Fundamentos jurídicos da proteção de dados pessoais

AutorFlávio Henrique Caetano de Paula Maimone
Páginas5-29
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FUNDAMENTOS JURÍDICOS DA
PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS
Com a internet das coisas e o big data permitindo veloz acesso a imenso volu-
me de informações, torna-se presente o cruzamento de dados pessoais, que f‌icam
à disposição para serem instrumentalizados das mais diversas formas1, nem todas
legítimas, tampouco lícitas. Isso tem levado Estados ao questionamento e à regulação
de limites de acesso e uso, para resguardar direitos.
É o caso da privacidade que, outrora considerada como direito de “ser deixa-
do só” (WARREN; BRANDEIS, 1890), modif‌icou-se quanto à autodeterminação
informativa e, atualmente, é identif‌icada como a faculdade de a pessoa controlar as
informações que lhe são pertinentes2. Dessa forma, está relacionada ao direito do
titular controlar os seus dados, elegendo quais dados são mantidos consigo, quais
são compartilhados e com quem3.
Antes de prosseguir na investigação, é importante apresentar o conceito de da-
dos pessoais estabelecido pela norma brasileira, qual seja: “informação relacionada
a pessoa natural identif‌icada ou identif‌icável” (artigo 5º, inciso I, Lei 13.709/2018).
A despeito do elo entre dado e informação, salienta-se que não são sinônimos: “o
termo dado apresenta conotação um pouco mais primitiva e fragmentada, como se
fosse uma informação em estado potencial, antes de ser transmitida [...], uma espécie
de pré-informação” ainda sem submissão a processos de elaboração e interpretação
(DONEDA, 2011, p. 94).
De outra sorte, a informação resulta de ação interpretativa e, portanto, depen-
de do contexto verif‌icado por um intérprete ou observador
4, ou seja, a informação
resulta da interpretação dos dados, consiste na “substância do processo de comu-
nicação de mensagem entre dois entes. Ela interessa ao direito quando está inserida
1. Como a publicidade dirigida a cada pessoa conforme seus próprios gostos.
2. “[...] a privacidade, antes compreendida, prioritariamente, como o direito negativo de ser deixado em paz
(right to be let alone), passa a signif‌icar também o controle dos dados pessoais pelo próprio indivíduo, que
decide quando, como e onde os seus dados pessoais devem circular” (MENDES, 2014, s/p).
3. Nessa linha, Claudia Lima Marques e Guilherme Mucelin (2018, p. 395-396) tratam da privacidade, “na
sociedade da informação na qual estamos inevitavelmente inseridos, como o direito ao controle de dados
por parte de seu titular e o direito a distinguir quais dados poderão estar disponíveis a terceiros”.
4. Nesse sentido: MENDES, 2014, s/p.
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RESPONSABILIDADE CIVIL NA LGPD FVIO HENRIQUE C.AETANO DE PAULA MAIMONE
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no sistema social” (KRETZMANN, 2019, p. 19), constitui direito fundamental e
básico do consumidor5.
Sob esse aspecto, há uma enormidade de dados sobre as pessoas naturais,
inclusive com parte disponibilizada despretensiosamente, para se ter acesso a um
sorteio, a uma brincadeira em uma rede social, para compra de produtos e serviços.
Enf‌im, os cadastros realizados para tantos f‌ins contêm dados pessoais, notadamente
quando já realizada ação interpretativa ou passível de elaboração e interpretação, ou
seja, ali as informações encontram-se reveladas nos dados pessoais.
É a partir da informação que a pessoa humana tem expostos dados, inclusive
referentes a outros direitos da personalidade, como a identidade, o nome, a imagem,
enf‌im, um extenso, importante e aberto rol. Nessa perspectiva, tais direitos podem
ser reconhecidos como “caracteres incorpóreos e corpóreos que conformam a pro-
teção da pessoa humana. Nome, honra, integridade física e psíquica seriam apenas
alguns dentre uma série de outros atributos que dão forma a esse prolongamento”
(BIONI, 2019, p. 63).
Em outros dizeres, a proteção dos dados pessoais, com o objetivo estabelecido
pelo artigo 1º da Lei Geral de Proteção de Dados6, procura tutelar a pessoa humana7,
identif‌icada ou passível de identif‌icação, cujas informações precisam ser protegidas
além do aspecto de sua privacidade, eis que a proteção de dados “é fundamento para
a preservação da individualidade, da liberdade e da própria democracia” (FRAZÃO,
2020a, s/p)8.
Pretendemos, dessa forma, identif‌icar e descrever os fundamentos jurídicos de
proteção de dados pessoais, constitucionais e infraconstitucionais, sobretudo das
previsões normativas inauguradas com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais,
sem perder de vista a disciplina esparsa da proteção de dados em normas jurídicas
brasileiras9.
5. Nesse sentido: BARBOSA, 2008, p. 47.
6. Art. 1º Esta Lei dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural
ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais
de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural”.
7. Anote-se que – a despeito da previsão legal referir-se aos dados pessoais como aqueles de pessoas naturais
– há crítica à limitação legislativa, bem como proposta de leitura com diálogo das fontes com o Código
Civil para aplicar a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais também, e no que couber, para proteção de
dados de pessoas jurídicas (MAGALHÃES; DIVINO, 2019).
8. Noutro texto, Ana Frazão (2020b, s/p) af‌irma: “Logo, a privacidade hoje, longe de se restringir à intimidade
e ao direito de ser deixado só, ampliou seus domínios para abranger o controle sobre as informações que
digam respeito ao sujeito, a autodeterminação informativa, o direito à não discriminação, a liberdade, a
igualdade, o direito ao acesso e acompanhamento dos dados pessoais quando se tornam objeto de dis-
ponibilidade de outros, dentre outros [...] É claro que a ampliação do direito à privacidade e a sua maior
imbricação com outros direitos fundamentais não afasta, de forma alguma, a importância do sentido clássico
de privacidade como intimidade”.
9. Como o Código de Defesa do Consumidor, a Lei do Cadastro Positivo e o Marco Civil da Internet.
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