O peso da História em uma zona de influência: a interferência ilícita russa na Ucrânia e a anexação da crimeia

AutorPaulina Boéchat
Páginas24-27
24 GLOBAL LAW IN CONTEXT
CÁTEDRA JEAN MONNET DA FGV DIREITO RIO - [VOLUME 2]
A.
ANÁLISES DE ATUALIDADES INTERNACIONAIS
O PESO DA HISTÓRIA EM UMA ZONA DE INFLUÊNCIA:
A INTERFERÊNCIA ILÍCITA RUSSA NA UCRÂNIA E A
ANEXAÇÃO DA CRIMEIA
Desde 2013, a Ucrânia
foi paulatinamente ganhando a
atenção da mídia internacional
devido à crescente instabilidade
que tomou conta do país, até que
em 2014, estourou o que ficou
conhecido como a crise da Crimeia,
levando a província autônoma a
separar-se, questionavelmente, e
reanexar-se à Federação Russa.
Devido a esses anos tumultuados,
na região da fronteira leste
ucraniana com a Federação
Russa, a Ucrânia, após ressaltar
suas muitas tentativas falhas
de dialogar com seu vizinho,
entrou com uma aplicação
perante à Corte Internacional de
Justiça no dia 16 de janeiro de
2017, visando responsabilizar a
Rússia pela Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação Racial (CERD)
e pela Convenção para a Supressão
do Financiamento do Terrorismo
(CSFT). Juntamente com sua
Aplicação, a Ucrânia alojou um
pedido de Medidas Provisórias a
serem tomadas contra a Rússia,
visando resguardar os direitos das
populações ucranianas e crimeias,
fazendo cessar e impedir a Rússia
de continuar com suas atividades
ilegais.
Como reconta em sua Aplicação, a
Ucrânia tem um longo passado com
a Federação Russa. De fato, sendo
área de interesse durante a Guerra
Fria, e até mesmo remontando
à época dos Czares Imperiais, a
Ucrânia sempre viveu explícita ou
implicitamente subjugada a seu
enorme vizinho.
Nesse sentido, quando em 2013,
a Ucrânia estava em negociações
para fazer um amplo Acordo de
Associação com a União Europeia
(UE), visando fortalecer ainda
mais seus laços e preparar
uma tão desejada integração, a
Rússia ameaçou impor sanções
econômicas unilaterais, além
de cortar o fornecimento de gás
para a Ucrânia durante o inverno.
No mais, exercendo pressão
sobre o então eleito Presidente
Yanukovych, a Rússia conseguiu
que este desistisse do acordo,
desencadeando um verdadeiro
backlash” na forma de diversos
protestos populares que ficaram
Por Paulina Boéchat*
conhecidos como a “Revolução da
Dignidade”. Após usar de força
bruta para repelir os protestos,
o Presidente foi deposto e fugiu
para a Rússia, fazendo com que
o Parlamento Ucraniano fixasse
datas para uma nova eleição de
emergência. Já tendo financiado
e provido armas ao Presidente
Yanukovych para lidar com
os protestos, após sua fuga, a
Federação Russa intensificou
seus esforços na já almejada e
estratégica região da Crimeia,
contendo bases russas para o
Mar Negro. Aproveitando-se da
instabilidade que gerou na Ucrânia,
a intervenção russa, provendo
armas, treinamento, inteligência e
demais recursos culminou em um
“referendo” feito pela Crimeia, em
que a região decide separar-se da
Ucrânia para depois anexar-se à
Rússia.
Violações à CSFT
Quanto à CSFT, a Aplicação
destaca três grupos de insurgentes
terroristas em particular, porém
não exaure as possibilidades de
proxies russos a elas, sendo esses,
principalmente os Donetsk People’s
Republic (DPR) e Luhansk People’s
Republic (LPR), além dos Kharkiv
Partisans. De fato, em nenhum
momento a Rússia interveio
diretamente em território
ucraniano, no entanto, o que se
alega é que ela usou de supostos
grupos rebeldes e insurgentes.
No entanto, de acordo com a
Convenção, empregar tais grupos,
dando-lhes apoio financeiro,
inteligência militar, armamento,
treinando-os e dirigindo-os, tendo
o controle efetivo sobre eles, enseja
a responsabilidade internacional
do Estado.
O critério do controle efetivo pode
ser encontrado na construção
jurisprudencial da própria CIJ,
sendo estabelecido no caso Military
and Paramilitary Activities in and
against Nicaragua (1986), em que
ela define, em seu Julgamento, que
para atos de grupos seccionistas
ou paramilitares sejam atribuídos
a Estados, estes devem ter
dependência completa daquele
Estado. Em outras palavras, para a
Corte, não basta apenas um Estado
prover armamento, financiamento,
treinamento e logística, mas o
Estado deve dirigir as operações
táticas, direcionando tal grupo,
fazendo com que ele não haja de
própria vontade, mas seguindo
os comandos do referido Estado.
Como se percebe, a ligação entre
o Estado e os grupos seccionistas
deve ser tão estreita a ponto de
serem, em todos os aspectos exceto
o formal, um braço do Estado.
A própria Aplicação ucraniana
cita declarações russas, feitas
pelo Presidente Vladmir Putin
à BBC News, em que ele explica
todo o processo de tomada da
Crimeia, corroborando para a tese
ucraniana da direção expressa
russa dos grupos seccionistas que
agiram no território, culminando
em sua anexação.
Ressalta-se também o abatimento
do voo MH17 da Malaysian
Airlines em julho de 2014. A
aplicação ucraniana relata que
no início daquele mês a Rússia
teria entregado um míssil “Buk
– o mesmo modelo que atingiu
o avião da Malaysian Airlines –
à DPR e seus associados. O voo
foi abatido sobrevoando a área
de Donetsk, controlada pela
DPR, como determina o parecer
da “Joint Investigation Team”
(JIT), apontada pela ONU para
investigar o ocorrido. A aplicação
inclusive apresenta como prova
um vídeo postado pelo líder do
DPR reivindicando a autoria do
ataque, porém, após o rebuliço da
Comunidade Internacional, o vídeo
foi deletado. Esse ataque matou
cerca de 298 pessoas, incluindo um
grupo de proeminentes cientistas
e pesquisadores a caminho
da Conferência Internacional
sobre AIDS em Melbourne,
ensejando a rejeição e demanda de
responsabilização da Comunidade
Internacional, demonstrada pela
Resolução 2166/2014 do Conselho
de Segurança.
Por isso, a Ucrânia acusa a
Rússia de violações aos artigos
8, 9, 10, 11, 12 e 18 da referida
Convenção. Dentre as violações,
encontram-se o financiamento,
provimento de armas, treinamento
a grupos armados ilegais, e a
1. ARTIGOS

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