Pretensões restitutórias pelo ilícito lucrativo
Autor | Flávio Henrique Caetano de Paula Maimone |
Páginas | 31-55 |
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PRETENSÕES RESTITUTÓRIAS PELO
ILÍCITO LUCRATIVO
A literatura jurídica investiga a situação do ofensor que obteve ganhos a partir
de atos ilícitos, pareada à necessidade de haver uma resposta a não permitir que isso
aconteça (ou assim permaneça). Reconhece, ainda, que tal pretensão restitutória
figura entre a responsabilidade civil e o enriquecimento sem causa, pois alguns
são partidários da responsabilidade civil pelo ilícito lucrativo1, enquanto outros,
por verem o lucro da intervenção como resposta, defendem que a solução está no
enriquecimento sem causa2.
Entre os autores que se debruçam sobre o tema, Sergio Savi (2012, p. 2) chama
atenção para ausência de tratamento da questão no ordenamento brasileiro e faz
o alerta de que, sem a imposição ao ofensor da “obrigação de se desfazer do lucro
obtido com a indevida ingerência nos bens e direitos alheios”, o ordenamento ju-
rídico fica “sem uma sanção eficaz para uma série de casos de violação a interesses
merecedores de tutela”.
Como é sabido, ilícitos lucrativos “geram resultados extremamente vantajo-
sos para os infratores. Por conseguinte, na prática, comportamentos antijurídicos
costumam ser muito bem remunerados” (ROSENVALD, 2019, p. 29), o que se dá,
inclusive, em relação aos dados pessoais. Rememore-se a assertiva de Ana Frazão
(2020a, s/p), para quem a “violação da privacidade e dos dados pessoais torna-se,
portanto, um lucrativo negócio que, baseado na extração e na monetização de dados,
possibilita a acumulação de um grande poder que se retroalimenta indefinidamente”.
Nota-se, a propósito, a incoerência entre o Direito e a possibilidade de se manter
uma indústria lucrativa quando a matéria-prima desta é obtida a partir da violação
de direitos fundamentais. Ademais, há consonância nas teses dos autores de que não
é possível permanecer nessa situação, já que entendem que o caminho é determinar
1. Incluem-se, nessa corrente, Nelson Rosenvald (2019), que fez aprofundado estudo em direito comparado
para descobrir e, então, enquadrar a restituição do ilícito lucrativo na responsabilidade civil; Vitor Ottoboni
Pavan (2020), com intensa e recém defendida dissertação; e, ainda, no direito português, Henrique Sousa
Antunes (2019).
2. Partilham dessa visão Rodrigo da Guia Silva (2018) e, com destaque, Sergio Savi (2012), pelo pioneirismo
no tema e por ser sempre referido pela literatura para estudos do tema (ainda que sob a ótica da responsa-
bilidade civil). Além desses autores, destacam-se Miguel Kfouri Neto e Rafaella Nogaroli (2019), com o
recente artigo “A aplicação do lucro da intervenção (disgorgement of profits) no direito civil brasileiro: um
novo dano no campo da responsabilidade civil ou uma categoria de enriquecimento sem causa?”
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RESPONSABILIDADE CIVIL NA LGPD • FLÁVIO HENRIQUE C.AETANO DE PAULA MAIMONE
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a remoção dos lucros ilícitos e transferi-los para o titular de direitos lesados, como
se confirma diante da assertiva abaixo:
Anal, se for indiferente ao interventor obter o consenso contratualmente para a utilização de
bem de outrem ou simplesmente utilizar e ter que pagar o mesmo que teria despendido em caso
de utilização autorizada, a título de indenização, a vontade do titular do direito deixa de ser
relevante (SAVI, 2012, p. 4-5).
Dessa forma, fica evidente que a obrigação3 do ofensor restituir ao titular de
direito o lucro obtido pelo comportamento antijurídico é entendimento pacífico
entre os estudiosos do tema. Entretanto, se o diagnóstico e o prognóstico parecem o
mesmo, o tratamento não guarda unanimidade. O debate, portanto, encontra lugar
no instituto a ser utilizado para cumprir esse propósito.
Na sequência, serão abordados os fundamentos comuns para que seja pro-
movida a restituição do ilícito lucrativo e, ato contínuo, os enquadramentos pelo
enriquecimento sem causa e pela responsabilidade civil para, então, identificar o
caminho encontrado na presente investigação.
3.1 FUNDAMENTOS DAS PRETENSÕES RESTITUTÓRIAS DO ILÍCITO
LUCRATIVO
A começar pelas concordâncias entre diagnóstico de que existe um problema
(um agente a cometer conduta antijurídica não pode permanecer com o lucro obtido
em decorrência dessa conduta) e prognóstico de que se deve impor como solução a
obrigação de restituir esse ganho ao titular do direito, afirmamos: há fundamentos
nas duas vias eleitas para o tratamento da situação. É necessário, pois, o enfrenta-
mento do problema.
Sergio Savi (2012, p. 18-19) considera importante a remoção dos proveitos in-
devidos tanto em questões patrimoniais quanto, e sobretudo, naquelas que envolvem
direitos da personalidade. O autor considera que o enfrentamento das lesões sem
sanção eficaz tem lugar no lucro da intervenção:
3. Limongi França (1970, p. 693) afirma que obrigação seria “o vínculo, jurídico ou de equidade, pelo qual
alguém está adstrito a, em benefício de outrem, realizar uma prestação”. Para Maria Helena Diniz (2012,
p. 45), a “obrigação é uma relação jurídica” em que “o devedor pode ser compelido a realizar a prestação.
Possui caráter transitório, porque não há obrigações perpétuas; satisfeita a prestação prometida, amigável
ou judicialmente, exaure-se a obrigação. O objeto da obrigação consiste numa prestação pessoal, só a pes-
soa vinculada está adstrita ao cumprimento da prestação. Trata-se de relação jurídica de natureza pessoal,
pois estabelece-se entre duas pessoas (credor e devedor), e econômica, por ser necessário que a prestação
positiva ou negativa (dar, fazer ou não fazer) tenha um valor pecuniário, isto é, seja suscetível de aferição
monetária”. Sérgio Carlos Covello (1987, p. 1365) afirma que obrigação é “a relação que estabelece víncu-
lo, sujeitando o devedor a uma prestação em favor do credor, seja de dar, de fazer ou de não fazer alguma
coisa”; e, mais à frente (p. 1369), afirma que as “fontes das obrigações são os fatos jurídicos em geral, que
tanto podem ser naturais como humanos, subdivindo-se estes em lícitos e ilícitos”.
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