Ônus da prova

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas97-115
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A Prova no Processo do Trabalho
Capítulo X
Ônus da Prova
Sinopse histórica
A preocupação doutrinária em estabelecer um critério preciso para a partição do ônus
da prova entre os litigantes remonta a épocas priscas.
Lembra Campos Batalha (ob. cit., p. 488) que, na Antiguidade, Aulus Gellius (Noctes
Atticae. Livro XIV, Cap. II), inspirando-se em seu mestre, o lósofo Favorinus (apoiado nos
ensinamentos de Catão), armava que, se as provas produzidas não convencessem, dever-
-se-ia decidir a favor do litigante mais probo; na hipótese de ambos possuírem a mesma
reputação, a decisão deveria propender em favor do réu. Tratava-se, como se vê, de um
critério de natureza complementar (somente incidiria se a prova não fosse suasória), que se
assentava na honorabilidade das partes. O subjetivismo de que era provido, contudo, revela
a falibilidade desse critério.
Foi no Direito Romano que se concebeu a regra semper onus probandi ei incumbit qui
dicit”, ou “semper necessitas probandi incumbit illi qui agit” (o ônus da prova incumbe a quem
arma ou age). Assim se dispôs porque quem por primeiro ingressava em juízo era o autor;
conseguintemente, como era ele quem armava, o ônus probandi lhe era atribuído (actori
incumbit onus probandi”: “ao autor incumbe o ônus da prova). Desse modo, o encargo da
prova não se transferia ao réu, mesmo que negasse os fatos alegados pelo autor (“ei incumbit
probatio qui dicit, non negat”: Paulus, Digesto. Livro XXII, Título III, de “probationibus et
praesumptionibus”, fragmento n. 2).
Não era correta, todavia, essa construção doutrinária porque, em determinados casos,
a alegação feita pelo réu envolvia um fato capaz de modicar, impedir ou extinguir o direito
do autor. Reconheceu-se, então, que a resposta do réu continha (ou poderia conter) também
uma armação; daí por que a ele se atribuiu o ônus da prova sempre que isso ocorresse,
erigindo-se, em seguida, a regra “reus in excipiendo t actor”, que Ulpiano (Digesto. Livro
XLIV, Título I, “de exceptionibus”, fragmento n. 1) assim enunciou: “reus in exceptione actor
est” (“o réu, na contestação, é autor”).
Esclareça-se que a “exceptione” (exceção) referida no texto de Ulpiano correspondia à
atual defesa.
Posteriormente, os glosadores, manuseando os textos romanos e baseados em Paulus
(Digesto. Livro XXII, Título III, fragmento n. 2), elaboraram um sistema de distribuição
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da carga probatória calcado em duas regras fundamentais: armanti non neganti incumbit
probatio e “negativa non sunt probanda” (“não se provam fatos negativos”).
A partir daí, empenhou-se — equivocadamente — a doutrina em pôr à frente, na
elaboração de critérios voltados à distribuição desse ônus, se a prova era positiva ou negativa,
pois se sustentava ser impossível a segunda. Essa atitude constitui a grande característica
do Direito medieval, que se inltrou em parte no Direito português antigo e acabou por
repercutir no próprio Código de Processo Civil brasileiro, de 1939, em cujo art. 209, § 1.º,
se estatuía: “Se o réu, na contestação, negar o fato alegado pelo autor, a este incumbirá o
ônus da prova” (grifamos).
Observa Porras López (ob. cit., p. 249) que esses princípios se zeram mais rigorosos
na Idade Média “debido al procedimiento esencialmente inquisitorial que privo en aquélla,
en este sentido, terrible época de la humanidad. Los principios tradicionales invocados
perfeccionados se aplicaban en la obscuridad de la clandestinidad, no en el debate público
y contradictorio y sobre principios de igualdad, sino en la penumbra, en la obscuridad y en
el secreto apenas alumbrado por Ias lúgubres y terribles velas del Santo Ocio, en donde el
poderoso aplastaba al débil”.
A propósito dos métodos de inquisição medieval, das pessoas acusadas de heresia,
sugerimos a leitura do livro Manual dos Inquisidores, de Nicolau Eymerich, escrito em 1376
(Brasília: Rosa dos Tempos. 2. ed., 1993).
A armação, porém, de que o fato negativo não se prova é inexata, ao menos como
regra geral. Há hipóteses em que uma alegação negativa traz, inerente, uma armativa,
conforme veremos em item especíco deste Capítulo. Antecipe-se, contudo, que o princípio de
que a negativa não se prova só prospera quando se trata de negativa indenida, exatamente
porque aí a impraticabilidade da prova reside não na negatividade, mas, sim, na indenição
do que a parte alegou.
Acertadamente, pois, a doutrina passou a extrair outra interpretação dos textos
romanos mais consentânea com a nova tendência, concluindo por estabelecer que o ônus
da prova incumbia ao autor. Tal regra, todavia, não era absoluta, pois ao réu se deslocava
esse encargo toda vez que, a par de negar a situação jurídica narrada pelo autor, a ele
opusesse uma outra, visto que “reus in exceptione actore est, como armava Ulpiano. E foi
sob essa nova orientação que se edicou a teoria clássica do encargo da prova, segundo a
qual “incumbe o ônus da prova àquela das partes que alega a existência ou inexistência
de um fato do qual pretenda induzir uma relação de direito” (SANTOS, Moacyr Amaral.
Primeiras Linhas..., p. 305).
Dentre os autores que contribuíram para a construção dessa teoria se encontram Lessona,
Mattirolo, Ricci, Garsonnet et Bru, João Monteiro e outros, conquanto, ao longo dos anos,
novas correntes de pensamento se formaram como resultado da inteligência idiossincráti ca
dos textos romanos, v. g., as lideradas por Bentham, Webber, Bethmann-Hollweg, Fitting,
Gianturco, Demogue — apenas para nomear alguns.
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