Pessoas idosas com alzheimer: diálogos entre a constituição federal, o estatuto do idoso e o estatuto da pessoa com deficiência

AutorGuilherme Calmon Nogueira da Gama e Marina Lacerda Nunes
Páginas121-147
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PESSOAS IDOSAS COM ALZHEIMER:
DIÁLOGOS ENTRE A CONSTITUIÇÃO
FEDERAL, O ESTATUTO DO IDOSO E O
ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
Guilherme Calmon Nogueira da Gama
Mestre e Doutor em Direito Civil pela UERJ. Professor Titular de Direito Civil da
UERJ e do IBMEC/RJ e Professor Permanente do PPGD da UNESA (RJ). Pesqui-
sador. Desembargador e Vice-Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª
Região (RJ-ES). Membro da Academia Brasileira de Direito Civil e do IBDFAM.
Marina Lacerda Nunes
Graduada em Direito pela UERJ. Graduada em Letras Português pela UnB.
Pesquisadora. Professora da Secretaria de Educação do Distrito Federal.
Sumário: 1. Noções gerais – 2. Tomada de decisão apoiada e a nova curatela sob a ótica do
EPD – 3. Valor jurídico do cuidado e princípio da solidariedade – 4. Diretivas antecipadas como
forma de preservação da autonomia existencial – 5. Possíveis soluções correspondentes aos
estágios do Alzheimer – 6. Legislação estrangeira – 7. Considerações nais.
1. NOÇÕES GERAIS
Segundo dados da Organização Mundial de Saúde e da Alzheimer`s Disease
International, divulgados em 2012, a demência é a principal causa de incapa-
cidade e dependência entre idosos mundialmente. Estima-se que a cada ano
surgem 7,7 milhões novos casos de demência, dentre os quais o Alzheimer é o
mais recorrente.1
Esse cenário alarmante do aumento signicativo da incidência da doença
de Alzheimer nas últimas décadas, sobretudo entre idosos, revela-se um grande
desao para família, sociedade e Estados, desde a vida pessoal de cada afetado
pela doença até as políticas públicas que devem ser formuladas especialmente
para pessoas com demência.
1. World Health Organization 2012. Dementia: a public health priority, p. 4. Disponível em: [http://apps.
who.int/iris/bitstream/10665/75263/1/9789241564458_eng.pdf]. Acesso em: 09.10.2018.
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GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA E MARINA LACERDA NUNES
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Considerando as diretrizes da Constituição Federal de 1988, do Estatuto
do Idoso (Lei 10.741/2003) e do recente Estatuto da Pessoa com Deciência ou
Lei Brasileira da Inclusão (Lei 13.146/2015), este trabalho pretende, diante da
releitura da teoria das incapacidades, da ressignicação do instituto da curatela
e da introdução do procedimento da tomada de decisão apoiada no Direito bra-
sileiro, propor soluções jurídicas correspondentes aos estágios do Alzheimer, a
partir da perspectiva da pessoa por trás da doença, que deve ter o exercício de
sua capacidade civil garantido, enquanto possível, e sua autonomia existencial
preservada, por exemplo, mediante o uso das diretivas antecipadas de vontade.
A falta de conscientização e compreensão das demências resulta, na maioria
dos países, em estigmatização, em barreiras para o diagnóstico e o cuidado, atin-
gindo os cuidadores, familiares e a sociedade física, psicológica e economicamente.
Por isso, é imprescindível que a demência integre a agenda de saúde pública em
todos os países.
Enquanto não logramos encontrar a cura para esse mal que cresce num ritmo
epidêmico, urge buscar novas soluções e mecanismos jurídicos para atender essa
parcela da população afetada pelo Alzheimer e assegurar-lhe ,da melhor maneira
possível, o direito ao livre desenvolvimento de sua personalidade e o exercício de
todas as expressões de vida,2 ainda que numa condição de extrema vulnerabilidade.
O diagnóstico de Alzheimer não torna as pessoas menos humanas, nem interfere
no núcleo duro de sua dignidade, que deve continuar sendo absolutamente con-
siderado e respeitado. Mesmo acometidas com a doença, continuam traçando
suas histórias e experiências, lutando e se superando a cada dia. O que as dene
não são o senso de desorientação, os esquecimentos constantes, a repetição de
frases, o comprometimento cognitivo ou a diculdade para executar atividades
cotidianas, mas sim a sua trajetória de vida, o que construíram, seus valores,
sonhos e paixões, sua liberdade de decidir por onde seguir enquanto for possível.
Os arts. 229 e 230 da Magna Carta asseguram à pessoa idosa o amparo
por parte da família, da sociedade e do Estado, bem como sua participação na
comunidade e a defesa de sua dignidade, seu bem-estar e seu direito à vida. São
normas inovadoras se consideramos que não existiam nos textos das Constituições
brasileiras anteriores a 1988.
Em 2022, o Estatuto do Idoso, Lei 10.741, de 1º de outubro de 2003, apro-
xima-se de 20 (vinte) anos de vigência no ordenamento jurídico brasileiro.
É possível reconhecê-lo como um microssistema legislativo que consagra
normas de diversas naturezas, seja de Direito Civil, Direito Administrativo,
2. TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Deciência psíquica e curatela: reexões sobre o viés da autonomia
privada. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, Belo Horizonte, v. 7, 2009, p. 77.
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