Notas sobre a alienação familiar do idoso e da pessoa com deficiência

AutorVitor Almeida
Páginas99-120
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NOTAS SOBRE A ALIENAÇÃO FAMILIAR
DO IDOSO E DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA1
Vitor Almeida
Doutor e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ). Professor Adjunto de Direito Civil da Universidade Federal Rural do Rio
de Janeiro (ITR/UFRRJ). Professor dos cursos de especialização do CEPED-UERJ,
PUC-Rio, EMERJ e ESAP-PGE/RJ. Vice-diretor do Instituto Brasileiro de Bioética
e Biodireito (IBIOS). Advogado.
Sumário: 1. Considerações iniciais: vulnerabilidades e direito à convivência familiar – 2. O direito
à convivência familiar das pessoas idosas e/ou com deciência e a função instrumental da família
no desenvolvimento da personalidade – 3. A alienação da pessoa com deciência e/ou idosa
no contexto familiar. A alienação das pessoas submetidas à curatela – 4. Considerações nais.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS: VULNERABILIDADES E DIREITO À
CONVIVÊNCIA FAMILIAR
A preocupação com o direito à convivência familiar não se restringe apenas às
relações entre pais e lhos menores. Em comunidades intermediárias, reforça-se
a importância da manutenção dos vínculos e interações entre os familiares, em
especial, em relação aos integrantes vulneráveis, cujas demandas exigem enérgica
atenção dos demais membros no intuito de oferecer amparo, auxílio e cuidado,
indispensáveis à luz do comando constitucional da solidariedade familiar. No
caso de crianças e adolescentes, o ordenamento jurídico dispõe de diversos dis-
positivos legais e instrumentos que obrigam os pais a conviverem com seus lhos
e exercerem o dever de cuidado. Inclusive, na hipótese de descumprimento de
tais deveres os pais podem ser responsabilizados civilmente no caso de abandono
“afetivo”.2 Além disso, a edição da Lei 12.318/2010, que dispõe sobre a alienação
1. Partes das conclusões presentes neste texto já foram anteriormente objeto de investigação em ALMEI-
DA, Vitor. Reexões sobre alienação familiar da pessoa com deciência. Revista Eletrônica de Direito
do Centro Universitário Newton Paiva, v. 41, p. 128-144, 2020. A versão ora publicada foi revisada,
atualizada e ampliada.
2. Em sede pretoriana, cf. o pioneiro julgado que reconheceu o abandono afetivo e o consequente dever
de indenizar: “Civil e processual civil. Família. Abandono afetivo. Compensação por dano moral. Pos-
sibilidade. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e
o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico
objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções
e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. 3. Compro-
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parental, é exemplo eloquente de proteção à integridade psicofísica de crianças e
adolescentes e de promoção do direito à convivência familiar. Nesse sentido, os
atos de alienação parental consistem, basicamente, na interferência a formação
psicológica de infantes de maneira promovida ou induzida por um dos genitores
com o intuito de repudiar o outro genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento
ou à manutenção de vínculos com este.
Tais objetivos da Lei 12.318/2010 encontram relevo igualmente em relação
à exigência constitucional de garantia do direito à convivência familiar de outros
sujeitos vulneráveis nos tecidos familiares. Desse modo, cabe investigar a possi-
bilidade de reconhecer que os casos de interferências promovidas ou induzidas
que visem o afastamento de parentes com acentuada vulnerabilidade, a exemplo
das pessoas idosas e com deciência, submetidas ou não à curatela, nos termos
autorizados pela lei, em nítido prejuízo à manutenção do sadio convívio familiar,
em consonância com o seu melhor interesse e como forma de combater a violên-
cia psicológica intrafamiliar, também congura hipótese de alienação familiar,
sem base legal explícita, hábil a permitir a repressão pelo ordenamento jurídico.
Decerto, fundamentos constitucionais e legais não faltam para a garantia da con-
vivência familiar de pessoas vulneráveis.
Ancorada no art. 230 da Constituição, visualiza-se que a Lei 10.741/2003
garante o direito à convivência familiar das pessoas idosas como obrigação da
família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público, consoante expressa o
art. 3º. Além disso, assegura o direito à liberdade de participação na vida familiar
(art. 10, § 1º, V) e estabelece que as medidas de proteção ao idoso devem levar em
conta o fortalecimento dos vínculos familiares (art. 44). A bem da verdade, ao
mesmo tempo que o amparo familiar na velhice é fundamental para a garantida
de uma vida digna e de participação na vida familiar e comunitária, por outro,
é comum os familiares eclipsarem as vontades, os desejos e as preferências de
pessoas idosas, em nítido movimento paternalista e de infantilização, o que não
var que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência
de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente
tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em
vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos
morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade
de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados
parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos lhos, ao menos quanto à afeti-
vidade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do
abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revol-
vimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6.
A alteração do valor xado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial,
nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada.
7. Recurso especial parcialmente provido”. STJ, REsp 1159242/SP, 3ª T., rel. Min. Nancy Andrighi, j.
24.04.2012, DJ 10.05.2012.
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