Mulheres refugiadas e a violência de gênero

AutorMaria Fernanda de Oliveira Dyma Martins
Páginas21-23
21
ORGANIZADORA
PAULA WOJCIKIEWICZ ALMEIDA
A. A.
ANÁLISES DE ATUALIDADES INTERNACIONAIS
MULHERES REFUGIADAS E A VIOLÊNCIA DE
GÊNERO
Criado “Não se nasce
mulher, torna-se mulher”. A
célebre reflexão de Simone
Beauvoir demonstra o impacto
de fatores culturais e externos na
formação dos traços internos do
indivíduo. A mulher nasce apenas
com suas propriedades biológicas,
sendo as demais características
normalmente atribuídas ao
feminino, fruto de convenções
sociais construídas ao longo da
história, externas à sua vontade.
As mulheres refugiadas, além de
estarem expostas aos estigmas
de gênero comuns às pessoas
pertencentes ao gênero feminino,
sofrem ainda com as dificuldades
de refúgio no mundo atual.
Assim como suas características
femininas são pautadas por
fatores externos, sua fuga é
causada por conflitos alheios, que
marcam suas vidas e até mesmo
seu modo de ser. Impactam seu
psicológico, remodelam suas
famílias e sua segurança. São
violentadas e objetificadas. Seus
corpos tornam-se moeda de troca
para sua sobrevivência e de suas
famílias.
Em territórios que
experimentam situações de
guerra e conflito armado,
constatamos que as mulheres
são sempre as que sofrem
as mais graves violações e a
maior exposição. Exposição
da sua casa, da sua família e
do seu próprio corpo que, não
raramente, passa a ser mera
moeda de troca no conflito.
A objetificação dessas
mulheres passa, muitas
vezes, despercebida pelas
autoridades internacionais
e poucas providências são
tomadas para garantir
a manutenção da sua
dignidade. Em busca de salvar
sua própria vida, essa mulher
precisa fugir e é levada
a tomar decisões duras,
envolvendo a manutenção
da sua liberdade, o futuro
dos filhos e a preservação
da sua família. (VIDAS
REFUGIADAS: O projeto.
2006).
Em meio a tantos problemas,
a invisibilidade aparenta ser
Por Maria Fernanda Dyma Martins*
o maior risco que correm. A
falta de percepção da violência
sofrida por essas mulheres por
parte das autoridades faz com
que a violência se perpetue. Isso
porque, apesar de terem escapado
dos horrores da guerra, elas
ainda sofrem com a violência
e a insegurança nos campos de
refugiados e demais destinos de
refúgio.
Considerando esse problema, foi
desenvolvido em novembro de
2015 um relatório para averiguar
os riscos presentes no trajeto de
mulheres e meninas refugiadas
na Grécia e na Macedônia.
Elaborado em conjunto pelo Alto-
Comissariado das Nações Unidas
para Refugiados (ACNUR), o
Fundo de Populações das Nações
Unidas (UNFPA) e a Comissão
para Mulheres Refugiadas (WRC,
sigla em inglês), esse relatório
conclui que as mulheres são o
grupo mais vulnerável dentre os
refugiados.
No documento, são narrados
casos preocupantes enfrentados
por mulheres na região, como o
de Oumo, uma jovem de um país
africano subsaariano afetado por
conflitos. Ela fugiu do seu país
de origem devido a perseguições
políticas à sua família, que
culminaram no assassinato de seu
cunhado e no desaparecimento de
sua irmã.
Receosa por sua vida viajava
sozinha para a Alemanha.
Enquanto se direcionava à Grécia,
Oumo foi forçada a se envolver
em sexo transacional por duas
vezes. Na primeira para acessar
um passaporte falso e na segunda
para conseguir uma passagem em
um barco da Turquia. “Eu não tive
escolha”, explicou Oumo. Após
chegar a uma ilha grega, Oumo
ficou desabrigada, sem qualquer
privacidade ou informações
sobre os serviços disponíveis para
ela, que ainda não conseguiu se
registrar.
Ao final, o relatório destaca
algumas soluções direcionadas
aos governos dos países europeus
e à própria União Europeia como
formas de reduzir o problema. São
elas:
1. Estabelecer um sistema
de resposta coordenada para
a proteção de mulheres e
meninas dentro e fora das
fronteiras;
2. Reconhecer os riscos
de proteção, capacitar
funcionários e criar
procedimentos específicos
para prevenir, identificar e
responder à violência sexual
e de gênero;
3. Garantir que as respostas
à violência sexual e
de gênero não façam
com que as mulheres
parem de denunciar os
acontecimentos, ou deixem
de acessar esses serviços; e
4. Fornecer vias legais para
a proteção, especialmente
para mulheres, crianças e
sobreviventes de violência
sexual e de gênero, incluindo
o reagrupamento familiar, e a
priorização do realojamento
e reinstalação para
refugiados com necessidades
específicas.
Essas propostas não visam
apenas à prevenção da violência
de gênero contra as refugiadas.
Elas também buscam um modo
de retirar da invisibilidade
as agressões que ocorrerem,
recorrendo aos governos para
que estes possam capacitar seus
funcionários em função dessa
questão, garantindo meios legais
e com maior transparência para a
proteção desse grupo.
Essa não foi a primeira vez que
o ACNUR focou seu olhar no
problema da violência de gênero
enfrentada pelas mulheres
refugiadas. No ano de 2001,
a instituição traçou cinco
compromissos de auxílio às
mulheres refugiadas:
(1) Promover a participação
ativa de mulheres refugiadas
em funções representativas
nos campos de refugiados,
alcançando uma taxa de 50%.
(2) Oferecer registro e
documentação individual
adequada para todas
as mulheres e homens
* Graduando em Direito pela
Faculdade de Direito da Fundação
Getulio Vargas (FGV DIREITO RIO).
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