Reflexões sobre o direito à autodeterminação existencial da pessoa idosa

AutorDeborah Pereira Pintos dos Santos e Vitor Almeida
Páginas165-193
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REFLEXÕES SOBRE O DIREITO
À AUTODETERMINAÇÃO EXISTENCIAL
DA PESSOA IDOSA
Deborah Pereira Pintos dos Santos
Doutoranda e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ). Master of Law pela Harvard Law School (LLM 18’). Procuradora
do Município do Rio de Janeiro (PGM-Rio). Advogada.
Vitor Almeida
Doutor e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ). Professor Adjunto de Direito Civil da Universidade Federal Rural do Rio
de Janeiro (ITR/UFRRJ). Professor dos cursos de especialização do CEPED-UERJ,
PUC-Rio, EMERJ e ESAP-PGE/RJ. Vice-diretor do Instituto Brasileiro de Bioética
e Biodireito (IBIOS). Advogado.
A tragédia da velhice não é ser-se velho, mas ser-se novo (Oscar Wilde)
Sumário: 1. Notas introdutórias: o envelhecimento do corpo e a vulnerabilidade social. A tutela
da pessoa idosa com deciência – 2. Personalidade, capacidade e liberdade: entre conceitos,
sentidos e função; 2.1 A capacidade de direito e de exercício. O regime das incapacidades:
absoluta e relativa. O Estatuto da Pessoa com Deciência e a capacidade das pessoas com
deciência mental e intelectual – 3. Capacidade e autonomia privada – 4. A vulnerabilidade da
pessoa idosa e seu melhor interesse – 5. O direito à autodeterminação do idoso em situações
existenciais – 6. Autonomia prospectiva existencial da pessoa idosa – 7. Notas conclusivas:
soberania da pessoa sobre o próprio corpo e o protagonismo sobre a trajetória da vida.
1. NOTAS INTRODUTÓRIAS: O ENVELHECIMENTO DO CORPO E A
VULNERABILIDADE SOCIAL. A TUTELA DA PESSOA IDOSA COM
DEFICIÊNCIA
A nitude da vida e a vulnerabilidade do corpo são signos da humanidade,
do destino comum que iguala as pessoas.1 As marcas do tempo são visíveis e o
corpo muda com o passar dos anos, e o processo de envelhecimento deve ser visto
1. BARROSO, Luis Roberto e MARTEL, Letícia de Campos Velho. A morte como ela é: dignidade e autono-
mia individual no m da vida. In: PEREIRA, Tânia da Silva, MENEZES, Rachel Aisengart e BARBOZA,
Heloisa Helena (Coord.). Vida, morte e dignidade humana. Rio de Janeiro: GZ, 2010, p. 176.
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como uma fase da vida na qual a dignidade da pessoa humana merece especial
proteção, em razão de sua maior vulnerabilidade.
Guita Grin Debert, em estudo de campo com um grupo de mulheres de
vida ativa com mais setenta anos, observou que “elas não se consideravam velhas,
sendo que a velhice era vista como um problema de outros que se comportavam
como velhos, mesmo que com menos idade. Isso porque “a velhice não estava
referida à idade, mas a perda de autonomia.2 Nesse sentido, frase emblemática é
atribuída a E. J. Stieglitz, para quem “a suprema tragédia da velhice é a convicção
da inutilidade”.3
O processo natural de envelhecimento do corpo não pode ser visto como
sinônimo de perda de autonomia da pessoa. A idade não é um aspecto per se inci-
dente sobre o status personae, sobre a capacidade jurídica como aptidão abstrata
à titularidade de situações subjetivas. Além disso, o simples passar dos anos não é
causa incapacitante, devendo ser vericada a real possibilidade de a pessoa fazer
escolhas e adotar comportamentos correlatos às situações subjetivas interessadas.4
De fato, não é de todo recente a preocupação com o envelhecimento popula-
cional e a posição do idoso na sociedade. Em âmbito internacional, em 1982, foi
elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU), o Plano de Ação para o
Envelhecimento, que ensejou a posterior adoção de uma Carta de Princípios da
ONU para as Pessoas Idosas, em 1991, e a consagração do Ano Internacional do
Idoso em 1999.5 Em 15 de junho de 2015 foi aprovada a Convenção Interame-
ricana sobre a proteção dos direitos humanos das pessoas idosas pelos Estados
2. DEBERT, Guita Grin. A reinvenção da velhice. São Paulo: EdUSP, 1999. p. 26. A partir de experiências em
audiências na vara de órfãos e sucessões da comarca da capital do Estado do Rio de Janeiro, juíza Andrea
Pachá desenvolveu essa mesma ideia no livro Velhos são os outros. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018.
3. STIEGLITZ, E. J. A suprema tragédia da velhice é a convicção da inutilidade. Senecta, Revista Médica,
Rio de Janeiro, 1978, apud, BARRETO, João de Deus Lacerda Menna. Aspectos jurídicos do envelhe-
cimento. Revista de Jurisprudência: Arquivos dos Tribunais de Alçada do Estado do Rio de Janeiro, 3ª
série, n. 6, 1986.
4. PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Renovar: Rio de Janeiro, 2008. p. 785.
5. “Com base no tema ‘Uma sociedade para todas as idades’, os países foram chamados a reetir, discutir e
tomar ações para que pessoas idosas e também de todas as idades vivam de maneira digna, com respeito
a seus direitos e sempre observando as peculiaridades de cada faixa etária. Independência, participação,
cuidado, possibilidade de autossatisfação e possibilitar que sejam agregados novos papéis e signicados
para a vida na idade avançada são, resumidamente, segundo a ONU, palavras-chave que deverão estar
presentes dentro de qualquer política destinada aos idosos, em qualquer parte do mundo. LOPES,
Elisabete Mariucci e GARCIA, José Alton. A inclusão jurídica e social do idoso. Revista Forense, n.
415, v. 108, 2012, p. 98-99. Vale destacar, ainda, a Declaração Política e o Plano de Ação Internacional
de Madri sobre o Envelhecimento (2002), bem como os instrumentos regionais, tais como a Estratégia
Regional de Implementação para a América Latina e o Caribe do Plano de Ação Internacional de Madri
sobre o Envelhecimento (2003), a Declaração de Brasília (2007), o Plano de Ação da Organização Pan-
-Americana da Saúde sobre a Saúde dos Idosos, Incluindo o Envelhecimento Ativo e Saudável (2009),
a Declaração de Compromisso de Port of Spain (2009) e a Carta de San José sobre os direitos do idoso
da América Latina e do Caribe (2012).
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