Introdução

AutorAdilson Sanchez
Páginas19-27

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Cálculos e lógica trabalhista

Para a melhor interpretação do texto legal, prática fundamental ao advogado, alguns pressupostos que norteiam essa árdua tarefa.

Árdua porque, como veremos, o legislador pátrio não prima pela clareza, muitas vezes pela transparência, fenômeno que nos parece seja mundial, já que a carreira política, à qual os legisladores estão atrelados, exige desgastante negociação em torno dos temas objeto de lei, decorrentes de interesses divergentes.

Dessa forma, por necessidade de se aprovar um ou outro dispositivo, em detrimento do melhor debate e do melhor processo de elaboração das leis, surgem normas cujo entendimento geram múltiplas controvérsias, senão obscuridades.

Verif‌icamos a par disso, que o legislador pátrio é eminentemente dinâmico, popular, o que implica na criação de inúmeras leis em curto espaço de tempo. Basta citar as leis de política salarial que no passado envolvido por forte inf‌lação, foram em número signif‌icativo e todas, pensamos, muito parecidas quanto ao sistema proposto. Mas foram reiteradamente revogadas umas pelas outras, em busca da estabilização econômica.

Diante de tamanhas dif‌iculdades, e em época de “revisão constitucional permanente”, impõe-se a análise mais elaborada do tema, com imprescindível conhecimento dos processos de interpretação, da evolução histórica do direito e da jurisprudência.

A lógica que se empregou no título está adstrita ao sentimento de razão, voltada à busca da verdade.

Para Miguel Reale, é a ciência positiva dos signos, das formas e do processo do conhecimento1.

Estuda, Jacques Maritain, a razão como instrumento da ciência ou meio de adquirir e possuir a verdade. A lógica é a arte que nos faz proceder, com ordem, facilmente e sem erro, no ato próprio da razão.2

Preferimos dirigir o tema à questão dos cálculos trabalhistas, pois o assunto ganhou signif‌icativo interesse com o desenvolvimento e a complexidade das relações entre empregado e empregador. Depois, foi objeto de conferências por nós ministradas em diversas regiões do Estado de São Paulo, oportunidade em que sentimos certa carência doutrinária quanto à matéria, surgindo estas páginas que esperamos, humildemente, possam acrescentar algo à sociedade jurídica, bem como aos administradores, que têm estratégico papel na adoção de procedimentos trabalhistas.

Não foi nossa preocupação participar as mais diversas e profundas correntes doutrinárias a respeito do tema, posto que a nossa intenção primeira foi oferecer a adequada adaptação teórica aos temas práticos levantados.

Não obstante, ao contrário do que possa parecer em uma primeira análise, o tema comporta e exige noções acerca da interpretação da norma trabalhista, apesar de ter por objetivo a elaboração de cálculos. A princípio, matéria exata, mas, na verdade, deve passar pelos conceitos adiante analisados, pois tem origem em matéria jurídica.

É, de qualquer forma, importante o conhecimento da regra gramatical, matemática, da f‌ilosof‌ia aplicada ao direito, até da hermenêutica, a ponto de buscarmos a perfeita interpretação e apuração dos valores.

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Já disse o professor de matemática que para ir bem no exame deve-se estudar português, pois a solução do problema decorre da sua compreensão.

Não é nossa pretensão esgotar o tema ou ingressar na mais pura discussão doutrinária, de toda complexa. Portanto, às vezes citamos alguns aspectos controvertidos e mencionamos também as Súmulas e Orientações Jurisprudenciais do TST como forma de pacif‌icar os entendimentos a respeito das verbas tratadas.

Desejamos oferecer ao leitor, estudioso do direito ou não, mecanismos para a melhor percepção das diversas interpretações que um mesmo dispositivo de lei possa ensejar, criando elementos em favor de uma ou outra tese, para aplicar o resultado na sua prática prof‌issional.

Registre-se, contudo, que a incessante busca da verdade é tarefa ingrata, pois pode manifestar-se diferentemente para cada pessoa.

Não obstante, por mais dif‌icultoso que se mostre o caminho, ele deve ser trilhado, com o propósito de se alcançar a verdade.

É importante dizer que o pensamento f‌ilosóf‌ico não encontra fronteiras. A busca da verdade e do justo passam pelas mais variadas experiências e valores.

Os homens têm formação diferenciada, principalmente se procedermos a um corte no tempo e no espaço em que se situam.

Os valores existentes quando da redação destas palavras podem não ser os mesmos quando de sua leitura, seja em uma concepção introspectiva ou não.

A lei jurídica tem por f‌inalidade harmonizar o meio, disciplinando, por normas, a vida em sociedade.

A f‌ilosof‌ia vai adiante, questionando as normas existentes, procurando o seu sentido e o ideal, sob os mais variados prismas do pensamento humano.

O direito é realidade universal. Onde quer que exista o homem, aí existe o direito como expressão de vida e de convivência. É exatamente por ser o direito fenômeno universal que é ele suscetível de indagação f‌ilosóf‌ica. A f‌ilosof‌ia não pode cuidar senão daquilo que tenha sentido de universalidade. Esta razão pela qual se faz f‌ilosof‌ia da vida, f‌ilosof‌ia do direito, f‌ilosof‌ia da história, ou f‌ilosof‌ia da arte. Falar em vida humana é falar também em direito, daí se evidenciando os títulos existenciais de uma f‌ilosof‌ia jurídica. Na f‌ilosof‌ia do direito deve ref‌letir-se, pois, a mesma necessidade de especulação do problema jurídico em suas raízes, independentemente de preocupações imediatas de ordem prática. Enquanto o jurista constrói a sua ciência partindo de certos pressupostos, que são fornecidos pela lei e pelos códigos, o f‌ilósofo do direito converte em problema o que para o jurista vale como resposta ou ponto assente ou imperativo. Quando o advogado invoca o texto apropriado da lei, f‌ica relativamente tranquilo, porque a lei constitui ponto de partida segura para o seu trabalho prof‌issional; da mesma forma, quando um juiz prolata a sua sentença e a apóia cuidadosamente em textos legais, tem a certeza de estar cumprindo a sua missão de ciência e de humanidade, porquanto assenta a sua convicção em pontos ou em cânones que devem ser reconhecidos como obrigatórios. O f‌ilósofo do direito, ao contrário, converte tais pontos de partida em problemas, perguntando: Por que o juiz deve apoiar-se na lei? Quais as razões lógicas e morais que levam o juiz a não se revoltar contra a lei, e a não criar solução sua para o caso que está apreciando, uma vez convencido da inutilidade, da inadequação ou da injustiça da lei vigente? Por que a lei obriga? Quais os limites lógicos da obrigatoriedade legal?

A missão da f‌ilosof‌ia do direito é, portanto, de crítica da experiência jurídica, no sentido de determinar as suas condições transcendentais, ou seja, aquelas condições que servem de fundamento à experiência, tornando-a possível. Que é que governa a vida jurídica? Que é que, logicamente, condiciona o trabalho do jurista? Quais as bases da ciência do direito e quais os títulos éticos da atividade do legislador? Eis aí exemplos da já apontada preocupação de buscar

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os pressupostos, as condições últimas, procurando partir de verdades evidentes, ou melhor, evidenciadas no processar-se da experiência histórico-social.3

Tratando a obra da elaboração de cálculos, cuja base é a matemática, ao mesmo tempo não podemos esquecer que os cálculos elaborados têm origem na norma jurídica e, portanto, torna-se importante o conhecimento da lógica jurídica, para a apuração do real sentido e dos verdadeiros valores que o legislador quis oferecer.

Essa premissa é fundamental.

O tema não está, e nem poderia estar, restrito a simples cálculo numérico, pois comporta divagações para que se obtenha a verdade.

Podemos, assim, oferecer o exemplo do 13º salário, cuja ocorrência se repete todos os anos, desde a sua criação em 1962, pela Lei n. 4.090/62.

Dispõe a Lei n. 4.749/65, no seu art. 2º, que alterou a lei original, que o empregador pagará, como adiantamento da gratif‌icação, metade do salário recebido pelo empregado no mês anterior, restando outra parte a ser paga no mês de dezembro de cada ano.

Diante disso, alguns pensadores podem desenhar que a segunda parcela do 13º salário será paga pela metade do valor do salário vigente em dezembro.

Assim, temos:

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