A obrigação alimentar dos avós (idosos) e o melhor interesse de crianças e adolescentes: trajetória evolutiva e ponderações à luz da aplicação judicial brasileira
Autor | Vanessa Ribeiro Corrêa Sampaio Souza |
Páginas | 227-242 |
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A OBRIGAÇÃO ALIMENTAR DOS AVÓS
(IDOSOS) E O MELHOR INTERESSE DE
CRIANÇAS E ADOLESCENTES: TRAJETÓRIA
EVOLUTIVA E PONDERAÇÕES À LUZ DA
APLICAÇÃO JUDICIAL BRASILEIRA
Vanessa Ribeiro Corrêa Sampaio Souza
Doutora em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Professora associada de direito civil da Universidade Federal Rural Rio de
Janeiro (UFRRJ-ITR).
Sumário: 1. Introdução – 2. Dos indivíduos às pessoas idosas – 3. A presença do idoso no
contexto familiar – 4. Proteção jurídica conferida às crianças e adolescentes – 5. Crianças e
adolescentes na condição de credores de prestações alimentícias devidas pelos avós; 5.1 O
Superior Tribunal de Justiça e as ações de alimentos propostas em face dos avós – 6. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
A presente pesquisa tem por objetivo apresentar a evolução do tratamento
jurídico conferido aos idosos e às crianças/adolescentes no que diz respeito à
interseção entre os seus interesses nos casos de prestação de alimentos pelos
avós. A família, enquanto núcleo para o cumprimento de interesses como a so-
lidariedade, permite a discussão acerca dos alimentos avoengos, o que põe em
voga a necessidade de ponderação entre os interesses de crianças, com vistas ao
seu desenvolvimento, e idosos, pessoas com necessidades especiais em função das
alterações físicas e metabólicas sofridas pelo corpo no decorrer do tempo. Nesse
intento, serão descritos julgados do Superior Tribunal de Justiça (2005-2021) sobre
a temática, com vistas à identicação dos fatores de ponderação envolvidos nas
referidas decisões, sobretudo no que pertine a uma eventual atuação protetiva
em favor dos idosos.
2. DOS INDIVÍDUOS ÀS PESSOAS IDOSAS
Enquanto o valor patrimonialista foi preponderante para justicar o sistema
jurídico e conformar a atribuição de direitos, não foi possível estabelecer normas
cuja nalidade fosse a proteção do indivíduo enquanto pessoa humana. Nesse
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contexto, a personalidade assumia sentido mais instrumental que nalístico e o
sujeito de direito recebia proteção jurídica formal do Estado que, em termos civis,
preocupava-se tão somente com a expressão válida de sua vontade, objetivo que
dependia tão somente da idade ou inexistência de perturbação mental.
A invisibilidade de algumas guras alimentava esse sistema e assumia, ao lado
da atribuição de papeis especícos, a responsabilidade por sua reprodução e deleté-
rias decorrências. A submissão feminina, a menor atenção às crianças e adolescentes
e a desconsideração para com os idosos, sobretudo aqueles que não assumiam a
gura da chea familiar, exemplicam aquela invisibilidade e constituem situações
cuja mudança perpassa uma modicação axiológica cuja implantação se aliou à
ocorrência de lutas e à expressão de políticas de proteção setorizadas.
A atual normativa constitucional fundamenta um tratamento especíco e
cuidadoso para aqueles que naturalmente possuem condições que conduzem à
vulnerabilidade, entendidos como tais, mais comumente, as crianças, os ado-
lescentes, os idosos e as pessoas com deciência. Essas pessoas, por sua própria
condição, independentemente de quaisquer relacionamentos sociais ou jurídi-
cos que venham a estabelecer, já se encontram em estado pecu liar por conta das
necessidades de adaptação física (modicações corporais decorrentes da idade1
e possíveis repercussões psíquicas a elas referentes) e de armação de direitos
(preservação ou conquista de autonomia). Ou seja, diferentemente de situações
jurídicas como a do consumidor – também considerado vulnerável, cuja esfera
de proteção se apresenta relacionada aos negócios – aquelas pessoas, por sua
condição humana, já se apresentam como dignas de diferenciada tutela.
Nesse sentido parece conduzir-se o entendimento de Heloisa Helena Barboza:
Considerados tais aspectos panorâmicos da situação do idoso, parece razoável concluir que
ele se encontra no grupo dos que têm sua vulnerabilidade potencializada, inscrevendo-se,
para ns de elaboração e aplicação das leis, na categoria dos vulnerados, ou seja, daqueles
que já se encontram, por força das contingências, em situação de desigualdade, devendo ser
‘discriminado positivamente’, para resguardo de sua dignidade.2
A cláusula geral de promoção da pessoa humana alberga a noção de proteção aos
idosos e cria base valorativa cuja nalidade está em justicar e suprir ações voltadas
1. Partindo de uma análise mais generalista sobre o tema, BARLETTA, Fabiana Rodrigues. A pessoa
idosa e seu direito prioritário à saúde: apontamentos a partir do princípio do melhor interesse do idoso.
Revista do IBDFAM: Famílias e Sucessões, n. 06, nov./dez. 2014, p. 73-86, arma que: “O envelhecimento
acarreta ‘trocas anatômicas e funcionais não produzidas por doenças’ e que diferem entre os indivíduos,
mas que fazem parte de um ‘processo biológico intrínseco, declinante e universal, no qual se podem
reconhecer marcas físicas e siológicas inerentes’” (p. 75).
2. BARBOZA, Heloisa Helena. O princípio do melhor interesse do idoso. In: PEREIRA, Tânia da Silva;
OLIVEIRA, Guilherme de. O cuidado como valor jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 57-71, p.
67 e 68.
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