Norma, fato e relação como conceitos jurídicos básicos

AutorLourival Vilanova
Páginas175-202
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Capítulo VIII
NORMA, FATO E RELAÇÃO COMO CONCEITOS
JURÍDICOS BÁSICOS
SUMÁRIO: 1. Relatividade do conceito de fato - 2. Direito sub-
jetivo e relação jurídica - 3. Dever jurídico/direito reflexo - 4.
Direitos mais que reversos de deveres - 5. Direitos potestativos
e relações jurídicas - 6. Indefinição do conceito de relação jurí-
dica - 7. Relação jurídica: conceito fundamental - 8. Duas atitu-
des - 9. Uma observação crítica - 10. Uma sinopse.
1. Relatividade do conceito de fato
O conceito de fato jurídico é conceito-limite. Fora do
conjunto de fatos jurídicos, ali onde nenhuma norma alcance
o fato para relacioná-lo com efeitos jurídicos, há fato juridi-
camente neutro, juridicamente irrelevantes. Sempre que o
mero fato natural relação alguma mantenha com a conduta
humana, inexiste relevância normativa para convertê-lo em
fato causa ou fato efeito. O juízo de relevância é um juízo-de-
valoração que o sistema jurídico faz diante dos fatos.
No interior do sistema de normas, todavia, o conceito
de fato é relativo. Assim, a relação jurídica entre os sujeitos
A e B, a respeito do objeto C (prestação ou coisa) é factual:
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CAUSALIDADE E RELAÇÃO NO DIREITO
advém da manifestação de vontades concordantes, ou de ma-
nifestação unilateral de vontade de A em favor de B, que a
desconhecia, ou de ato ilícito de A. A mesma relação R, que
é efeito, pode advir de causas C’, C”, C’’’, cumulativa ou al-
ternativamente. Não há sempre relação de correspondência
unívoca entre a causa e o efeito. A obrigação de entregar coi-
sa móvel provém de diversos negócios jurídicos: de compra e
venda, de doação, de comodato, de locação. Em cada negócio
jurídico, a causa difere, enquanto a relação obrigacional de
prestar pode ser a mesma: foram diversos os fatos jurídicos,
na espécie de fatos jurígenos – fatos produtores de efeitos
jurídicos.
Isso tanto ocorre na relação jurídica material quanto na
relação jurídica formal. Dada a qualificação pré-processual
de ser portador de direito de ação, e dado o exercício desse
direito em face do órgão jurisdicional, surge a relação linear
autor/juiz. Tal relação é efeito de fato jurídico: exercício de
vontade no acionar, exercício de vontade do órgão judicante
(competente) em cumprir a obrigação de receber o pedido,
de despachar e citar o réu (se não se tratar de mera ação
declaratória, sem destinatário passivo, o réu). Com a citação
válida ao réu, estabelece-se outra relação linear, circunver-
gindo para o órgão judicante, perfazendo a angularidade da
relação processual. A relação processual é, assim, efeito de
fato jurídico complexo.
A sentença definitiva, que é ato jurídico processual em
que culmina a série de atos processuais no juízo de primeira
ou única instância, insere-se na série de fatos e de relações
jurídicas antecedentes, como ato consequente (observe-se
que o silogismo judicial é a esquematização final, a mis en
forme de vários atos, das partes e do juiz, simplificado assim,
nesse final, como estrutura de argumento dedutivo). Mas se
a sentença é a proposição concludente, é o juízo normativo

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