Produção antecipada de provas

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas138-186
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Manoel Antonio Teixeira Filho
Capítulo XIV
Produção Antecipada de Provas
Nota introdutória
Em capítulo anterior (VII), pudemos demonstrar que as normas procedimentais, como
é da sua índole, impõem, regra geral, aos litigantes uma rígida disciplina probatória, que,
por sua vez, constitui manifestação especíca de uma disciplina mais ampla, a que estão
sujeitos em toda relação processual.
Nesse quadro de disciplinamento da atividade das partes, no campo das provas,
destacam-se as normas xadoras do momento oportuno para a produção dos elementos
probantes, respeitada sempre a previsão legal quanto à partição do correspondente ônus
Em rigor, a lei estabelece, ao lado do momento, o lugar em que as provas devem ser
produzidas, segundo seja a natureza do meio escolhido.
Eventual desrespeito do demandante a essa disciplina traz-lhe, como consequência,
a preclusão temporal do direito de demonstrar a veracidade dos fatos em que funda a sua
pretensão in iudicio deducta. É conveniente lembrar, a propósito, a regra inscrita no art. 200
do CPC, a teor da qual a exaustão do prazo para a prática do ato acarreta, entre outras
consequências, a automática extinção de direitos processuais (ou seja, independentemente de
declaração judicial nesse sentido), ressalvada, é certo, a existência de justa causa impeditiva
da realização do ato processual de incumbência da parte.
Como é elementar, esses momentos oportunos para a prática de tais atos (entre eles, o
concernente à produção de provas) pressupõem o ajuizamento da ação principal; por outro
lado, revelam a preocupação do legislador em evitar atitudes tumultuárias do procedimento,
o que fatalmente ocorreria caso não submetesse a atuação dos litigantes a essa inexível
disciplina ordenadora.
Não é raro, entretanto, surgir para a parte o interesse ou a necessidade de produzir
determinada prova antes do instante que a norma legal indica como oportuno, seja para
utilizá-la na ação já em curso, ou em ação a ser ajuizada.
No sistema do CPC de 1973, a produção antecipada de provas integrava o capítulo
dedicado aos procedimentos cautelares especícos (arts. 846 a 851) e se justicava nos casos
em que a parte ou a testemunha: a) tivesse de ausentar-se (por longo período); b) por motivo
de idade ou de moléstia grave houvesse justo receio de que ao tempo da prova já não existisse,
ou estivesse impossibilitada de depor (art. 847).
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A Prova no Processo do Trabalho
O CPC de 2015 alterou essa disciplina, prevendo a produção antecipada de prova nos
casos mencionados no art. 381, a saber: I – quando houver fundado receio de que venha
a tornar-se impossível ou muito difícil a vericação de certos fatos na pendência da ação;
II – quando a prova a ser produzida for suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro
meio adequado de solução de conito; III – quando o prévio conhecimento dos fatos puder
justicar ou evitar o ajuizamento de ação.
Sob certo aspecto, podemos armar que as situações previstas no art. 847, do CPC de
1973, estão compreendidas na disposição genérica do art. 381, inciso I, do Código atual. Por
outro lado, conquanto o CPC de 2015 – à dessemelhança do CPC anterior — não contenha
um Livro destinado ao processo cautelar, a produção antecipada de provas, sob o ponto de
vista sistemático, participa dessa natureza, quando menos, no caso do inciso I do art. 381,
conjugado com o art. 300, do mesmo Estatuto Processual.
Em outras hipóteses, como de exame pericial destinado a constatar a existência, ou não,
de insalubridade ou de periculosidade, a necessidade de antecipar-se a elaboração da prova
pretendida pode estar relacionada ao fato de o estabelecimento a ser examinado encontrar-se
em vias de ser desativado ou extinto, ou mesmo de passar por uma profunda reformulação,
de modo que, a esperar-se o advento do momento adequado, na ação principal, já não haveria
condições de ser realizada essa prova. Segue-se, que o requerimento, formulado apenas
nesta última situação, haveria de ser indeferido diante da manifesta impraticabilidade da
vericação pretendida (CPC, art. 464, § 1.º, III). Ressalve-se, contudo, a possibilidade de o
juiz, a requerimento das partes ou ex ocio, substituir a perícia (inclusive, a impraticável)
pela produção de prova técnica simplicada, sempre que o ponto controverso apresentar
menor complexidade (art. 464, § 3.º), caso em que a prova consistirá somente na inquirição
de especialista, pelo juiz (ibidem, § 3.º).
Sempre, pois, que a parte julgar necessária a produção antecipada das provas, em que
fundamenta ou fundamentará o seu direito, deverá valer-se do procedimento traçado pelos
arts. 381 a 383, do CPC — desde que presentes os pressupostos legais correspondentes.
Às provas produzidas antecipadamente, a doutrina vogante ao tempo do CPC de 1939
denominava ad perpetuam rei memoriam, na medida em que a sua nalidade era (como
hoje ainda é) perpetuar, conservar o meio de prova de que o interessado iria utilizar-se
mais adiante.
O CPC de 1973 declarava, no art. 847, que a produção antecipada de provas poderia
ser requerida tanto antes do ajuizamento da ação principal, quanto no curso desta. Em que
pese ao fato de o art. 381, do CPC de 2015, não conter declaração expressa nesse sentido,
é evidente que o procedimento da produção antecipada de provas poderá ser instaurado
tanto antes do ajuizamento da ação principal, quanto na pendência do processo que a esta
diga respeito.
Quando a antecipação da prova ocorre no curso do processo principal, diz-se que é
incidental; vindo a ser feita antes mesmo do exercício da ação principal, tem caráter
antecedente. Tanto lá como aqui, todavia, ela não perde o seu traço característico de medida
cautelar, com procedimento especíco.
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Origem. O direito estrangeiro
A origem da prova ad perpetuam remonta ao direito romano. Extrai-se essa conclusão
pela leitura das “Pandectas”, particularmente do Fr. 40 D. “Ad Legem Aquiliam” (IX, 2) e
Fr. 3, § 5.º, D. “De Carboniano edicto” (XXXVII, 10).
Observa Carlo Lessona que na novela 90, Cap. IX, se encontra a verdadeira demons-
tração da existência da prova para futura memória (ad perpetuam), embora tendo como
pressuposto a lesão, já congurada, do direito. Conclui o ilustre jurista: “Aqui temos,
verdadeira e precisamente, a prova para futura memória (...) e, como se vê da premissa de
Justiniano, ela teria sido criada pela prática judiciária, que o imperador se limitou a consagrar
e tornar real”(68).
De maneira algo generalizada, o direito estrangeiro moderno — atendida a peculia-
ridade da legislação de cada país — prevê essa modalidade de prova; podemos citar, como
exemplo, Portugal, Alemanha, Áustria, Itália, Espanha, Argentina, Colômbia, sem embargo
de outros.
A prova ad perpetuam também estava no texto das antigas Ordenações portuguesas.
Ilustremos com o que dispunham, sobre o assunto, as Afonsinas: “E se o auctor, antes da
demanda começada, requerer ao Julgador que lhe sejam perguntadas algumas testemunhas
sobre a cousa, que entende demandar, alegando que são muito velhas, ou enfermas de grande
enfermidade, ou estão aviadas para se partir para fora do Reino, e que seus ditos stém cerrados
para os dar em ajuda de sua prova, e se abrirem e publicarem ao tempo, que com direito se
deva fazer, mandalas-a o julgador perguntar, sendo elle primeiramente informado da dita
velhice e enfermidade, ou longa absencia, sendo outrossim a parte contraria citada, para
ver como juram, em sua pessoa, se poder ser achada, se não à porta de sua casa, presente
sua mulher, ou visinhança, que lho hajam de noticar.”
“E se por parte do réo for feito semelhante requerimento, ainda que as testemunhas
não sejam velhas, nem enfermas, nem esperem ser absentes, serão perguntadas em
todo caso, sendo a parte citada em sua pessoa, ou em sua casa, para ver como juram, e
as inquirições cerradas, assim como dito he no requerimento feito por parte ao auctor;
porque dito réo não sabe quando lhe será feita a demanda, nem está em seu poder
de lhe ser feita tarde ou cedo; e se lhe assi não fossem perguntadas as testemunhas
em todo o tempo por elle requerido, poderiam falecer ao tempo da demanda feita, e
perecer seu direito.”
Iter, a vistoria poderia ser efetuada ad perpetuam rei memoriam, como relata Lobão:
“Podem-se gurar muitos casos em que seja necessária Vistoria ainda mesmo antes do
ingresso da lide, e ‘ad perpetuam rei memoriam’; como v. g. examinando-se o damno feito
em hum animal, em huma escrava, e em qualquer cousa que possa variar de estado no
progresso da demanda, Código Civil do Imperador José II, § 202”(69).
(68) Trattato delle prove in matéria civile. 1916, vol. 4, n. 365.
(69) Colleção de dissertações e tractados vários. In: Segundas linhas. Tractado XIV, § 5.º.
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