sistema convencional.
Com efeito, o Brasil, desde a publicação da Lei n. 6.938/81, adota,
como regra, a responsabilidade civil ambiental objetiva, em conformi-
dade com o disposto em seu artigo 14. Além disso, a jurisprudência
brasileira sobre a responsabilidade por danos socioambientais evoluiu
nos últimos anos a ponto de ser considerada de vanguarda.
Pode-se af‌irmar que, atualmente, a partir de entendimentos consolida-
dos pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça,
que a responsabilidade civil ambiental no Brasil é objetiva, orientada
pelo Teoria do Risco Integral2, solidária3, imprescritível4, aplicando-se
ainda a Teoria Menor da Desconsideração da Personalidade Jurídica5.
Trata-se, pois, de um sistema bem construído para a reparação de danos.
Esse robusto sistema de responsabilização civil, entretanto, não vem ten-
do um bom histórico na efetividade da resolução de problemas ou, melhor
dizendo, reparação efetiva dos danos socioambientais. Veja-se, por exemplo,
o caso do rompimento da barragem de rejeitos da Indústria Cataguases de
Papel, ocorrido em 29 de março de 2003, deixando escoar, aproximada-
mente, 500 quinhentos milhões de litros de lixívia, provocando alagamento
de áreas e destruição do meio ambiente e de empreendimentos agrícolas. A
lixívia atingiu o Córrego do Cágado, o Rio Pomba e o Rio Paraíba do Sul,
alcançando o Oceano Atlântico e causando danos ambientais em cidades
de Minas Gerais, do Espírito Santo e do Rio de Janeiro. Após 2 anos da
ocorrência do desastre (2005), o Ministério Público Federal ajuizou ação ci-
vil pública de indenização e compensação por danos ecológicos, cumulada
com pedido de indenização por danos morais difusos. Pois bem, a demons-
trar a total falta de efetividade do provimento jurisdicional convencional,
2 BRASIL, 2014. (STJ- RESP n. 1374284/MG - DJ 27/08/2014).
3 BRASIL, 2009. (STJ – Resp nº 1.056.040-GODJ 14/09/2009)
4 BRASIL, 2009. (STJ – Resp nº 1.120.117-ACDJ 19/11/2009).
5 BRASIL, 2004. (STJ – Resp nº 279.273-SPDJ 29/03/2004)

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