Os gametas na era das biotecnologias

AutorLucas Costa de Oliveira
Páginas1-16
Introdução
OS GAMETAS NA ERA DAS BIOTECNOLOGIAS
Os anúncios começaram a aparecer na semana passada em jornais das
melhores escolas do país. “Precisa-se de doadora de óvulos”, diziam os
anúncios, adicionando: “Grande incentivo nanceiro”. Os anúncios pediam
uma mulher atlética, com 1,78 metros de altura, que tivesse atingido pelo
menos 1.400 no seu Teste de Aptidão Escolar e que não tivesse grandes
problemas médicos na família. Em troca, receberia 50.000 dólares. Mais de
200 mulheres já responderam ao que se acredita ser a maior quantidade de
dinheiro oferecida por óvulos de uma mulher.1
1. GAMETAS COMO MERCADORIAS
Adriana é uma paulistana radicada em Los Angeles, Califórnia. Mudou-se para
os Estados Unidos em 2003. Viveu no âmbito da ilegalidade até o ano seguinte, quando
se casou com um americano. Com a documentação em ordem, decidiu doar sangue –
atividade que realizava de maneira corriqueira em São Paulo. Ao pesquisar mais sobre o
assunto, acabou se deparando com um recrutamento para a doação de óvulos. Embora
a nomenclatura se referisse à doação, pagava-se bem. Em 2005, inscreveu-se em uma
companhia chamada e Egg Donor Program. Com 25 anos, olhos azuis, cabelos casta-
nhos e cacheados, pele clara e pontuada por sardas, Adriana tinha muitas das qualidades
buscadas no mercado reprodutivo, o que tornava seus óvulos bastante valiosos. Ao se
alistar para o programa, menciona que duas foram as razões que a motivaram: os 6.500
dólares que receberia a cada procedimento, além da possibilidade de ajudar alguém
com obstáculos para gerar um lho. Até 2007, já havia realizado quatro transferências.
As negociações envolviam a necessidade de se submeter a uma série de exames iniciais,
além de ser imprescindível uma forte terapia hormonal com o objetivo de gerar a estimu-
lação ovariana e sincronizar os ciclos reprodutivos. Nos contratos, Adriana renunciou
a qualquer responsabilidade moral e legal em relação aos lhos gerados, bem como se
comprometeu a se abster de relações sexuais durante o período de ovulação. Com o
dinheiro obtido desde então, algo em torno de 60 mil reais, conta que viajou o mundo e
realizou uma cirurgia de lipoaspiração – algo que dicilmente conseguiria com o salário
de garçonete e gerente em um restaurante italiano.2
Poder-se-ia pensar que o caso narrado constitui uma ocorrência excepcional. En-
tretanto, a racionalidade econômica tem dominado o contexto da reprodução humana
assistida. Pode-se armar, nesse sentido, que existe um profícuo negócio de bebês, na
1. KOLATA, Gina. $50,000 Oered to Tall, Smart Egg Donor. e New York Times, 3 mar. 1999, tradução nossa.
2. KAZ, Roberto. Toma que o óvulo é teu. Revista Piauí, v. 9, 2007.
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GAMETAS COMO MERCADORIAS • Lucas costa de oLiveira
2
denominação difundida por Debora Spar. O esperma foi um dos primeiros materiais
de origem humana a se inserir em uma lógica mercantil. A facilidade na coleta e a pos-
sibilidade de criopreservação deram origem a diversos bancos de esperma ao redor do
mundo a partir da década de 1960. Inicialmente, tratava-se de uma prática destinada
aos casais que tinham problemas reprodutivos e desejavam armazenar os gametas mas-
culinos para fertilizações futuras. Com o passar do tempo, as clínicas de fertilidade se
aproximaram de um negócio de intermediação, tornando-se um sistema mais impessoal.
Em 1970, instituiu-se o primeiro banco com intuitos lucrativos, em Minnesota. Uma
década depois, havia 17 bancos de congelamento de esperma nos Estados Unidos, com
mais de 100 mil amostras destinadas à comercialização.3
De modo geral, o público-alvo a ser atingido pelas clínicas são estudantes ou jovens
prossionais, sendo escolhidos por suas características físicas, intelectuais e genéticas.
Recebem cerca de 75 dólares por recolhimento, o que gera entre três e seis frascos que
serão vendidos por 250 a 400 dólares cada – uma margem de lucro colossal. Contudo,
o preço dos gametas pode alcançar valores exorbitantes, a depender do nível de ins-
trução, histórico de saúde, características fenotípicas e genotípicas, ou, até mesmo, a
universidade em que se estuda. O Repository for Germinal Choice , por exemplo, era uma
clínica especializada em doadores especiais, incluindo laureados com o Prêmio Nobel
e atletas olímpicos.4
As informações destinadas aos clientes também são bastante variadas. Na Cryo-
bank, localizada na Califórnia, disponibiliza-se um relatório com mais de vinte pági-
nas contendo informações sobre a origem do esperma, incluindo crenças religiosas,
textura do cabelo, prossão, habilitação acadêmica e até mesmo gravações de áudio
em que o fornecedor responde a perguntas com sua própria voz. A Fairfax Cry obank,
localizada na Virgínia, oferece pers amplos dos seus fornecedores, contando com
o histórico de saúde de três gerações, além de permitir que seus clientes enviem fo-
tograas das pessoas com quem gostariam que seus lhos se assemelhassem. Ainda,
alguns bancos oferecem a oportunidade de que os lhos gerados contatem os prove-
dores dos gametas após completarem a maioridade, prática conhecida como doação
aberta, enquanto outros facultam aos clientes o recebimento dos nomes completos e
fotograas dos “doadores”.5
A situação dos óvulos é, por sua vez, mais complexa e controversa. O processo de
retirada dos gametas femininos demanda acompanhamento médico, altas doses de hor-
mônios, além de uma cirurgia para a retirada dos oócitos. Os riscos são maiores, assim
como o desgaste físico e emocional. A prática ganha importância a partir da primeira
3. SPAR, Debora. O negócio de bebés: como o dinheiro, a ciência e a política comandam o comércio da concepção.
Tradução de Benedita Bittencourt. Coimbra: Almedina, 2007, p. 64-65.
4. SPAR, Debora. O negócio de bebés: como o dinheiro, a ciência e a política comandam o comércio da concepção.
Tradução de Benedita Bittencourt. Coimbra: Almedina, 2007, p. 66-68.
5. SPAR, Debora. O negócio de bebés: como o dinheiro, a ciência e a política comandam o comércio da concepção.
Tradução de Benedita Bittencourt. Coimbra: Almedina, 2007, p. 65-68.
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