Liberdade ao Trabalho

AutorCélio Pereira Oliveira Neto
Ocupação do AutorAdvogado, Doutorando, Mestre e Especialista em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Páginas45-70

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Primeiramente, é importante dizer que este tópico não tem por objetivo, e nem fará menção às condições de trabalho, ao trabalho digno, ao trabalho mediante justa retribuição, ao salário mínimo que propicie uma vida com dignidade, ao trabalho em ambiente saudável, nem mesmo quanto à necessidade de políticas eficazes para o pleno emprego como instrumento de concretização do direito fundamento ao trabalho.

Todos esses direitos derivam do próprio direito ao trabalho, e são tão relevantes que não se poderia passá-los de sobrevoo, e ainda escapando do objeto deste estudo. Nesse diapasão, o escopo é tratar o direito de livre exercício ao trabalho somente como contraponto ao tema proposto, que é a cláusula de não concorrência no contrato de emprego.

2.1. Breve histórico

Para tratar do breve histórico, este ensaio foi separado em evolução do trabalho em nível global, mediante a apresentação dos fatos mais marcantes, e o desenvolvimento da proteção ao trabalho junto às diversas constituições nacionais.

2.1.1. Evolução no mundo

Na Idade Média, o trabalho não era valorizado - muito ao contrário. O momento era de escravidão, de sorte que o homem não era livre, tratado como merca-doria negociável, desprovido de direitos, nem sequer podendo contrair obrigações.

Diferentemente dos dias atuais, o trabalho era visto como algo de "seres inferiores". Na Grécia antiga, justificava-se a escravização pela necessidade de labor, que seria inerente às condições da vida humana, e a liberdade só se alcançava quando o homem ficava livre do trabalho, podendo, a partir de então, se dedicar à contemplação.1

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Os escravos - tratados como coisas - eram arrendados para outros senhores. Com o passar do tempo, até mesmo cidadãos mais simples, porém livres, passaram a arrendar escravos.2

Durante o período feudal, a partir dos séculos V a Ix, surge a figura do servo, que prestava serviços ao seu senhor, porém, diferentemente do escravo, possuía a reconhecida qualidade de pessoa, na medida em que poderia constituir família. É bem verdade, contudo, que não gozava de ampla liberdade, vez que entregava toda a sua produção ao senhor feudal em troca de pseudoproteção.

Surge, então, a necessidade de aquisição de produtos fora dos limites dos feudos, mediante trocas, com o que se evolui para as corporações de ofício, que, ao início, eram constituídas por mestres - reconhecidos como tais pelas aptidões profissionais ou por terem executado uma obra-prima.

As corporações passaram a monopolizar a profissão, a ponto de impedir os que destas não fossem membros de desenvolver atividades no seio urbano. Esse quadro caminhou para uma restrição da liberdade ao trabalho, na medida em que foi limitado o número de aprendizes e alongado o prazo de aprendizado, sem falar na restrição ao trabalho do artesão estrangeiro.

Nem mesmo a contraprestação pelo trabalho poderia ser livremente fixada, mas, sim, determinada pelas corporações - a quem cabia não só toda a regulamentação das condições de trabalho, como também o monopólio da fabricação e da comercialização, neutralizando a concorrência.

O Édito de Turgot, de 1776, ao mesmo tempo em que representa a origem da livre iniciativa, também proclama de igual modo a liberdade ao trabalho.

A Revolução Francesa de 1789 não só acentuou a concorrência conforme já exposto, como também trouxe os ideais de igualdade, liberdade e fraternidade. Dentro do ideal de liberdade, inseria-se o trabalho sem restrição, o que era incompatível com a manutenção das corporações de ofício.

Com a Revolução Industrial, insere-se marco na liberdade de escolha do trabalho, rompendo com a ideologia das corporações de ofício.3

O já mencionado decreto d’Allarde, de 1791, enunciava a liberdade de exercício não só de qualquer negócio, mas também de ofício, profissão ou arte, desde que mediante a paga de um imposto, taxas e sujeição aos regulamentos de polícia aplicáveis.

A Constituição Francesa de 1848 garantia a liberdade de trabalho, e enunciava que a sociedade favorece e encoraja o desenvolvimento do trabalho, consoante disposição inserida em seu art. 13.4

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A Carta Encíclica Rerum Novarum, de autoria do Papa Leão XIII em 1891, trata do trabalho em sentido amplo, aduzindo que não se pode exigir do homem labor além das suas forças. No que diz respeito ao presente estudo, destaca-se que:

  1. o meio universal de buscar comida e vestimenta está no trabalho5;

  2. nem o capital pode subsistir sem o trabalho, nem o inverso6;

  3. o trabalho, por sua natureza, implica pessoalidade, e o fruto do trabalho é necessário ao homem para a defesa de sua vida7,

  4. em nenhum momento falte trabalho ao obreiro.8

Em 1917, a Constituição do México9 representou importante baliza, pois inaugurou o constitucionalismo social, versando expressamente acerca da liberdade de trabalho, que só pode ser vedada por determinação judicial quando coloque direitos de terceiro em risco, ou por resolução governamental nos termos da lei. De igual modo, dispõe que cabe à lei determinar quais profissões necessitam de título para seu exercício.

Em 1919, por meio do Tratado de Versalles, Parte XIII, foi criada a Organização Internacional do Trabalho, tendo por escopo, em apertada síntese, buscar a realização de direitos mínimos indispensáveis, próprios da dignidade da pessoa humana, com o objetivo de promover a paz, que deve se assentar sobre a justiça social.

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No mesmo ano, na Alemanha, é proclamada a Constituição de Weimar, que reconheceu diversos direitos fundamentais aos cidadãos, inclusive dedicando uma parte exclusiva a esses direitos, denominada direitos e deveres fundamentais dos alemães - reconhecendo o direito ao trabalho de modo expresso.

Em 1948, passados os horrores da Segunda Grande Guerra, foi firmada a Declaração Universal dos Direitos do Homem10, que consagra a dignidade da pessoa humana, consignando em seu bojo que toda pessoa tem direito ao trabalho, e à livre escolha do trabalho, bem como a condições equitativas e satisfatórias de trabalho, assim como proteção contra o desemprego.

Possui natureza de declaração, o que lhe retiraria o caráter normativo a vincular os Estados-Membros. Pensa-se, contudo, que, inobstante o caráter declaratório, por conter princípios que são inerentes à própria essência da Organização das Nações Unidas, e pela relação direta à dignidade da pessoa humana, possui valor de preceito a ser observado, de importância inestimável, devendo, portanto, ser recebido na ordem jurídica internacional, vinculando aos países membros da ONU, tal como se pretende vincular os Estados-Membros da OIT ao cumprimento de suas diretrizes ainda que não tenham ratificado a convenção relativa ao tema.

Não se olvida ainda que, em razão do caráter formal de declaração, e portanto, em tese não vinculante, foram firmados pactos com o escopo de reconhecer os direitos humanos, no sentido de buscar a sua efetividade.

A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, aprovada na Nona Conferência Internacional Americana, de 1948, em Bogotá, em seus considerandos, no que interessa ao presente trabalho, aponta que: a) os povos americanos dignificaram a pessoa humana; b) os direitos essenciais do homem não derivam do fato de ele ser cidadão de determinado Estado, mas sim decorrem dos atributos da pessoa humana.

O art. XIV da Declaração11 trata do Direito ao Trabalho e a uma justa retribuição, e enuncia não só direito ao trabalho, mas o trabalho em condições dignas, e a liberdade para seguir sua vocação, observadas as oportunidades de emprego. E esse direito está fundado na dignidade da pessoa humana, na medida em que o direito ao trabalho, na qualidade de megadireito, se tornou razão de reconhecimento do ser perante a sociedade, de modo que se atrela diretamente ao direito de

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reconhecimento da personalidade e exercício de direitos fundamentais, relacionado no art. XVI12 da Declaração Americana dos Direitos do Homem e do Cidadão.

Representa igualmente um dever, consoante relacionado no art. XXXVII13 da

Declaração, que enuncia o dever que a pessoa tem de trabalhar, observadas as suas capacidades e possibilidades, com o escopo de obter recursos para sua subsistência ou em benefício da coletividade.

O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos14, de 1966, reforça os princípios da Carta das Nações Unidas, baseando-se no reconhecimento da digni-dade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis, e aduzindo que os direitos previstos na Declaração Universal dos Direitos do Homem não podem se realizar sem o desfrute das liberdades civis e políticas.

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, de 1969, reafirma, no preâmbulo, o respeito aos direitos essenciais do homem, atribuindo os em decorrência da qualidade de pessoa humana.

O Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, conhecido como "Protocolo de San Salvador", traz disposição expressa relativa ao trabalho, ao prescrever o direito de toda pessoa ao trabalho, o que inclui a oportunidade de obtenção de uma vida digna e decorosa por meio do exercício de uma atividade lícita, e livremente escolhida ou aceita, e, ainda, o comprometimento dos Estados-Parte a adotar medidas que garantam a plena efetividade do direito ao trabalho.15

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A Declaração sobre o Progresso e Desenvolvimento Social da ONU, contida na Resolução n. 2.542 (XXIV), de 11.12.1969, também trata da garantia de exercício do direito ao trabalho, e da livre escolha do trabalho.16 A Resolução n. 34/1946 da...

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