Limbo trabalhista-previdenciário

AutorFabiano de Oliveira Pardo
Páginas74-87

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Com as premissas fixadoas nos tópicos anteriores, pode-se, então, de maneira mais apro- fundada, abordar a celeuma jurídica a respeito do limbo trabalhista-previdenciário.

Como ponto de partida para tal discussão, sugere-se a análise inicial do afastamento previdenciário. Explica-se:

Uma vez instalada a incapacidade para o trabalho ou para sua atividade habitual, por motivo de doença ou acidente, o segurado poderá requerer junto ao INSS a concessão de benefício de auxílio-doença, desde que cumpridos os requisitos da Lei previdenciária.

O principal requisito para a concessão do benefício de auxílio-doença é a constatação da incapacidade para o trabalho ou atividade habitual, cabendo a avaliação pericial realizada por médico perito oicial.

Porém, é comum a ocorrência de divergências na avaliação da capacidade laborativa realizada entre o médico perito previdenciário e a avaliação clínica do médico da empresa.

Nestas situações pode-se ocorrer o citado limbo trabalhista-previdenciário, consubstanciado na seguinte situação:

Cessado o benefício previdenciário por meio da alta médica administrativa decretada pelo INSS, ou após o segurado ter sido considerado capacitado para realização de sua atividade habitual, pelo médico perito do INSS.

Nesse contexto, se afastado por mais de trinta dias, o segurado deverá passar por exame médico de retorno ao trabalho, realizado por médico do trabalho indicado pela empresa.

Contudo, pode ser que ocorra que o médico do trabalho ateste a inaptidão laboral do empregado, por entender que ele não reúne condições de saúde para retornar nas atividades habituais.

Assim, o empregado é considerado capacitado pelo INSS, que não fará o pagamento do benefício previdenciário e, ao mesmo tempo, não consegue retornar para a empresa, por ter sido considerado inapto ao trabalho e, portanto, não receberá salário.

Para a melhor conceituação do assunto, pede-se a devida venia para transcrever trecho do parecer emitido pela Associação Paulista de Medicina do Trabalho, que esclarece:

Quando ocorre a divergência entre a posição da perícia do órgão segurador e a do Médico do Trabalho da empresa, o trabalhador passa a transitar em terreno incerto, pois não retorna ao labor e permanece sem a segurança do aporte financeiro do INSS. É o que se convencionou denominar informalmente de “limbo”, termo comumente utilizado nas discussões de bastidores entre Médicos do Trabalho em referência à situação descrita.

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Ainda, no campo conceitual, sobre a ocorrência com frequência do “Limbo Jurídico Previdenciário-Trabalhista” Marcos Henrique Mendanha (2015, p. 26), refere:

Ocorre que muitas vezes (muitas mesmo!) o INSS qualiica o segurado como “capaz” enquanto o Médico do Trabalho/”Médico Examinador” o julga como “inapto”. Conquanto estejamos tratando de legislações diferentes (previdenciária – Lei n. 11.907/2009, e trabalhista – NR-7), por terem repercussões fáticas interligadas (consubstanciadas no chamado “limbo trabalhista-previdenciário”.

Além da situação narrada acima, ocorre, também, do Órgão Previdenciário, atestar que o segurado não está incapacitado para o exercício da atividade laboral. Airmar que é de responsabilidade do empregador readequar o trabalhador em atividade compatível com suas limitações, mudando o mesmo de função que não prejudique sua saúde.

Nestes casos, a empresa pode aceitar a indicação ou declarar que o empregado não apresenta condições de saúde para retornar ao trabalho, assim mantê-lo afastado e reencaminhá-lo para o INSS.

7.1. Incapaz para o trabalho é igual a inapto para o trabalho?

Ao médico perito do INSS cabe avaliar a capacidade ou incapacidade laborativa do segurado para fins previdenciários e possível concessão de benefício, ao médico do trabalho da empresa, cabe à avaliação da aptidão ou inaptidão do empregado, com o intuito de preservação da saúde e integridade física do trabalhador.

O art. 59 da Lei n. 8.213/1991 dispõe que: o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Com a leitura do presente artigo, observa-se, que cabe ao INSS avaliar se o segurado está “incapacitado”, ou seja, está capaz ou incapaz para o trabalho ou atividade habitual.

Por outro lado, a alínea “e” do item 7.4.4.3 da NR-7, dispõe que:

O ASO deverá conter no mínimo:

[...]

e) definição de apto ou inapto para a função específica que o trabalhador vai exercer, exerce ou exerceu.

Dessa forma, é possível observar que ao médico do trabalho, cabe a avaliação da aptidão ou inaptidão do trabalhador, para a função que vai exercer, exerce ou exerceu.

Como visto, a perícia médica previdenciária avalia se o segurado está capaz para o seu labor habitual, já no exame médico de retorno ao trabalho, o médico do trabalho avalia se o trabalhador está apto para realizar suas atividades habituais.

Marcos Henrique Mendanha (2015, p. 41), não concorda com essa diferenciação, e airma em sua opinião que “Incapaz ao trabalho” equivale a “Inapto ao trabalho”, porém registra que:

Sabemos que muitos médicos não pensam assim, opiniões que respeitamos. Essa divergência é compreensível; o Médico Perito do INSS está sujeito às legislações

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previdenciárias (Lei n. 8.213/1991 e outras) enquanto o Médico do Trabalho/“Médico Examinador” está sujeito às legislações trabalhistas (CLT, NR-7 e outras). As legislações previdenciárias e trabalhistas podem, em alguns temas, não estar em sintonia. Essa falta de uniformidade das normas e um terreno fértil para toda sorte de interpretações e inúmeros conlitos, o que é lamentável, especialmente pelo fato de ser o trabalhador o maior prejudicado por esses desentendimentos.

Para embasar a discussão proposta, novamente, traz-se o conceito de aptidão definido no parecer da Associação Paulista de Medicina (APMT, 2012):

O conceito de aptidão é mais amplo e engloba a capacidade. Na Medicina do Trabalho, mesmo que um trabalhador seja capaz de desempenhar determinada atividade laborativa, isso não é suficiente para considerá-lo apto para realizar determinada atividade laborativa ou assumir determinada função. Todo aquele que é apto a uma determinada função é capaz, mas nem todo aquele que é capaz de desempenhar uma função pode ser considerado apto.

O sentido da atuação do Médico do Trabalho da empresa reside exatamente em avaliar a aptidão. É o único que pode fazê-lo criteriosamente, pois é aquele que conhece efetivamente o ambiente de trabalho e todas as atividades desempenhadas por cada profissional da empresa.

Não basta identificar se um trabalhador é capaz de desempenhar determinada função. O fundamental para a preservação da saúde do trabalhador é avaliar se, mesmo capaz, o desempenho de determinada função pode gerar ou agravar doenças no trabalhador. A função do Médico do Trabalho, dentre outras coisas, é avaliar a APTIDÃO.

No campo prático, pode-se traduzir os conceitos teóricos da seguinte forma:

Se um determinado empregado trabalha em um setor de armazém de sacaria e precisa ter a capacidade de carregar e armazenar sacas de 50 kg. Após algum período trabalhando nessa função, se afasta de suas atividades laborais por estar acometido de hérnia discal e, após passar por perícia médica do INSS, onde foi constatada a incapacidade laboral, sendo concedido o benefício de auxílio-doença.

Passado 03 (três) meses do início do afastamento, antes da cessação do benefício, o segurado solicita a prorrogação do benefício, passando por nova perícia médica do INSS. Nessa ocasião o perito, ao avaliar a capacidade, por não conhecer a proissiograia do trabalho, entende que o segurado tem capacidade para retornar a suas atividades laborais, pois tem capacidade para pegar peso.

Ao passar pelo médico do trabalho, no exame de retorno ao trabalho, é feita uma avaliação minuciosa da capacidade laboral, relacionando o que ele faz, como faz, quando faz, onde faz, com frequência, intensidade e velocidade faz, ou seja, como é o ambiente e quais as condições de trabalho (como é desenvolvida a atividade de carregador de sacas, quantas sacas carrega por dia, hora, minuto etc. se há condição ergonômica, se há rodizio de atividade, se há pausas, entre outras).

Assim, o médico o considera inapto, pois retorná-lo ao exercício das atividades habituais, pode agravar e colocar em risco o seu estado de saúde.

Nesse caso, o trabalhador pode ter capacidade para carregar peso, porém não pode realizar determinada atividade, pois essa colocaria em risco a sua integridade física, ou seja, não está apto (inapto) para o exercício desta função.

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Como visto a avaliação da aptidão/inaptidão é muito mais ampla do que a apenas a avaliação da capacidade (capaz/incapaz).

Não seria ousado dizer que, para a avaliação destes conceitos e concessão de atestado de aptidão funcional, o médico do trabalho é o mais indicado para fazê-lo criteriosamente, pois é aquele que conhece efetivamente o ambiente de trabalho e todas as atividades desempenhadas.

Porém, esse encargo também cabe ao médico perito do INSS, pois conforme art. 2º,

inciso II, da Lei n. 10.876/2004, compete ao Perito-Médico da Previdência Social, a inspeção nos ambientes de trabalho dos segurados para fins previdenciários.

7.2. Ordem preferencial para avaliação da capacidade Qual decisão deve prevalecer a do médico perito ou do médico do trabalho?

Nos termos do art. 60, §§ 3º e 4º, da Lei n. 8.213/1991, é de responsabilidade do empregador, o pagamento do salário integral de seus empregados, afastados por motivo de doença, pelos primeiros 15 dias, cabendo a empresa que dispuser de serviço médico (próprio ou...

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