Fontes paradigmáticas para aplicação do direito processual civil

AutorAntonio de Pádua Muniz Corrêa
Páginas24-38

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CLT

Art. 769 – Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.

O processo do trabalho, por não ser autossuficiente, criou instrumentos para sustentar sua autonomia e dar vida à sua independência sistêmica. Instituiu regra própria para importar novas normas procedimentais comum. Por isso, a fonte paradigmática tem por base jurídica originária a CLT, estratificada no art. 769, cuja estrutura assenta-se em dois elementos ou requisitos: omissão e compatibilidade.

Para importar alguma regra processual civil utilizou a CLT o método da subsidiariedade como fonte do direito processual do trabalho. Mas, o que seria subsidiário? A resposta é simples: o que subsidia, ajuda, socorre, o que reforça, o que contribui, o que dá apoio ou auxilia. Esta é a função precípua do processo civil, ou seja, meramente de auxiliar o processo do trabalho naquilo em que este for omisso, porém, a norma a ser importada deve guardar estreita compatibilidade com as regras e princípios do processo do trabalho. Destarte, percebe-se claramente que o processo civil não pode invadir a senda trabalhista, sem uma análise cuidadosa da estrutura do art. 769 da CLT, mormente dos seus requisitos, para haver qualquer integração.

No sistema de validade de uma norma, para descobrir se ela é válida ou não, devemos analisar se a mesma é incompatível com outra norma do sistema, notadamente por outra de hierarquia superior ou com outra posterior que tenha disciplinado inteiramente a matéria, visto que não vigora o princípio de que duas normas incompatíveis possam ser válidas. É o que extraio do § 1º1 do art. 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

Também constitui princípio geral do direito, manso e pacífico, expresso nos manuais de Introdução ao Estudo do Direito, que a lei geral não revoga a lei especial, exceto se outra for a intenção inequívoca do legislador. Disto decorre a certeza de que devemos consultar a base elementar do sistema jurídico para procedermos a uma integração lacunosa ou simplesmente operar uma interpretação de uma norma, decidindo sobre a sua validade. Geralmente parte-se da origem, ou seja, da letra da lei para os demais métodos de interpretação mais conhecidos como o histórico, o sistêmico e o teleológico, sendo certo que em qualquer interpretação ela deva guardar, ao menos, um mínimo de correspondência verbal com o texto legal interpretado (gramatical), sob pena de o intérprete enveredar pelo ativismo

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judicial e sob o pretexto de que “interpretar” passe a criar direito novo, em clara afronta ao princípio republicano da separação dos poderes.

Interpretar uma norma pressupõe que a mesma contenha ou carregue em seu texto uma dúvida tal capaz de obscurecer ou inviabilizar a cognição ou o seu entendimento, a qualquer do povo. Não se pode, a pretexto de interpretar uma norma, nela fazer incluir uma nova redação ou acrescer um novo conceito totalmente estranho ou indiferente ao seu espírito ou a sua historicidade.

Penso ter chegado a hora de admitirmos haver um total descarrilamento de nossa tradição hermenêutica, cujo fruto não é bom, causando enorme insegurança jurídica e grande confusão, pois passamos a conviver com uma legalidade lateral embasada unicamente na “lei do juiz” e não no modelo republicano. Por isso, devemos resgatar esse espírito há muito perdido, no campo da interpretação, a qual deve-se buscar o pensamento do legislador, haja vista que, em última ratio, o pensamento materializado na norma representa não o pensamento isolado, particular, individual ou egoísta do legislador, eis que, enquanto representante do povo, fala em seu nome e exerce o poder legiferente também em nome do povo, isto em sociedades verdadeiramente democráticas, como, aliás, prescreve o parágrafo único2A do art. 1º da nossa Constituição, isto é, o poder emana do povo e, em seu nome é exercido. Somente assim, se pode admitir obediência à vontade soberana da Constituição e, por conseguinte, a lei, a qual todo cidadão deve respeito e submissão, principalmente os magistrados.

Por conseguinte, ainda que se faça uma interpretação desgarrada da “mens legis ou legislationis”, o intérprete não poderá deixar de observar o seu dever de submissão à ordem legal, mormente à Lei das Leis: a Constituição. Nisso se harmonizará o “poder emana do povo” como algo concreto, eficaz e atual, não se reduzindo a uma cláusula constitucional vazia, insignificante e sem propósito, como muitos pensam. Não será mera moldura morta e estática a enfeitar paredes e gabinetes, ao contrário, deverá ser uma pintura com cores vivas e pulsantes. A interpretação fora desse limite é ilegítima e, a meu pensar, inconstitucional.

Pois bem, vale dizer e afirmar que em nosso sistema jurídico não existe o método de interpretação administrativa de normas voltada para o Poder Judiciário, especialmente quando a intenção for orientar o processo judicial para todas as instâncias. Sabemos que o sistema de justiça brasileiro é integrado por instâncias. Assim, na Justiça do Trabalho temos três instâncias a saber: primeiro grau de jurisdição, composto por juízes togados de primeira instância; segundo grau de jurisdição, constituído por Tribunais Regionais do Trabalho e em terceiro grau, o Tribunal Superior do Trabalho, formado por 27 ministros.

Culturalmente, o Brasil não tem tido bom senso em respeitar as suas próprias leis, nem o princípio republicano da separação dos poderes e, muitas vezes, ignora

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por completo as competências das instâncias inferiores, no afã de promover a chamada justiça distributiva. Todavia, o Poder Judiciário trabalhista ao enveredar pela interpretação administrativa acaba por criar mais celeuma, promovendo incertezas, arbitrariedades e abusos. Por conseguinte, ressai inexorável que não temos, não criamos, não cultivamos e não nos interessamos em criar a firme tradição do respeito aos limites competenciais traçados pela Constituição. Todos querem legislar de alguma maneira, seja por meio de Resoluções, seja por meio de Portarias, de Instruções Normativas, de Súmulas ou de Orientações Jurisprudenciais. Tem sido assim com o STF, CNJ, TST e com os demais tribunais brasileiros.

Feita essa missiva, não posso deixar de registrar algumas linhas sobre a iniciativa de o TST impor às instâncias ordinárias da Justiça do Trabalho, por meio da IN 39, o seu entendimento preliminar sobre as incidências do novo CPC no processo do trabalho, como um verdadeiro feitor.

Realmente teria o TST competência para tanto? Com a edição da IN n. 39, não houve supressão de instâncias? O princípio da legalidade fora ignorado?

Desde a Constituição de 1988 foi instituído no Brasil o Estado de Direito, significando dizer que, doravante, todos devem obediência à lei. Não havendo mais espaços para o totalitarismo ou a usurpação de competências. Todas elas vêm expressamente definidas no texto constitucional.

Legislar sobre direito processual é competência privativa da União, consoante art. 22, I da CF, enquanto legislar sobre procedimentos em matéria processual é competência concorrente da União, Estados e do Distrito Federal, como se lê no art. 24, XI da CF. Na parte tocante aos tribunais não há autorização para que eles legislem sobre tais matérias, muito menos alguma permissão para editarem atos administrativos com caráter normativo a fim de interpretarem norma processual ou procedimental de forma antecedente, com o firme propósito de orientar ou instruir órgãos jurisdicionais de 1º e 2º graus da Justiça do Trabalho.

Por outro lado, a Constituição explicita no seu art. 59, exaustivamente, o processo legislativo brasileiro, constituído de emendas à Constituição; leis complementares; leis ordinárias; leis delegadas; medidas provisórias; decretos legislativos; e resoluções. Por outro lado, como instrumento de promover uniformidade interpretativa do direito nacional, a Constituição instituiu, com efeito normativo, as súmulas com o objetivo de promover a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários que possa acarretar grave insegurança jurídica, ex vi do § 1º do art. 103-A da Constituição da República Federativa do Brasil.

O TST, enquanto tribunal superior, tem por tarefa desempenhar a jurisdição na via recursal extraordinária, julgando as causas em única ou última instância, sempre que se negar vigência ao direito federal ou a ele der interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal. Por fim, diz o § 1º do art. 111 da CF que a lei disporá sobre a competência do TST. A CLT, a partir do art. 690 até o art.

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709, fala de algumas competências do TST e, em matéria recursal, de dissídios individuais, temos ainda os arts. 896 até art. 896-C que tratam do recurso de revista.

Na seara de direito coletivo, temos a Lei n. 7.701, de 21 de dezembro de 1988, a qual envereda por outras providências, mas ali também não há nenhuma autorização para o TST promover a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas fora dos ditames da jurisdição, especialmente por meio de Instrução Normativa. Essa não é a sua função.

Analisando o Regimento Interno do TST, deparo-me com os arts. 296 e 2972, os quais disciplinam os atos normativos que o tribunal está autorizado a editar, isto é, as Resoluções Administrativas e as Resoluções que alcançam e incluem as deliberações acerca das Instruções Normativas, contudo, não há nenhum disciplinamento das matérias que as IN poderiam dispor. Por isso, respondendo à primeira objeção, resta claro e evidente que o TST suprimiu instâncias, além de não dispor de autorização constitucional e nem legal para proceder interpretação de lei processual fora dos ditames da jurisdição, notadamente por meio de IN como instrumento de orientação subsidiária.

No...

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