Introdução. Noções gerais

AutorCarlos Roberto Husek
Ocupação do AutorDesembargador do TRT da 2ª Região Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Membro da Academia Paulista de Direito, Membro da Comunidade de Juristas da Língua Portuguesa
Páginas21-55

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1. A sociedade internacional Conceito. Elementos

Quando se fala em sociedade tem-se em mente o conjunto de pessoas cujo comportamento se desenvolve em determinado espaço territorial, com padrões culturais comuns1.

Provém a sociedade de estágios históricos de convivência humana como a família, o grupo de famílias, as comunidades, e entre suas características principais temos: a permanência de seus membros, a organização e um objetivo comum.

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Darcy Azambuja ensina que a sociedade é a união moral de seres racionais e livres, organizada de maneira estável e eficaz para realizar um fim comum e conhecido de todos2.

Fácil apontar a sociedade circunscrita em um território como aquela a que pertencemos, dentro de um Estado. O Brasil forma uma sociedade específica, apesar das diferenças regionais, como ocorre em outros países. Entretanto, falar de uma sociedade internacional importa esforço de abstração.

Quais os elementos que formariam uma sociedade internacional?

Ora, se se trata de uma sociedade, necessariamente, tais elementos são os mesmos das sociedades internas: permanência, organização e objetivo comum.

O fenômeno comunicativo, entendido não só nos estritos parâmetros da linguagem falada ou escrita, mas nos gestos, sinais, símbolos, etc., ocorre num só espaço físico - o mundo -, repleto de artefatos radiofônicos e televisivos.

Hoje, muitos anseios e preocupações humanas constituem pontos comuns da América à Europa, desta à Ásia, da Ásia ao continente africano. Há uma prática reiterada de iguais hábitos e iguais padrões de comportamento em diversos locais do Planeta. Não se pode deixar de ver no ser humano um único ser, cada vez mais parecido.

Esse fato deve-se ao grande desenvolvimento das comunicações. Espantoso assistir pela televisão ao momento do ataque aéreo na guerra entre dois países, com explicações do repórter, que em poucas horas de voo se deslocou de seu trabalho ou de sua residência e chegou à cena dos acontecimentos.

Ramonet3 aponta dois paradigmas atuais que configuram a sociedade internacional: o mercado e a comunicação.

Não há como desenvolvermos esta complexa temática neste simples curso, mas vale a pena a reflexão, para dizer que se mostra correta a análise do doutrinador, posto que o chamado "mercado" - cerne e alma da globalização - nos dias de hoje, quase é reconhecido como uma entidade, e para alguns, perfeitamente identificável.

Por outro lado, o esgarçamento das fronteiras torna o mundo quase que uma realidade territorial única, o que faz repensar os conceitos ligados ao espaço físico, como componente objetivo do Estado e da existência de sua soberania.

Mais espantoso ainda é a velocidade das informações via internet, que no mesmo segundo atravessa o mundo e provoca reações, respostas, e produz efeitos jurídicos, validamente apreciáveis ou não. Pode-se praticar

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um ato jurídico ou um crime, ou até um ato político, por intermédio desse instrumento que veio revolucionar não só as comunicações, mas o próprio mundo, tornando-o, efetivamente, sem quaisquer fronteiras.

Ainda Ramonet, entende a comunicação, como fundamental e diz que ela substitui a ideologia do progresso: "A substituição da ideologia do progresso pela ideologia da comunicação implica reviravoltas de toda espécie. E embaralha a própria missão do poder político. Daí a rivalidade central, e cada vez mais discordante, entre poderes e os meios de comunicação de massa. Em particular, tal situação leva alguns dirigentes a rejeitar abertamente, objetivos sociais de primeira importância, estabelecidos - pela divisa `igualdade` e ´fraternidade`. O poder executivo considera esse novo paradigma mais bem cumprido, mais bem realizado, mais bem aplicado pela mídia do que por si próprio."4 Aliás neste binômio - comunicação e mercado - a comunicação, para o escritor, vem em primeiro lugar, e inadvertidamente o invertemos, face ao desenvolvimento do capítulo. A questão é de lógica, porquanto tudo, em termos sociais, políticos, econômicos e jurídicos, para não dizer de outros, é comunicação. A afirmação tem todo sentido, porque os sistemas que respaldam, criam ou são criados pelo poder, bem como este, sobrevivem e se fortalecem pela comunicação.

Não há dúvida que a comunicação e o mercado são colunas sobre as quais a sociedade global se edifica, ainda que a realidade da vida em sociedade não possa ser desenhada de forma tão simples e arquitetônica, uma vez que tais colunas são mais porosas, do que se possa imaginar, permitindo todas as formas de inserção psicológica e social, que faz deste mundo em que vivemos uma teia complexa, cuja compreensão foge das luzes de um só campo de estudo.

O homem não vive mais isolado, e isso já faz alguns séculos. Todavia, a interdependência, principalmente econômica e política, intensificou-se a partir da Segunda Guerra Mundial, com a formação de blocos de influência: de um lado, os países liderados pelos Estados Unidos, e, de outro, aqueles liderados pela União Soviética.

A organização do mundo em Estados e estes dentro de organizações maiores, como a das Nações Unidas, a paz que perseguem, a necessidade de mútuo auxílio, revelam os traços de uma única sociedade: a sociedade internacional.

A sociedade internacional é formada pelos Estados, pelos organismos internacionais e, sobretudo, pelos homens, como seres individuais e atuantes dentro de cada organização5.

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1.1. Sociedades internas e sociedade internacional: Características

Essa sociedade tem características que a distinguem das sociedades internas. Estas são fechadas, possuem uma organização institucional e demonstram uma obrigatoriedade dos laços que envolvem os indivíduos arrimada em normas de Direito Positivo, hierarquizadas, de estrutura rígida. A sociedade internacional, ao contrário, caracteriza-se por ser universal, igualitária, aberta, sem organização rígida e com Direito originário.

Universal porque abrange todos os entes do globo terrestre. Igualitária porque supõe igualdade formal entre seus membros, o que está estreitamente ligado ao conceito de soberania quanto aos Estados. Aberta porque todos os entes, ao reunirem certas condições, dela se tornam membros, sem necessi-dade de aprovação prévia dos demais. Não tem a sociedade internacional os poderes encontrados nos Estados: Legislativo, Judiciário e Executivo, pelo menos na forma em que estes são constituídos nas sociedades internas. Contudo, tem-se criado órgãos similares, como a Corte Internacional de Justiça da ONU, o Tribunal de Justiça do Tratado de Roma ou a Conferência Geral da OIT. A verdade é que os membros da sociedade internacional procuram reproduzir nesse âmbito, como é natural, por meio das organizações que criam, os institutos conhecidos nas sociedades internas.

Temos para nós, no entanto, que a hierarquização dificilmente ocorrerá, sendo a cooperação internacional a regra que motiva o relacionamento entre os membros.

É, por fim, a sociedade internacional uma sociedade descentralizada, tendo observado George Scelle que nela predomina o princípio do desdobramento funcional, no sentido de que os próprios Estados, os maiores autores e destinatários das normas internacionais, emprestam seus órgãos para que o Direito se realize, como menciona Albuquerque Mello6.

O mesmo autor lembra a opinião de outros estudiosos, contrária à existência de uma comunidade internacional nos termos acima enfocados, ante a constatação de três antinomias: a) de um lado, a ordem pública, que pressupõe uma estabilidade, e, do outro, a ideia de revolução; b) a ideia de cooperação e a ideia de soberania; e c) o direito à autodeterminação dos povos e a divisão do mundo em zonas de influência.

Não entendemos dessa forma. Tais aparentes contradições é que ensejam a necessidade da comunhão e da harmonia. Por incrível que pareça, o mundo atual é uma prova de que isso ocorre, porque, se assim não fosse,

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já de há muito não mais existiria, teria sido dizimado por uma guerra total. O espírito humano, ainda caminhando para o aperfeiçoamento, provoca conflitos localizados, e há sempre o perigo de uma nova guerra mundial; todavia, o esforço para a paz e o progresso é muito maior e acontece por intermédio das organizações criadas pelo homem (Estados, organismos, etc.).

1.2. Sociedade internacional Instinto gregário. Pulsões

O instinto gregário justifica a sociedade. Não podemos deixar de pensar que tal instinto gregário e a necessidade de acertar são consequências da pulsão de vida e as guerras e os desforços físicos, em...

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