A lei Nº 13.429/2017 ? um retrocesso no combate à escravidão contemporânea

AutorFernanda Bittencourt Pinto Coelho
Páginas209-231
Escritos Sobre Trabalho Escravo Contemporâneo
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A LEI Nº 13.429/2017 UM RETROCESSO NO COMBATE À ESCRAVIDÃO
CONTEMPORÂNEA
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Fernanda Bittencourt Pinto Coelho
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Resumo: O artigo faz um breve estudo do instituto da terceirização e sua
relação com o trabalho em condição análoga à de escravo. Posteriormente,
analisa duas das principais mudanças trazidas pela Lei 13.429/2017: a
quarteirização e a terceirização no meio rural, e seus possíveis impactos no
combate à escravidão contemporânea. Finalmente, demonstra como alguns
dispositivos da norma afrontam a Constituição de 1988, inclusive em princípios
importantes que norteiam todo o ordenamento jurídico.
Palavras-chave: Precarização. Terceirização. Trabalho escravo contemporâneo.
Trabalho temporário.
1 Introdução
Quase cento e trinta anos após a Lei Áurea ser sancionada, extinguindo
formalmente a escravidão em terras brasileiras, o trabalho em condição
análoga à de escravo ainda é um sério problema no país. A fiscalização
trabalhista libertou, de 2012 a 2016, uma média de mil oitocentos e quarenta e
cinco trabalhadores por ano dessas condições, conforme informações
disponíveis no site do Ministério do Trabalho (GRUPO ESPECIAL DE
FISCALIZAÇÃO MÓVEL,2017)
3
. E esse número é pequeno, considerando a
estimativa de que há, no Brasil, mais de cento e cinquenta mil pessoas
submetidas ao trabalho análogo à escravidão (GLOBAL SLAVERY INDEX, 2016).
As políticas brasileiras de combate à escravidão contemporânea têm
sido reconhecidas internacionalmente. A
Walk Free Foundation,
ONG de
1
Artigo apresentado no congresso
Trabalho Escravo Contemporâneo Desafios e Perspectivas
,
em julho de 2017.
2
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, pós -graduada em Direito do
Trabalho e Previdenciário pelo Centro de Atualização em Direito (CAD). Contato:
fbpcoelho@gmail.com
3
Esse resultado foi obtido pelo acesso dos relatórios de 2012 a 2016 e cálculo da média de
trabalhadores em condições análogas à de escravo encontrados.
Escritos Sobre Trabalho Escravo Contemporâneo
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destaque nesse tema, mencionou em seu compilado de 2016 o Brasil como um
dos países que mais se esforça para erradicar o trabalho escravo (GLOBAL
SLAVERY INDEX, 2016, p.11). A Organização Internacional do Trabalho (OIT)
também reconheceu as boas práticas do governo em documento enviado em
abril de 2016, em que também incentivou que o Brasil permanecesse nesse
caminho (GLOBAL SLAVERY INDEX, 2016, p.5).
Nas últimas três décadas, foram criados os Grupos Móveis de
Fiscalização, os Planos Nacionais de Combate ao Trabalho Escravo, a “Lista
Suja” do Ministério do Trabalho, dentre outras medidas. Ademais, o conceito
presente na legislação brasileira de trabalho em condição análoga à de
escravo artigo 149 do Código Penal - é mais completo que o conceito de
“trabalho forçado” presente nas convenções 29 e 105 da Organização
Internacional do Trabalho.
No entanto, o ano de 2017 se iniciou com a aprovação de uma lei que
pode representar um grande retrocesso no combate ao trabalho escravo no
Brasil. A Lei 13.429 (BRASIL, 2017), em vigor desde o dia 31 de março de 2017,
alterou a Lei de Trabalho Temporário (Lei nº 6.019/1974). Diversas mudanças
foram feitas, inclusive regulamentando a terceirização que até então era
regida pela jurisprudência sumulada no enunciado nº 331 do Tribunal Superior
do Trabalho (TST).
O instituto da terceirização tem estrita conexão com o trabalho escravo,
vez que também provoca, grande parte das vezes, a precarização das
condições de trabalho. O objetivo deste artigo, portanto, é analisar as
inovações presentes na Lei 13.429/2017 e como ela pode influenciar o combate
à escravidão contemporânea.
Este artigo foi construído com base em revisão bibliográfica. Leitura e
estudo de livros, artigos científicos e reportagens sobre os assuntos
abordados foram relacionados à análise do conteúdo da lei. O objetivo é
prever alguns possíveis impactos da alteração legislativa nos desafios do
combate ao trabalho escravo contemporâneo.

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